Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
O arquiteto Marcelo Carvalho Ferraz, sócio do escritório Brasil Arquitetura, é entrevistado por Vitor Lima e Marta Galisteo.

how to quote

LIMA, Vitor; GALISTEO, Marta. Brasil Arquitetura e Lina Bo Bardi: continuidades e independências. Entrevista com Marcelo Ferraz. Entrevista, São Paulo, ano 22, n. 085.01, Vitruvius, jan. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/22.085/7998>.


Instituto Socioambiental – ISA, São Gabriel da Cachoeira AM
Foto Daniel Ducci

Marta Galisteo: Marcelo, hoje em dia, existe uma discussão enorme quanto ao concreto armado e a sustentabilidade. Então, como você vê isso? Tem muita poética na pedra, sim, mas como lidar com essa necessidade atual de se pensar nos recursos naturais? Na década de 70 isso não era discutido, essa discussão é atual.

Marcelo Ferraz: Olha, eu acho que o concreto é ainda um material que vai viver por muito tempo. Ele ainda não pode ser substituído nem para fazer barragem com terra, como antigamente. Você precisa muito do concreto, ele ainda é a pedra moldável... E a ligação do cimento com ferro – o concreto armado - é uma coisa genial porque você faz uma fusão, você cria uma terceira coisa. Por mais que a gente queira, sei lá... Gostaríamos de usar muito mais a madeira, mas o Brasil não é o país da madeira, é o país das árvores. É diferente isso...

Nós estamos fazendo uma segunda casa lá na Finlândia, estávamos discutindo isso hoje, e é impressionante: lá eles têm seis, dez tipos de madeira e dominam totalmente aquelas madeiras, sabem como elas se comportam, como tirar resina, sabem sobre a estrutura, isolamento, tudo, em todos os sentidos e possíveis usos e aplicações. Isso, aqui no Brasil, não dá!

MG: Por que não existe uma indústria disso?

MF: Existe, mas é incipiente no Brasil. Temos o Departamentos de Tecnologia de Universidades da Amazônia ou o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), mas isso não está na indústria brasileira, você não pode dizer que a madeira brasileira está no mercado para valer. Existem poucas madeiras para mobiliário, mas madeira da construção não há. Então, a madeira, que seria o material do futuro, que retém o carbono, ainda não é um material que podemos utilizar para substituir o concreto ou o ferro.

Cais do Sertão, Recife PE
Foto Nelson Kon

Nem o ferro podemos dizer que temos à disposição e com custo competitivo. O Brasil não produz ferro, ele exporta minério para ser processado fora daqui. Então, para se construir com madeira ou com ferro, aqui no Brasil, ainda é muito mais caro do que com o concreto armado. Isso é uma realidade e não acho que depende da vontade do arquiteto, sinceramente.

Vitor Lima: É exatamente essa discussão que a gente começou a ter a partir do seu texto [Mal Ditos], em que você fala sobre a palavra “sustentabilidade”. A gente estava se perguntando sobre a utilização da madeira enquanto forma para o concreto...

MF: Não, isso é um absurdo, não é? A não ser que você utilize madeira que cresce rápido, de reflorestamento, como o pínus ou o eucalipto.  O eucalipto é uma madeira, de certa maneira, nociva para o meio ambiente e para a natureza tropical, ele seca o solo, destrói todas as outras espécies, a fauna. É terrível! E o Brasil virou um eucaliptal: Sul, Leste, Centro-Oeste para produzir papel, para virar carvão.

VL: Mas e a madeira que é utilizada para fazer forma de concreto, por exemplo, na Praça das Artes? Qual é o destino dela? Ela consegue ser reutilizada em alguma outra coisa?

MF: Essa madeira é bastante reutilizada. Você faz umas placas, painéis, e vai reutilizando. Vou dar um exemplo: a caixa d'água do Sesc Pompeia. Os engenheiros queriam fazer formas de aço, lisas, e aí Lina brigou para fazer de madeira e para ter aquela forma cônica, em gomos “rendados”; não queria uma caixa industrial lisa como as muitas que encontramos por toda parte. Por fim, fizemos em madeirite e, com dois jogos, construímos a caixa d’água inteira. E foi baratíssimo, custou quase vinte vezes menos do que se fosse feita em aço. Foi uma boa briga que durou meses. Em resumo, não há material bom ou ruim em si. Tudo depende de seu bom ou mau emprego, da forma como é utilizado. Esse é um jargão muito repetido na história da arquitetura, mas ainda válido.

Sesc Fábrica da Pompeia, São Paulo SP
Foto Pedro Kok

VL: Conceitualmente, qual é a diferença do concreto ripado de vocês para o concreto brutalista da Lina?

MF: Acho que nenhuma. A forma marca o concreto, faz dele uma fotografia dessa madeira e do modo que foi utilizada, do trabalho humano. Eu acho que o concreto continua expressando isso...

Vou te dar um exemplo de um concreto que foi feito agora, equivocadamente: o cavalete de vidro do Masp. Ele era, originalmente, um bloco de concreto feito com forma de madeirite que, quando desformado, apareciam aquelas falhas de bolhas de ar de vez em quando. Os blocos ficaram velhos e desgastados, e pessoal do Masp decidiu fazer novos. Mas por que Lina tinha feito assim? Porque era a ideia de uma pedra cortada, neste caso, o concreto como pedra. Quando você desforma o madeirite, fica parecendo uma pedra de mármore travertino, um só bloco liso de “mármore", mas feito em concreto, que é nossa pedra moldada! Mas agora eles foram refeitos com ripinhas de madeira que têm texturas e formam frisos em todas as faces, como se fosse o concreto que utilizamos em paredes. É outra coisa! Então, a ideia de uma pedra cortada e polida foi embora. Isso está lá, todo mundo vai e acha lindo, mas entra aí quase que como estilo. Em arquitetura, o estilo tem que ser evitado. É ridículo! Estilo é algo que se elege ou nomeia na história da Arquitetura, mas a posteriori.

VL: Quanto ao uso do vermelho que alguns arquitetos fazem, com certa recorrência, nos destaques, nas intervenções, vocês estão seguindo a mesma lógica?

MF: Ah, gostamos de usar vermelho... Nós já usamos muito o azul também, durante uma época, “o nosso azul”, o azul ultramar daqui da parede [do escritório]. Tem a Casa do Muro Azul... A minha casa tem volumes azuis!

MG: Essa Capela (Capela Dom Viçoso), você pintou de azul...

MF: É, eu pintei de azul. Porque o azul ultramar é um azul misterioso, profundo, parece uma aquarela, não é? E era comum, antigamente, na arquitetura popular do mundo todo, o azul anil. Hoje não tem mais, é muito raro... A gente usou muito esse azul, também conhecido como “Azul Klein” [Yves].

Capela ecumênica, Dom Viçoso MG
Foto Marcelo Ferraz [Brasil Arquitetura]

VL: Você falou sobre esse “não tem mais” e isso me fez pensar: como você vê a arquitetura contemporânea brasileira, no geral? E como você acha que o Brasil Arquitetura está mudando isso?

MF: Ah, seria muita pretensão achar que a gente está mudando algo. Olha… Primeiro, é bom ter claro que enquanto arquitetura brasileira, você está falando de uma coisa muito pequena e muito restrita. Ela tem um impacto muito pequeno, ou nenhum impacto na construção das cidades brasileiras. É muito triste isso. As cidades são feitas, apesar e à revelia dos arquitetos. Então, isso já é um ponto muito duro. Aqui no Brasil, tem cidades de todos os tamanhos que são absolutamente desconfortáveis e cada vez piores, é impressionante como as cidades pioram... As cidades pequenas parecem cada vez mais com a periferia de São Paulo… Então, temos grupos de arquitetos aqui em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio do Sul, em Minas Gerais, alguns escritórios no Paraná, na Bahia, mas você não pode dizer que tem uma arquitetura que resiste ao ritmo e forma avassaladora de se fazer cidades! Principalmente no Nordeste, os arquitetos não têm opção: ou eles vão para a universidade, ou trabalham em construtoras que vão dizer que você “tem que fazer assim e assim... Assim é que vende”... Então, eu não vejo um movimento forte de arquitetura como deveria ser feita: livremente e com base em nossas necessidades e nossa cultura. E com toda a cultura acumulada que temos, não só a cultura geral, mas a cultura arquitetônica! Então, é uma pena...

Agora, eu vejo com bons olhos muita arquitetura que está sendo feita hoje pelos mais jovens. Tem vários grupos de arquitetos que se juntam em 5 ou 6, um pouco parecido ao que a gente fez no começo… os coletivos. Esses grupos fazem um bom trabalho, movimentam as águas, acho que não só por fazer a arquitetura em si, mas porque têm uma ação arquitetônica! A ação é muito importante. Mas é importante lembrar que, como arquitetos, tem que projetar também. Só com a ação você também não resolve certas questões que são da natureza da arquitetura e do urbanismo, do projeto. Trabalhar arquitetura com um sentido, com qualidade, e usá-la como ferramenta, como um instrumento político. E isso eu acho que a gente faz! Aqui, com certeza, a gente tem aquela militância contínua de que o projeto é a nossa arma.

Tudo está por ser feito, o Brasil inteiro ainda está por ser feito em matéria de cidades. E isso é ruim e é bom. Quero dizer bom porque temos um campo enorme para trabalhar! Se fosse feito tudo o que tem que ser feito no Brasil, teria trabalho para muito arquiteto. E tem gente por aí sem trabalho! Imagina cada cidade pequena que não tem um arquiteto. É importante olhar para isso.

VL: Marcelo, Josep Maria Montaner fala muito sobre como o discípulo é sempre um culto e uma crítica do mestre. Qual seria a crítica que você formularia quanto à Lina?

MF: Olha, eu tenho mais críticas ao que fizeram com a imagem da Lina, hoje, do que a ela própria. Ela nunca quis ser esse mito de consumo que é hoje. Lina é a "bola da vez"! Tem 200 livros sobre ela, mil teses, exposições, histórias imaginadas, mistificações. Lina era uma pessoa que tinha inseguranças como todos nós, era uma pessoa que exercitava dúvidas constantemente, mudava de ideia de hoje para amanhã, às vezes tinha que voltar atrás em um projeto. Ela dizia: “isso não vai ficar bom, aquilo vai ficar uma porcaria”. Numa obra, às vezes, isso é um problema! Não tinha verdades acabadas, era cheia de contradições. O que parece saudável para a prática do projeto. E hoje ela virou uma figura unidimensional. Estão aplainando a Lina!

Outro dia, eu vi que na Casa de Vidro fizeram um curso sobre as roupas da Lina que sobraram na casa, analisando-as com a sua arquitetura. Quero dizer, é ridículo! Essas roupas muitas vezes nem foram feitas por ela, nem foram compradas por ela. Chegamos a um ponto, um absurdo tamanho, que não sei mais o que falta explorar de Lina. Eu acho isso muito ruim.

Então, acho que isso não é um problema dela. Acho que isso é um problema do mundo, do momento em que vivemos. Inclusive porque estão explorando uma pessoa morta que não grita, não reclama, não é? É mais fácil. Estão folclorizando Lina, e folclorizar é congelar, é tirar um pouco da vivacidade ou da inteligência, da complexidade. Nesse sentido, eu faço essa crítica. Eu acho que a arquitetura dela é realmente exemplar, porque, com ela, Lina tentou romper barreiras, tentou buscar a liberdade. Isso não quer dizer que você pode fazer o que quiser. Ser livre é também fazer coisas com rigor de escolhas e compromissos!

Uma obra forte que perdura, que faz sentido na vida das pessoas, tem que ser feita com esse rigor. Isso é outra questão importante: uma obra de arte, de arquitetura, seja o que for, tem que ter algum rebatimento na vida das pessoas, senão, não é nada.

Fazenda Rio Verde, Conceição do Rio Verde MG
Foto Nelson Kon

comments

085.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

085

085.02

Preâmbulo

Fernando Tulio Salva Rocha Franco, Sabrina Fontenele, Mariana Wilderom, Danilo Hideki, Karina de Souza and Abilio Guerra

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided