GC: Em um artigo que eu publiquei recentemente no Brasil (Novas tecnologias na construção de edifícios: estabelecendo a ponte entre o processo criativo e a produção por controle numérico) eu falei sobre a conexão entre os escritórios de arquitetura e a fabricação digital e a programação, e eu sugeri que existem três maneiras de fazer isso: com um grupo interno, por exemplo o Specialist Modeling Group do escritório Foster and Partners, o qual é apenas acessível para grandes escritórios (Caroline Bos também disse que eles estão criando um grupo dentro do UNStudio); algumas vezes a empresa de fabricação tem sua própria equipe de especialistas, como a Bemo Systems, que tem Peter Mehrtens trabalhando na comunicação com os arquitetos; e finalmente por meio de consultores independentes como você, pessoas que estão no meio do processo. Qual desses modelos você acha que funciona melhor? E você, apesar de todas as dificuldades que já me explicou, gostaria de entrar em um grande escritório de arquitetura e ser integrante de um time como o Specialist Modeling Group do Foster?
MD: Esta é uma questão complexa. Pessoalmente eu jamais faria isso, pois eu tenho vivenciado como é trabalhar para alguém, ou em grandes escritórios, e isso para mim é muito improdutivo. Isto porque você tem trabalho quando os projetos grandes entram, mas depois você não tem, então precisa fazer outras coisas no escritório; você não pode simplesmente ir para casa, então é muito improdutivo trabalhar em uma máquina como esta, esta é a razão pela qual eu decidi que eu nunca mais irei trabalhar para alguém novamente, então tenho minha própria empresa. O problema é que meu trabalho, como eu descrevi antes, é muito instável. Tem forças de todos os lados te pressionando. Você só pode fazer isso por um longo período se você tiver muito bons contatos e amizades. Em um mercado livre você não pode fazer isso. Eles tentam tirar você do jogo. Eles tentam fazer dentro do escritório as coisas que você faz. Eles tentam formar grupos dentro dos escritórios, mas eles não têm pessoas com o mesmo conhecimento que eu, que podem programar dez horas por dia. Mas por eu ter desenvolvido trabalhos para muitos escritórios eu aprendi muito e adquiri muito mais experiência. Por outro lado, os arquitetos ainda não acham que precisam dessa experiência, eles acham que podem resolver apenas com o Grasshopper. Essa é a razão pela qual eu direcionei meu trabalho para os engenheiros estruturais, pois eles têm problemas que são extremamente complexos e não é possível simplificar. Daqui a três meses eles vêm com algo concreto... com este tipo de coisas que as pessoas não querem experimentar, então eles decidem me contratar.
GC: Como um arquiteto, você sente falta da atividade de projeto?
MD: Eu sinto falta sim, eu amo projetar. Se eu pudesse escolher eu sempre trabalharia com arquitetos, mas eles não querem trabalhar comigo como consultor, apenas se eu for um empregado nos seus escritórios, mas isso, na minha experiência, apenas funciona com contatos e amigos, como eu disse. Pois até mesmo eu, se eu tivesse um escritório de arquitetura, eu não iria terceirizar. Eu sempre iria simplificar e fazer eu mesmo.
GC: Quando você faz a otimização estrutural você também entra no detalhamento? Isto também é projetar, mas em um nível diferente.
MD: Eu ainda não cheguei a este nível, no qual as pessoas confiam a mim uma parte do projeto. Eu recebo um problema matemático geralmente, com um conjunto de regras que eu tenho que resolver: como gerar algo automaticamente ou como otimizar algo. Então eu raramente projeto algo, pois geralmente eu trabalho para empresas que desenvolvem apenas componentes construtivos. Quando eu começo meu trabalho a fase de projeto já terminou. Eles sabem exatamente o que eles querem fazer e eles apenas querem automatizar o processo.
GC: E quanto ao processo de fabricação? Você também prepara arquivos para isto?
MD: Sim, também faço. Para a empresa Seele, que produz, mas também terceiriza a produção. Eles estão em muitos países, eles estão na Alemanha, Áustria, Reino Unido, Abu Dhabi, Dubai, aproximadamente 50 lugares. Na Alemanha eles são os mais famosos para estruturas metálicas e vidro. Por exemplo, eles fizeram o cubo da loja da Apple em Nova Iorque, e as escadas de vidro. Agora eu estou trabalhando no prédio da Bloomberg em Londres, gerando uma geometria muito complexa da balaustrada de vidro. Ficará fixo no concreto, e há milhares de elementos de aço que são singulares. Eu tive que programar um conjunto de ferramentas para gerá-los, e no final eu estou praticamente entregando os arquivos para as máquinas CNC e as plantas com as dimensões, que são, em teoria, desnecessárias, mas eles precisam para checar. Eu gostaria de focar mais nisso; é algo que eles não podem fazer por si próprios. Na minha experiência ninguém irá me pedir para fazer algo a não ser que eles não possam fazer sozinhos. A vida me ensinou que eu preciso fazer algo que ninguém mais consegue fazer. Eu gostaria de ser como essas pessoas que conseguem um trabalho mesmo que outra pessoa possa fazer igual. Mas infelizmente o motivo é por causa da minha posição, pois eu sou estrangeiro, eu não tenho contatos. Por isso estou focado nesta coisa extremamente complexa e precisa, que é a fabricação com CNC de elementos complexos e sua otimização. Um monte de pessoas está trabalhando com projeto paramétrico com Grasshopper, mas isto é outro nível.. é suficiente para o processo de projeto. O meu nível (de programação) é apenas necessário para coisas mais complicadas. Os arquitetos dirão: “esses não precisam ser elementos únicos; vamos fazer apenas 5 únicos e copiá-los”. Eles podem sempre simplificar e eu não serei necessário.
GC: A Seele tem especialistas em CNC trabalhando para eles?
MD: Grandes empresas têm especialistas, mas eles me procuram quando os seus especialistas não possuem o conhecimento necessário para resolver o problema do projeto. Eles contratam especialistas cada vez melhores e eu sempre tenho que ser melhor e melhor que eles. Mas às vezes os especialistas deles cometem erros, e infelizmente eu consigo muitos trabalhos quando isso acontece. Eu preferia participar desde o começo do projeto para não haver esses erros. Isso seria muito mais eficiente. Eu trabalhei em um projeto que tinha elementos de forma livre na fachada; havia polígonos de diferentes formas, muitos deles eram únicos. Eles produziram cada arquivo separadamente no CATIA de cada elemento com todas as barras de aço e detalhes. Eles enviaram para a empresa que supostamente produziria os elementos, mas todos os elementos estavam inseridos no ponto de origem em vez de efetivamente no local do modelo 3D, e eles não tinham certeza se fecharia com a geometria do edifício. Isto poderia ter sido evitado com uma simples conexão no começo, mas não foi feito, eu tive que fazer de trás pra frente. Eu desenvolvi um algoritmo de inteligência artificial que importava os arquivos CATIA, reconhecia a geometria e colocava de volta no local do modelo 3D. Uma vez que eu fiz automaticamente para todos os elementos nós encontramos muitos erros. Havia alguns erros no processo, então eu na verdade economizei dinheiro para eles, mas muito mais dinheiro poderia ter sido economizado se eu tivesse trabalhado para eles por duas horas num estágio inicial do projeto, em vez de um mês corrigindo tudo. E o projeto em que estou trabalhando agora em Londres tem algumas similaridades nas balaustradas. No entanto, elas não possuem forma livre. Elas são geradas por uma curva descrita matematicamente. Em teoria, os elementos deveriam ser similares, mas a construtora já havia instalado alguns suportes de aço que não podiam ser removidos, e tinham uma posição aleatória estranha, então eu precisei programar a forma da balaustrada para encaixar nesses elementos de aço. Mas se tivessem me chamado do começo isso encaixaria perfeitamente e não haveria trabalho extra. Então muito trabalho que eu faço vem do erro de outras pessoas, eu gostaria de não ter que fazer isso, mas eles teriam que me contratar desde o começo.
GC: Há uma discussão sobre a arquitetura performativa atualmente. Você alguma vez teve que solucionar um problema multicritério, no qual além de lidar com a otimização estrutural, você teve que lidar com outro objetivo, como o desempenho térmico?
MD: Não, mas eu gostaria de fazer isto. É possível, mas jamais me pediram para fazer, pois não sou incluído em todo o processo. Somente quando as pessoas ficam travadas em um grande problema é que eles me procuram para resolver essa parte específica. Então eu faço um algoritmo, resolvo, e então eles continuam por conta própria. Eu gostaria de estar envolvido nos projetos desde o começo, então eu poderia mostrar a eles como o processo pode ser eficiente. Neste momento a única maneira seria trabalhando para alguma empresa, mas eu não quero fazer isto. Faz sentido para estas empresas terem sua equipe interna para economizar dinheiro, mas eu tenho muito mais experiência, eu comecei muito cedo, e trabalhei em diferentes problemas. Eu estou ficando melhor em resolver problemas que não podem ser resolvidos. Eles me dão os problemas mais difíceis e quando eu soluciono eu adquiro essa experiência. Eles estão me fazendo ficar cada vez melhor.
GC: Mas você sempre tem sido capaz de resolver?
MD: Sim, sempre! Eu frequentemente passo algumas noites sem dormir pensando “isto não dá pra resolver”, ou “isto é geometricamente impossível”. No final eu sempre dou um jeito, mas é sempre muito estressante. Eu gostaria de fazer meu trabalho de maneira mais estável, mas a maneira de fazer isso seria entrando na área. Ou eu vou para a produção, eu contato algumas empresas pequenas que tenham máquinas CNC e então eu entro em concorrência com empresas grandes, e digo: ok, você é uma empresa de mil empregados, o seu valor é de um milhão de Euros para produzir um elemento, mas eu ofereço por cem mil Euros. Eu acredito que nós com conhecimento em programação podemos fazer o que as grandes empresas estão fazendo sem esse conhecimento. Talvez também na fase de projeto. Eu poderia me associar com algum escritório de arquitetura bem pequeno com apenas cinco funcionários e dizer: olhem, nós vamos entrar nessa concorrência, mas nós vamos desenvolver esse algoritmo que irá desenhar algo que ninguém mais pode fazer. Então nós apenas temos que pensar o que podemos fazer com isso.
GC: E sobre concursos de arquitetura? Você participou de algum?
MD: Eu tenho essa obsessão em não perder meu tempo. Eu tenho quase uma fobia de perder tempo, e essa é a razão pela qual eu praticamente não me permito entrar em concursos. Para que eu participasse somente seria com alguma grande ideia, ou com algum arquiteto me procurando, me inspirando e me dizendo vamos tentar isso com alguma programação, mas isso nunca aconteceu. Talvez porque eu não tenho muito contato com arquitetos, e é difícil competir com grandes empresas. Eles não competem, eles arriscam. Eles fazem um jogo de probabilidade. Eles entram em vinte concursos por mês, eles colocam estudantes para fazer o trabalho, e eles acabam ganhando alguns. Se eu estou sozinho não posso bancar isso, mas é como as grandes empresas crescem.