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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com o arquiteto português João Mendes Ribeiro (1960, Coimbra) a respeito de seu conjunto de obras, dos processos de trabalho e das correspondências e intersecções entre as disciplinas de arquitetura e cenografia.

english
Interview with the Portuguese architect João Mendes Ribeiro (1960, Coimbra) about his set of works, the work processes and the correspondences and intersections between the disciplines of architecture and scenography.

español
Entrevista con el arquitecto portugués João Mendes Ribeiro (1960, Coimbra) sobre su conjunto de obras, procesos de trabajo y las correspondencias e intersecciones entre las disciplinas de la arquitectura y la escenografía.

how to quote

DURAN, Nathalia Valença. João Mendes Ribeiro: intersecções. Entrevista, São Paulo, ano 23, n. 091.01, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/23.091/8605>.


Estantes que dividem as áreas administrativas e biblioteca do CAV
Foto FG+SG Studio

Nathalia Duran: Como foi que se inseriu no campo da cenografia? Já existia um interesse prévio?

João Mendes Ribeiro: Curiosamente não havia nenhum interesse particular em teatro ou dança, eu ia ao teatro, como qualquer pessoa. Eu dava aulas de projeto em Viseu, uma extensão da Escola de Arquitectura do Porto, que tinha dois anos a funcionar e depois acabou, dava aulas de projeto no primeiro ano e Ricardo Pais (4), um encenador importante de Portugal, dava aulas de antropologia do espaço neste curso. Ele tinha uma encenação aqui para o TEUC, que se chamava Grupo de Vanguarda, de 1991, e como sabia que eu era de Coimbra e nos tornamos amigos, ele me convidou para fazer a cenografia, a partir dai nunca mais deixei de fazer cenografia, porque gostei muito da experiência e porque as pessoas foram me convidando. E, portanto, foi um acaso. E deve-se claramente ao Ricardo Pais. [...] A cenografia se faz em um período de tempo muito curto, e, portanto, havia ali alguma capacidade de experimentação, que não se sentia na arquitetura. E também, me sentia bastante mais a vontade. Havia esse duplo sentimento, por um lado era uma área que eu desconhecia, nunca tinha feito qualquer cenário, mas por outro lado também havia uma diminuição de complexidade, fazer uma cenografia é muito menos complexo que fazer uma arquitetura, e, portanto, como havia uma simplificação de alguns processos eu me sentia particularmente a vontade. Foi libertador trabalhar em outras áreas.

ND: E como era o seu diálogo com os encenadores? Queria entender um pouco o processo desses projetos, como era sua participação?

JMR: Confesso que nas primeiras cenografias, em particular nesta primeira Grupo de Vanguarda, eu claramente tentava fazer arquiteturas no palco, e, portanto, trazia alguma experiência da escola, das minhas referências para as artes cênicas. Havia aqui uma espécie de confronto, que era muito estimulante, mas ao mesmo tempo havia alguma discussão entre a visão do arquiteto e da visão do encenador. Porque era sempre isso, uma tentativa de a partir da arquitetura resolver um problema que tinha a ver com a cenografia. E ter um olhar completamente distinto do cenógrafo tradicional criava também um confronto. Mas isso pouco a pouco foi desaparecendo, e fui percebendo melhor o que era pedido em cada evento e cada espetáculo, as preocupações que eram dos encenadores e dos coreógrafos. Parti de um processo de confronto para um processo de diálogo e isso não quer dizer que não tenha uma visão diferente deles, depende muito do que estamos a falar. Por exemplo, no caso do Teatro, existe o guião, que é o texto, e, portanto, aquilo que procuro fazer é a leitura do texto antes de falar com o encenador, porque quero também a partir do texto criar uma ideia de espaço cênico e não quero estar influenciado pela visão do encenador, depois há ali um confronto e um diálogo permanente, que é muito estimulante, não só com os encenadores, mas com outros criativos, o desenhador de luz, o desenhador de figurinos, adereços, som e por ai a fora, e, portanto, há uma relação que é muito interessante e particularmente criativa entre diferentes criativos e que são todos eles fundamentais para a construção do espetáculo. [...]

A Olga Roriz (5) diz uma coisa que é muito interessante, os arquitetos tem uma capacidade de pensar muito a cena a partir do espaço, que é uma coisa fundamental e, portanto, interessa sobretudo na dança contemporânea, em que essa questão é central. [...] Nós temos essa apetência que outros cenógrafos, que vem de outras áreas, não tem. Olga diz que sabe que encontro sempre soluções técnicas exequíveis e possíveis de construir, mesmo que seja uma ideia aparentemente difícil de concretizar. Nós temos, pela nossa formação, meios e instrumentos para dar resposta às solicitações dos coreógrafos e dos encenadores, que ela considera ser uma vantagem dos arquitetos. [...]

No princípio eu detalhava tudo, como se fosse um arquiteto, mas comecei a perceber, no meu contato com a oficina e com os mestres carpinteiros, que em muitas situações eles sabiam muito mais do que eu e tinham sempre soluções mais certeiras de construir o cenário. Então comecei a fazer o seguinte, tenho uma ideia de espaço, de material, de iluminação, de organização do espaço, e depois confronto logo o mestre carpinteiro. E discuto muitas opções construtivas com ele e depois regresso outra vez ao atelier para desenhar tudo isso novo. Esse processo muitas vezes é fragmentado, é um processo de respostas a questões pontuais e muitas vezes pode-se perder o todo. É importante voltar a fazer a síntese, então, regresso ao atelier e desenho as soluções que foram encontradas na oficina, nunca perco o todo. [...] No caso da cenografia há aqui claramente uma experimentação, eu vejo aqui um pouco a forma como o escultor trabalha, que é ter uma ideia, a partir dessa ideia define um material, porque se fizer uma escultura de madeira é uma coisa, se fizer de metal é outra, se fizer em pedra é outra, portanto, procura um material e um sistema construtivo. Depois vem perceber quem pode trabalhar a pedra daquela maneira, ou ele próprio trabalha a pedra, não tem que ser necessariamente, e depois vai afinando a escultura de acordo com o processo construtivo. Eu acho isso muito interessante pois há um processo de experimentação e no limite o objeto cênico pode não entrar em cena. Na arquitetura isso não é possível.

ND: Mas em sua arquitetura é possível reconhecer essa experimentação.

JMR: Sim, me interessa muito essa questão da materialidade, de encontrar soluções, de fazer uma síntese também permanente. Que de certa forma é uma característica da arquitetura portuguesa, ainda existe em Portugal uma forma marcadamente artesanal de fazer arquitetura. Conseguimos ainda desenhar caixilhos, isso na Suíça é completamente impossível tem que ser caixilhos homologados, certificados, em obra pública aqui também já não é possível, mas até a pouco tempo, era. E isso passava por uma experiência muito direta com os construtores, que era tentar perceber como resolver aquele caixilho. Eu ainda gosto muito de ir à obra e às oficinas, aos espaços de produção, para escolher os materiais, para perceber as possibilidades de transformação do material e perceber se é o material mais adequado ao projeto. Uma característica da arquitetura portuguesa, a medida, é como ir ao alfaiate, em que se desenha tudo. E não a partir de componentes certificados, homologados. Isso não quer dizer que não tenha também qualidade, mas o projeto é a soma de partes. Aqui, para cada situação encontramos a solução mais adequada ao projeto, parte por conhecer muito bem os meios de produção e os materiais.

ND: Esses elementos autônomos, principalmente no CAV, podem ser vistos como uma transferência do raciocínio empregado na cenografia?

JMR: Sim há um pouco desse raciocínio, de serem objetos na escala do corpo e por serem efêmeros de alguma forma, na sua concepção, efêmeros no sentido de que se podem retirar. Por exemplo, esses armários que dividem os espaços não tocam as paredes e ficam soltos e elevados, para ter a leitura do espaço, de alguma forma isso foi tudo construído sem o armário, o armário é uma divisória, a qualquer altura ele pode sair. Claro que depois ele ganha expressão, ganha profundidade, para fazer algum sentido neste espaço e para ganhar uma certa presença, tem uma profundidade de 80cm que lhe dá escala. Introduzimos novos vigamentos apoiados na parede mestra, preexistente, mas claramente há aqui essa distinção, o material é o mesmo, mas a tecnologia é diferente e, nessa ideia estamos a utilizar o mesmo meio construtivo, mais compatível com a preexistência, mas depois utilizamos tecnologia diferente.

Estantes que dividem as áreas administrativas e biblioteca do CAV, 07 set. 2018
Foto Nathalia Valença Duran

ND: A transferências dos signos arquitetônicos, as escadas e as rampas que você leva para a cenografia podem ser vistos como apropriação dos termos de uma linguagem para outra? Como você lê essa apropriação de um signo funcional na arquitetura deslocado para a cena?

JMR: Essa é uma coisa curiosa que tem a ver com uma espécie de desvio funcional, no doutoramento (6) eu falo um pouco sobre isso, essa é uma diferença clara para mim, a cenografia tem a ver com a construção de um invento, que se realiza no tempo, com a construção de um espaço, e o espaço não é ficcionado, mas a narrativa é. Não tem a ver com o espaço cotidiano. Os objetos que podem ser lidos como objetos arquitetônicos, a porta, a janela, a cadeira, mas que na cenografia ocorre esse desvio funcional, pois eles não têm que ter o mesmo propósito que na arquitetura, de alguma forma nos remetem a arquitetura, mas não precisam ser habitados do mesmo modo. E depois, eles são pensados com muito rigor a partir de uma possibilidade de utilização, tem a ver muito com meu trabalho e com aquilo que tem acontecido, desenho uma mesa, é feito um protótipo, levo os intérpretes e os bailarinos à oficina e testo com eles, olha a mesa está grande demais, ou pesada demais, temos que deixar mais leves e, portanto, ela é pensada em função daquele movimento, definido na cena, é muito preciso, é uma mesa para aquele momento, com o tempo, o movimento, numa relação forte com os intérpretes. Mesmo quando tem uma relação direta com o corpo, se for um corpo mais alto, mais forte, já tem uma diferença, muitas vezes é testada individualmente, corpo a corpo. Isso é uma coisa fantástica! Na cenografia eu meço os objetos e o espaço a partir dos intérpretes e tiro as medidas, essa mesa é para ser utilizada por quem? Tiro as medidas do corpo. Na arquitetura não me sinto muito a vontade para medir os clientes [risos], e também não faz sentido, pois as ações do cotidiano são muito variáveis, e o que acontece hoje amanhã pode não acontecer, mas não é só isso, a arquitetura não pode estar tão presa a um movimento, a essa previsão, mas meço o espaço com o meu corpo, estou sempre a tirar medidas e a registrar num caderno, porque tem a ver com essa minha relação com os objetos, com o espaço e depois transporto isso para a arquitetura, mas a relação de escala é sempre a minha, mas na cenografia não, é a do intérprete. O que está na arquitetura é a minha relação com o espaço.

[...] Aí que eu sinto claramente que as disciplinas são diferentes, posso dar uma porta para a Olga Roriz e ela faz uma utilização diferente do uso cotidiano, a interpretação pode ser algo completamente diferente. Uma cadeira suspensa pode ser uma prisão.

ND: Já aconteceu dessas apropriações não serem previstas?

JMR: Isso acontece com muita frequência. Com a Olga de forma muito particular, Olga tem uma qualidade enorme que é perceber muito bem as propostas de organização do espaço.

E joga muito com os signos, por exemplo, uma porta no teatro pode ser tudo menos uma passagem. Colocar uma porta em cena pode significar que existe um outro espaço que está para lá, pode significar que este espaço é um espaço interior e do lado de lá um espaço exterior, que se eu tiver códigos, por exemplo, pode significar muitas coisas, essa leitura é sempre feita a partir do conhecimento que o espectador tem do próprio objeto do cotidiano. Os signos são sempre os signos da construção dos espaços e depois podem se transformar em coisas diferentes. Coisas tão simples quanto isso: com duas cadeiras eu consigo dar um espaço interior ou exterior, se as cadeiras se situarem assim, com um pequeno gesto isso se dá um espaço interno e se fizer assim, e trocar as cadeiras com outro pequeno gesto isso pode significar o oposto. Isso tem a ver com a forma como esses objetos transportam signos. Transportam possibilidades, transportam narrativas.

ND: Quais aspectos são relevantes quando você projeta cenografias?

JMR: Na cenografia há dois temas importantes, eu nunca me sento na plateia para desenhar o cenário, porque para mim é tão importante o que se vê, quanto o que não se vê, e é um dos confrontos que tenho com os encenadores que dizem “mas isso não se vê, qual a importância disso”, e eu dizia, os bastidores tem a mesma importância, uma espécie de linguagem, uma preocupação em haver dois lados, aquilo que o público vê e o que o publico não vê. Eu depois volto aqui, pois tem a ver com isso também, para mim desenhar uma cenografia significa criar uma casa para os intérpretes habitarem, os bailarinos, os atores habitam também os bastidores, para mim é importante, portanto minha relação com eles é criar espaços de forma confortável ou desconfortável se esse for o intuito. Portanto desenho os bastidores como um tema importante, mesmo que não sejam vistos. [...] Estava a dizer isso porque, há simultaneamente dois temas diferentes, uma espécie de frente e verso, há sempre dois lados na arquitetura, um que tem a ver com a relação direta com o corpo e com os revestimentos, mas se seccionamos essa parede, há outros materiais, há outras possibilidades, e pode ser interessante também revelar esse processo construtivo e pode ser interessante que sejam aparentes, não necessariamente ocultos.

notas

4
Ricardo Pais (Maceira, Leiria, 1945) é ator e diretor de Teatro. Enquanto aluno da Faculdade de Direito de Coimbra, inicia-se no Teatro como membro do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC). Entre 1969 e 1971, frequenta o curso superior de Encenação do Drama Centre London onde obtém o Director’s Course Diploma. Foi professor da Escola Superior de Cinema de Lisboa (1975-83); diretor do Teatro Nacional D. Maria II (1989-90); diretor do Teatro Nacional São João (1995-2000), onde dirigiu diversos espetáculos. Cf. DIAS, Manuel Graça; VENTURA, Susana (Org.). JMR 92.02 – João Mendes Ribeiro Arquitectura e cenografia. Coimbra, XM, 2003, p. 18.

5
Olga Roriz, nasceu em 1955, em Viana do Castelo, formou-se na área da dança na Escola de Dança do Teatro Nacional de São Carlos e o curso da Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa. De 1976 a 1992 integrou o elenco do Ballet Gulbenkian sob a direção de Jorge Salavisa, onde foi primeira bailarina e coreógrafa principal. Em maio de 1992 assumiu a direção artística da Companhia de Dança de Lisboa. Em 1995 fundou a Companhia Olga Roriz, da qual é diretora e coreógrafa. Cf. DIAS, Manuel Graça; VENTURA, Susana (Org.). Op. cit., p. 30. Sua produção com cenografia de JMR foram: Propriedade Privada (1996), Start and Stop Again (1997), Anjos, Arcanjos, Serafins... (1998), Propriedade Pública (1998), F.I.M (2000), Não destruam os mal-me-queres (2002), Pedro e Inês (2003) e os filmes Felicitaciones (2006) e A sesta (2007).

6
RIBEIRO, João Mendes. Arquitectura e espaço cénico: um percurso biográfico. Tese de Doutorado em Arquitetura. Coimbra, Universidade de Coimbra, 2008. Do mesmo autor, ver também: RIBEIRO, João Mendes. Arquitecturas em palco/Architectures on stage. Lisboa, Almedina/Instituto das Artes/Ministério da Cultura, 2007; João Mendes Ribeiro. Website <www.joaomendesribeiro.com>.

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