Tenho falado muito no Brasil todo, na maior parte das vezes para arquitetos e escolas de arquitetura, mas não só. Encontro um ambiente muito interessante, avançado e generoso, vamos dizer assim. De uma utopia em relação às cidades e uma utopia coletiva. O que me parece que a gente não encontra é uma organização desses professores, desses arquitetos, organizados muitas vezes em IABs ou em sindicatos.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo, CAU, foi criado num momento em que a correlação de forças no Brasil estava caminhando para o conservadorismo. Talvez por isso tenha resultado muito mais conservador do que nós esperávamos. Nós, que lutamos para sair do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, o CREA, tínhamos uma esperança em relação ao CAU: que seria muito mais libertador do que resultou nesses anos. Agora se começa a perceber que em alguns Estados isso já está sendo revertido.
Estive no encontro da Federação Nacional dos Arquitetos, FNA, para falar e é tanta gente importante do ponto de vista intelectual, profissional, político, e da militância política, que fiquei pensando que nós temos um exército, que são os arquitetos engajados. E não são poucos. Você vê aqui na Paraíba que não são poucos. O que nos falta é um grau maior de organização.
Sou de uma geração que pensa no partido leninista. A moçada que vem aí traz uma outra pegada, já para usar um termo da moçada. A pegada da organização em rede. Depois de muito medo de dar palpite nessa coisa da rede horizontal, sem verticalização, hoje estou convicta que nós precisamos somar esses dois modelos. Nem só uma verticalização, que submete as bases à direção partidária, mas também nem só uma horizontalidade sem direção. O Levante Popular da Juventude tem essa combinação. Ele tem uma rede, uma direção e está organizado territorialmente no Brasil inteiro. O meu sonho de consumo é o Levante Popular da Juventude. Desculpa usar a palavra consumo. É o meu sonho de organização política.
Os arquitetos, se organizados dessa forma, territorialmente, discutindo nos bairros, nas cidades, nas metrópoles, nos Centros Acadêmicos, nas entidades profissionais, podem ter um empoderamento incrível. E nós estamos no Brasil inteiro. Temos entidades profissionais no Brasil inteiro e escolas em um número que o mercado não está conseguindo absorver. É necessário mudar o mercado, bem como as nossas entidades, que ainda são conservadoras, porque a realidade é forte e dinâmica.
2013 é considerado por muita gente o começo do golpe. Foi o momento em que a esquerda, principalmente, e o Partido dos Trabalhadores, começou a perder hegemonia no Brasil. Mas 2013 traz muita coisa nova, como a reafirmação da questão da mobilidade, que é uma das questões mais importantes na vida da população brasileira, more no campo ou na cidade. Essa é uma questão crucial. O Brasil jamais vai ser moderno se ele não resolver a questão da mobilidade. Como é que se conserva a população pobre dentro dos bairros sem nenhum ativismo, nenhum protagonismo na política urbana? É tirando a mobilidade no fim de semana e ocupando a população durante a semana. Em São Paulo, são cinco horas para ir e voltar na Região Metropolitana. Isso é massacre.
2013 colocou essa questão. A questão urbana apareceu e submergiu novamente, pela velha política. Até a esquerda não consegue ver a importância, de repente, do quanto é revolucionário começar compreender o cotidiano das pessoas, e discutir o local e as condições da moradia, o preço do aluguel, o preço e o tempo da mobilidade etc. Em uma cidade como João Pessoa, é fundamental. Esse protagonismo vai se colocar, queiramos ou não.
Ouso dizer que vai haver uma explosão nas nossas metrópoles por conta do problema da mobilidade. Não só por parte dos jovens, que são os mais atingidos e que não se conformam. 30% das mulheres da Região Metropolitana de São Paulo são chefes de família e trabalham fora de casa a maior parte delas. Quando chega o final de semana, a mulher tem que lavar roupa, cuidar da casa, às vezes fazer o feijão para a semana inteira porque ela não vai ter tempo. Todo mundo está muito ocupado. Os jovens não. Eles querem ir para o Centro, para a balada, para os shows, para os eventos, para as exposições, e não podem. Não tem transporte no fim de semana. Eles se mobilizaram em 2013. Infelizmente, a esquerda não entendeu que aquilo era profundamente político. Alguns, como o ex-prefeito Fernando Haddad, responderam muito bem e fizeram uma administração absolutamente inovadora do ponto de vista da mobilidade.
A realidade vai colocar as contradições com força. Por mais que as contradições sejam, em um futuro muito imediato, sufocadas. Veja a reação dos negros e negras sobre a ocupação do Rio de Janeiro. Alguns anos atrás não se via a população não-branca tão ativa. Se a população não-branca quiser ela muda o Brasil. Uma vez o Douglas Belchior, que foi candidato a vereador em São Paulo, um ativista negro, falou para mim: “professora, a senhora precisa se lembrar que a pobreza no Brasil tem cor”. Eu nunca mais me esqueci disso. Essa realidade vai se colocar, mas precisamos ter sensibilidade para perceber. Também vai se colocar a questão da mobilidade, do boom imobiliário com o aumento dos aluguéis, do preço do metro quadrado dos imóveis, que permaneceram altos; do empoderamento do mercado imobiliário contra uma política urbana mais adequada.
Vamos à luta!