Julia Buenaventura: Em 1990, depois de estudar arte europeia, você vai para as Ilhas Canárias e descobre um novo panorama de arte latino-americana, espanhola e africana, que desperta seu interesse. Como foi a coincidência desse seu interesse e o início da Coleção Daros Latino-América?
Hans-Michael Herzog: Durante os anos noventa não pude realizar nada com as informações que tinha conseguido, porque nessa época ninguém estava interessado na arte latino-americana. Depois, por um outro motivo (o empréstimo de uma obra que precisava para uma mostra na Alemanha), conheci os colegas da Coleção Daros, e tivemos uma conversa na que eles me disseram: “Olha, temos uma idéia, um projeto sobre Latino-américa”. Mais adiante, convidaram-me a falar com Ruth Schmidheiny, a dona desta coleção. Encontramo-nos, e fomos nos aproximando. Eu propus a ela um projeto e concordamos sobre como poderia ser uma coleção latino-americana.
JB: Em algum momento, você afirmou que o panorama de arte europeia lhe produzia um certo tédio. Por que?
HMH: Sim. Não só a arte europeia, mas dos dois lados do Oceano, de Estados Unidos e Europa. Viajei muito pela Europa durante os anos 80. Não sei quanto tempo passei só em Nova York. Conheci o cenário: colegas, colecionadores, artistas, etecetera, e fiquei entediado, pois uma vez você conhece o cenário, o conhece. Achei-o um pouco repetitivo e formalista.
JB: E qual seria a diferença entre esse cenário e o cenário da arte latino-americana atual?
HMH: Nessa época, especialmente para mim, era algo por descobrir. Compreendi que se tratava de algo muito importante. Existia uma quantidade de artistas e de obras que quis explorar, compreender, isso foi um desafio. O outro desafio se apresentou no trabalho, nas viagens, na comunicação e escuta de diferentes pessoas do mundo das artes na América Latina. Em pouco tempo, compreendi que existia outro tipo de relação com as artes. Tudo era mais intenso. A forma como os artistas pensavam a arte, como a penetravam; seus objetos, a forma como queriam expressar suas idéias. Eu não estava costumado a ter muitas discussões onde morava, pois na Europa, igual aos Estados Unidos, as pessoas já não discutem as obras de arte. Na América Latina era completamente diferente, muito mais intenso, mais vivo.
JB: Nos textos institucionais da Casa Daros, diz: “Para nós é importante que ela [a coleção] seja composta por obras que não representem simplesmente a arte pela arte posso afirmar que encontrei o menos de isso, pois a quantidade de produçoas j isso foi um desafio. O outro desafio se apresentou”; essa seria uma característica da coleção ou da arte latino-americana?
HMH: É muito difícil generalizar. Claro, é um fato que não quero trazer exemplos da arte pela arte nesta coleção. Contudo, é um fato que esse tipo de arte existe no mundo inteiro, na América Latina também. Não poderia dizer se a arte latino-americana tem um pouco menos disso, pois a quantidade de produção é enorme, mas posso afirmar que encontrei muitos personagens do mundo latino-americano que produziam coisas que não tinham nada a ver com a arte pela arte e posso afirmar que, na Europa, encontrei uma maior quantidade de artistas formalistas. Porém, pode ser uma opinião pessoal.
JB: No entanto, essas linhas introdutórias da coleção são interessantes, porque mostram uma posição na seleção das obras, e abrem todo um espaço de discussão. O que acha?
HMH: Se é assim, estou mais que contente. Vejo esta coleção como um contentor, e quero que outros colegas, sejam latino-americanos ou de outras partes do mundo, possam fazer novas exposições, constelações, utilizando a própria coleção. Eu ficaria mais do que feliz se alguém viesse a selecionar obras do acervo da Casa Daros Latino-américa, pois não é somente para nós.
JB: A coleção, então, está aberta a empréstimos, a circulação?
HMH: Completamente. Interessa-nos que mais pessoas possam vê-la, desde pontos de vista distintos, diferentes do nosso.