Clarissa Freitas de Andrade: Como foi o processo criativo da igreja?
Janice Dantas: Na encomenda inicial ela seria menor e desenvolvemos maquetes físicas. Depois a intenção de atender a um público maior já era clara. Passamos ao anteprojeto. Nesta etapa desenvolvemos maquetes eletrônicas e fizemos reuniões com a comunidade. Tenho muita abertura especialmente nessa etapa para acolher as ideias mais variadas. Logo em seguida vieram os engenheiros e a obra iniciou. Então o projeto executivo de arquitetura foi sendo desenvolvido de acordo com as demandas da obra e com os projetos complementares de cada etapa. Dessa forma a edificação foi praticamente concluída. Então agora estamos desenvolvendo o executivo de ambientação. Para concluir esta etapa solicitei total imersão no projeto, sem atender novas demandas da obra. E o que posso dizer é que tem sido das experiências mais alargadoras que já vivi. Toda a concepção inicial está sendo revista, aprofundada. Um deleite! Tenho também absorvido muita música, teatro, exposições de arte e leitura. São alimentos que me alinham à atividade projetual. Tenho procurado também entender o que “o projeto pede”, mesmo que nenhum outro tenha solicitado algo parecido.
CFA: Você usou o termo “percurso legítimo” de criação ao invés de “processo”...
JD: Sim, prefiro percurso a processo, porque processo diz sobre um passo-a-passo, uma ação contínua, já percurso designa um caminho, um movimento em direção a um resultado, é algo muito singular e pode ser bem mais orgânico. Cada artista pode encontrar ao longo da vida seus próprios caminhos para se expressar. Quando falo em legitimidade é para dizer da abertura à criação a partir da percepção do objeto e de seu objetivo. Não que faremos “bará” (1), invenções a partir do nada. Mas também não vejo legitimidade em criações alicerçadas em imagens de referências, senão o risco é de apenas repetir elementos, irrefletidamente.
CFA: A arquitetura é uma expressão artística com muitas condicionantes: terreno, clima, legislação etc. Qual seria o ponto de partida em comum em suas produções?
JD: Além dessas chamadas condicionantes de projeto, parto das motivações mais profundas que nos levam a aplicar esforços, alterar a paisagem e construir algo. Procuro chegar a esse lugar do motivo, “tocar’’ esse ponto ao iniciar um projeto. Começo refletindo sobre o conteúdo, ampliando a percepção sobre o assunto, anotando, escrevendo, lendo. Por exemplo, se é um projeto voltado à justiça, mergulho nesse universo, na necessidade atávica de justiça, em seu processo histórico e em sua simbologia, não em obras de arquitetura. Não é absolutamente uma incursão técnica, mas filosófica. Por isso acredito que o conteúdo antecede a forma, não o contrário. É assim na natureza: a forma é sobre o conteúdo.
CFA: Como essas experienciações artísticas entram no seu processo criativo?
JD: Elas impregnam, passam a fazer parte de mim. Procuro me alimentar delas continuamente, faço anotações. Leio cada vez mais filosofia, psicanálise, sociologia. Tudo isso é combustível para a arquitetura e o urbanismo. Acredito que quanto mais profundamente se entra em contato com a substância humana, mais hábil se está a atender suas demandas interiores. E o que um trabalho artístico pode fazer de mais potente é atender exatamente a essas demandas.
nota
1
Bará: verbo usado para expressar a ação criadora de Deus, segundo o capítulo 1 do Gênesis.