Sérgio Moacir Marques: A ideia de crise que estou investigando está mais em relação ao futuro da profissão. E em saber como será a formação do arquiteto. Sou professor e tive sempre atividade de escritório concomitante. O ponto de interrogação que tenho é de como será a educação do arquiteto do futuro diante das rápidas mudanças na cena contemporânea e do exercício do ofício. O Architecturestudio (https://architecturestudio.fr/) é um escritório da França de atuação expressiva no contexto internacional. Vocês estão no front da cena global. Portanto percebem a natureza do mundo da arquitetura e suas demandas.
Rodo Tisnado: Ah, o que será da arquitetura no futuro, as competências... Inicialmente, creio que há dois fenômenos a considerar: Primeiro, na França, há o que se chama de feminização da arquitetura. Quando eu era estudante, oitenta por cento dos alunos eram homens. Hoje, noventa por cento são mulheres. Isto começou a mudar também nos escritórios nos últimos quinze, vinte anos. Ou seja, se a formação dos arquitetos se feminiza, todo o resto irá se feminizar. Isto significa que homens "ambiciosos" estão achando arquitetura menos interessante e estão indo a outros campos ou preferindo vender os edifícios, promovê-los em vez de construí-los. Isto repercute, pois o ensino de arquitetura na França depende do Estado. As escolas são públicas e gratuitas. Há pouquíssimas escolas privadas. Suponho que no Brasil seja diferente não? No Peru há três universidades nacionais e cinquenta privadas.
SMM: Sim, em proporção, é como no Brasil.
RT: Então não estamos falando de negócios no meio da educação, do "negócio de ensinar" e sim do "problema de ensinar". O problema de ensinar arquitetura aqui é um problema de Estado. Com este abandono do próprio poder da arquitetura, o Estado cada vez mais capitalista logicamente está encantado, pois gasta menos. E agora está atacando os arquitetos federais. Com o novo presidente, o novo sistema e o mundo liberal, a França, que era um dos poucos países do mundo com leis de proteção da arquitetura e dos arquitetos, está mudando. Aqui, por força de lei, todos os edifícios públicos ainda são projetos escolhidos por concursos realizados entre arquitetos colegiados nacionais e/ou internacionais. E o Estado protegia esta condição. Agora estão tratando de mudar isto. No mundo privado são os clientes que dizem sim e que determinam as decisões, portanto a qualidade da arquitetura na França e em parte da Europa advém predominantemente das obras públicas eleitas em concursos públicos. Então como o liberalismo e o capital estão ganhando mais espaço, os jovens ambiciosos, normalmente homens, não estão mais querendo projetar edifícios, mas vender ou promover. E as construtoras começam a ter um poder gigantesco. Que chega até o Brasil, como a Casa da Música no Rio etc. Isto estão fazendo no mundo inteiro. Este é o mundo das grandes obras. E há que explicar isto aos estudantes, pois o BIN e todos estes elementos são uma conexão mais direta com o poder mundial. Não necessariamente com a qualidade da arquitetura, mas com a economia da arquitetura. Além disto, são sistemas mais complexos de trabalhar e também de ensinar que fazem os arquitetos subsidiarem os clientes, pois estes não vão pagar mais pelo esforço de sistemas mais complexos. As taxas seguem as mesmas. Então ou você entra neste sistema ou faz coisas mais simples. Então esta crise do futuro da arquitetura é de classe econômica.
SMM: Sim... Como vocês se organizam frente a isto?
RT: O Architecturestudio é uma espécie de coletivo, onde a cada cinco anos temos um novo sócio. Dos três primeiros sócios, que arrancamos no ano de 1975, restaram dois, já que um, quando o escritório começou a crescer, não se encontrou à vontade... Gostava do trabalho artesanal e de cercar-se de pessoas simpáticas e amigas. Mas quando começou a interessar a qualidade técnica dos outros e não tanto a qualidade humana, ele se afastou. Então, restamos dois com um novo sócio a cada cinco anos. Passados quarenta anos somos dez sócios. Geralmente são arquitetos que formamos aqui, mas que trazem novas ideias. Os demais, às vezes se incomodam por não terem sido eleitos para novos sócios e se vão. Ou mesmo se sentem seguros para seguirem seu próprio caminho. Assim temos um mecanismo de renovação e crescimento.
SMM: Isto se faz mediante uma discussão ou uma votação entre os sócios?
RT: Isto é orgânico. Os colaboradores chegam por seus próprios meios. Aqui se falam vinte línguas diferentes e há colaboradores de diversas nacionalidades. A única condição para ingressar é apresentar-se e mostrar a qualidade de seu trabalho. Com três sócios recomendando, o arquiteto ingressa no escritório. Depois pouco a pouco, ele mostrando suas qualidades e se destacando em relação aos demais, ele vai encontrando seu lugar como sócio. Outros assumem posições de chefia ou de colaboradores importantes, mas não de sócios. Sócios são os que representam cada geração, equivalente mais ou menos a cada cinco anos de estudos. E podem ser de qualquer nacionalidade. Isto nos permite estar em um mundo real e atual.
SMM: Há algum brasileiro como sócio?
RT: Não. Temos poucos brasileiros aqui. Houve uma época que havia mais. Os brasileiros parecem ter uma nacionalidade muito forte. Ficam um tempo, aprendem, entendem como funcionam as coisas e "zuuup", vão embora.
SMM: Voltam à praia (risos)?
RT: (risos) Claro. Se entende. O Brasil é um paraíso, uma paisagem maravilhosa. E além disto, o Brasil é um condensado do mundo...
SMM: É verdade, tem muita pluralidade, sincretismos, contrastes...
RT: Isto. Lá estão todas as mesclas humanas possíveis. E isto dá muita força e muita beleza. Mas um mundo complexo, grande, às vezes é difícil de entender. Às vezes é mais fácil de ir do Rio a Paris que a Manaus, por exemplo.