Explicação de JMJ sobre imagens a respeito do seu projeto para Complexo do Alemão: Bom, aqui eu vou apresentar então um projeto para o Complexo do Alemão, que é esse magma mesmo, essa coisa bem pixelada...O que observei no Complexo do Alemão é que ali não existe nenhum espaço público, tudo que podia ser construído já foi construído, não há praticamente nenhuma árvore que você possa ver. Então toda a complexidade do sócio-espacial contemporâneo se encontra ali. Propus então um esquema de projeto onde não interessa tanto as medidas quanto as relações que as coisas mantêm entre si.
AA/RP/AG: Desculpe, não interessa tanto a medida...
JMJ: As medidas, as dimensões físicas.
AA/RP/AG: E sim as relações.
JMJ: Sim. As relações de proximidade que as coisas mantêm, por isso mais antropológico que outra coisa esse esquema.
Então, isso para mostrar, a partir dessa minha leitura da estrutura do lugar, que se reprograma, se reconfigura a divisão territorial das diferentes favelas do Complexo do Alemão para poder transformá-las em áreas de planejamento urbano. O sistema viário infra-estruturante tem uma grande importância porque é a coisa mais cara, mais pesada de um investimento.
No caso da escola de samba e do campo de futebol nós não mexemos, pois são sagrados, intocáveis... E depois, agregamos uma creche, uma pracinha, um coreto, o lugar da coleta de lixo, ou seja, equipamentos públicos que têm a ver com serviços, e que permitem introduzir elementos paisagísticos e arquitetônicos no lugar, que mostram a presença do público no privado, na escala de proximidade.
Bom, no Complexo do Alemão, a intervenção tinha a ver com transporte, com o meio-ambiente, com a habitação, com a educação, com o esporte, com o desenvolvimento socioeconômico (geração de trabalho e renda), com saúde. Nem tudo isso foi feito, e o projeto propunha a criação desse centro cívico do qual só foi feita a escola, a creche – por sinal, horrível, uma coisa espantosa, que foi um projeto da prefeitura –, e um centrinho comercial do lado. A creche enfeou o lugar, porque foi um projeto feito sem nenhum cuidado, apenas como constructo, sem nenhuma elaboração; e hoje, o que tem, que foi construído do projeto que eu fiz, é apenas a escola.
Tudo isso para mostrar a intensidade, a riqueza, a potência que tem o lugar, a favela. O espaço da favela é muito rico sociologicamente, economicamente e culturalmente... O Complexo do Alemão.. E, do lado, a casa da Explicadora...
AA/RP/AG:Casa da Explicadora?
JMJ: É uma das primeiras casas do Complexo do Alemão. A “explicadora” dava aula de reforço escolar para escola primária e, com o dinheiro ganho nesse espaço, ela concluiu sua casa. Então eu usei essa referência para o projeto. A Casa da Explicadora tem a mesa, a cadeira e eu coloquei a pia fora do banheiro para poder servir para cabeleireiro, trabalhos que tenham a ver com o uso de água...outras funções possíveis.
AA/RP/AG: É como se fosse uma parte comercial antes de chegar na parte íntima da casa?
JMJ: Sim, claramente; um lugar de trabalho na frente, e depois tem a casa dela integrada, com uma escada, dois quartos em cima, etc... Foi nesse quarto que o então Presidente Lula falou quando chegou para inaugurar a obra em 2010. Ele subiu aí com um monte de gente, e tinha o protótipo para mostrar para o pessoal como ia ser a casa; ele falou sobre os dois quartos e a importância da varanda, pois o trabalhador muitas vezes chega com a cabeça cheia de problemas do trabalho, cansado, tem problema com a patroa, sai na varanda, fuma um cigarro, volta e resolve o problema.
AA/RP/AG: O Lula falou isso?
JMJ: É. Então essa função terapêutica da varanda sugerida pelo Lula me inspirou a fazer todos os projetos com varanda. Então todos os projetos aqui eram duplex, cada um com a sua varandinha. Outro elemento importantíssimo foi o tijolo ecológico utilizado para as paredes.
AA/RP/AG: O que é um tijolo ecológico?
JMJ: Tijolo ecológico é um tijolo feito sem queima de madeira, com material de barro, compactado e que, digamos, não produz contaminação do ambiente.
AA/RP/AG: Quantas unidades?
JMJ: Eram 350 unidades habitacionais, incluindo um centro de geração de trabalho e renda, com um equipamento para apoio das atividades esportivas; um campo de futebol, uma quadra polivalente, espaços para o lazer das crianças, dos jovens e da terceira idade, e estacionamento. Tudo isso configurando uma nova porta de entrada para o Complexo do Alemão. Porta entre aspas, no sentido da cidade antiga, tradicional. E, para mim, veio a oportunidade de reintroduzir a vegetação no lugar: em todas as escalas, pequena, média e grande ou mesmo territorial; a cidade tem que ser reequilibrada, como falava Lúcio Costa; reequilibrar a relação entre massa verde e massa construída que tem que ser totalmente revista e reformulada porque, sobretudo na favela, são absolutamente carentes de vegetação...
AA/RP/AG: Áridos?
JMJ: Aridíssimos, portanto feios no sentido ambiental. Ou seja, as árvores embelezam os lugares e regulam ambientalmente a temperatura, então isso aí é uma preocupação que deveria ser a primeira do poder público. Por que não se faz? Bom, não se faz porque as árvores crescem lentamente, então os políticos não podem inaugurar árvores plantadas; e, por outro lado, também porque não temos uma cultura de proteção e de cuidado por parte da população. Além disso, temos o domínio e a opressão do automóvel, onde verificamos um vandalismo do automobilista em relação ao espaço do pedestre e da vegetação.
Outro ponto importante é que o teleférico ali construído recolocou o Complexo do Alemão no mapa da cidade. Ninguém sabia onde ficava, ninguém nunca ia pensar em ir ao Complexo do Alemão porque ele estava associado àquilo de mais tenebroso no imaginário da cidade quando iniciamos o projeto. Hoje, quando você chega ao Aeroporto Internacional, que é uma porta de entrada da cidade, a primeira coisa que vemos são as estações do teleférico, a igreja da Penha e o Cristo Redentor. Isso me fez pensar em uma música italiana que diz que a linha vertical se eleva na direção do espírito, enquanto que a linha horizontal se estende sobre a ação humana. Portanto, o espiritual e as relações humanas formam sempre aquelas duas tensões que são configuradoras da cidade. A linha vertical das igrejas, da cidade tradicional, histórica, e a linha horizontal das construções comuns, habitacionais. E essas são duas forças que compõem a cidade e a gente tem que projetar com elas, com a vertical e a horizontal. Se uma delas falta, digamos que é provável que a cidade seja meio chata, meio sem graça.
O teleférico do Alemão tem 3.5 km, onde cada estação possui uma função diferente de acordo com o contexto. Umas têm biblioteca, outras têm salas de gravação, outras têm salas de lazer, de modo que a estação não seja só um elemento funcional, mas que possa gerar em torno dela outros espaços, para exposições, eventos, manifestações culturais da comunidade, enfim, para várias coisas.
A gente está fazendo agora um trabalho em volta de cem casas ao redor da Estação do Adeus e da Estação de Palmeiras para melhorar a qualidade de cada unidade habitacional existente e ajudando a configurar uma atividade comercial formalizada. É possível fazer, eventualmente, uma horta comunitária e introduzir melhorias tais como a impermeabilização do teto, da parede, conexões sanitárias para banheiros e cozinhas e, enfim, tudo que faça a melhoria da condição de vida do habitante, da sua casa e do espaço imediatamente externo, ou seja, a rua, a escadaria, a viela.
AA/RP/AG: Isso é obra do PAC ou Minha Casa, Minha Vida...?
JMJ: Não, isso que estamos fazendo agora é um fundo sócio-ambiental da Caixa Econômica Federal; não tem a ver com o PAC. São obras do Ministério da Cidade com verba do Governo Federal.
Desenhamos uma cortina vegetal nos croquis das estações do teleférico, que sempre, no início, foram pensadas como estações verdes, mas depois não foram executadas.
AA/RP/AG: O que é essa cortina vegetal?
JMJ: É uma fachada verde, pendurada de cima até embaixo; tem algumas na Lagoa, em Botafogo... Normalmente, da parte da garagem desce uma espécie de ”cabeleira”, e quando venta, isso se mexe e adquire um caráter lúdico, e é muito mais vistoso do que simplesmente uma parede de alvenaria.
Bem, o teleférico foi uma contribuição importante para a mobilidade da população. Tudo aquilo que se falava, que estava errado, que era só para os turistas, você vai lá e verifica que quem usa predominantemente é a população da favela, que cada vez utiliza mais à medida que vai se entrosando, que vai se apropriando do equipamento. E, sobretudo, a função importantíssima que teve de amenizar o estigma do topo do morro, porque era no topo do morro que estavam os traficantes, mesmo depois da chegada da polícia. Então, ao colocarmos o sistema de visualização de 3,5km de todo o percurso, fica fácil de controlar o que acontece embaixo. Portanto, o próprio morador controla e vê se, por exemplo, em um ponto tem grande acúmulo de lixo ou em outro ponto tem alguma coisa estranha acontecendo. Assim, o teleférico se converteu num equipamento de grande prestígio, num elemento de grande mobilidade e de ampliação de autoestima da população local. É a única comunidade que tem um sistema desses massivo de circulação no país.
AA/RP/AG: Ligado ao trem, né?
JMJ: Sim, que coloca a possibilidade de qualquer morador saltar de sua casa, pegar o trem e chegar no centro da cidade. Por outro lado, o teleférico não é uma recomendação para qualquer favela. Tem que se ver a densidade, a pertinência; tem que se fazer estudos de viabilidade no local para ver se justifica ou não, se vai ter uma necessidade, real ou não.