Sergio Marques: Sou filho de um arquiteto da geração de vanguarda do Movimento Moderno no sul do Brasil. A arquitetura moderna teve um significado histórico importante em um país jovem como o Brasil. Portanto, sou descendente desta geração pioneira, mas justamente aquela que vivenciou a crise da arquitetura moderna, no ambiente do pós-modernismo. Toda a discussão e crise, que no sul do Brasil foi de fortes antagonismos. Agora sou pai de um jovem arquiteto, que está em outro ponto da história, outro cenário, com mudanças importantes devido à globalização, mudanças econômicas, tecnológicas e ambientais. Portanto, um pouco de minha motivação é a de um pai, que está tentando enxergar o futuro de seu filho…
Josep Lluís Mateo: (Risos)
SMM: Você é um arquiteto que sempre chamou a atenção. No campo das referências que tiveram uma produção importante, os arquitetos que não buscavam necessariamente protagonismo ou uma arquitetura de marca reconhecida despertavam interesse. Tal como Rafael Moneo, que em cada encargo resolve o problema do projeto, não o problema de sua carreira. Também o fato de você ter uma produção acadêmica importante como professor investigativo traz relevância para o interesse da pesquisa. Portanto, começo com a pergunta clássica e um tanto genérica: O que você pensa sobre o futuro de nossa profissão? Qual perspectiva a partir daqui?
JLLM: Prever o futuro é sempre muito complicado. Quase impossível. Eu diria algumas coisas. A primeira é que a nossa profissão, apesar de tudo, é antiga. Lembro que Frank Gehry disse em uma entrevista há muitos anos algo que me fez rir: “a profissão de arquiteto é a segunda mais antiga do mundo, mas com conexões com a primeira”. Nós já sabemos qual é a primeira.
SMM e JLLM: (Risos)
JLLM: Além destas conexões, isto significa que nossa profissão tem uma tradição longa, de alguns personagens, como quer que se chamavam, que faziam este tipo de mediação entre desejos, necessidades, objetivos e ilusões e as transformavam em espaço, em matéria, em um objeto, digamos assim. Arquitetos chamados de Arquitetos datam do século 19, antes disso tinham diversas denominações, eram construtores ou mestres construtores, como na Espanha. Este tipo de operação alquímica de passar ideias e necessidades para uma coisa sólida é uma característica clara de nossa profissão, que sempre existiu sob vários nomes e em vários contextos.
Portanto, sendo um pouco historicista e talvez otimista, creio que Arquitetura será uma atividade difícil de desaparecer. O problema em meu ver é outro: teoricamente há uma clara continuidade, uma ideia de ofício, mas o que é importante sobre nosso trabalho e nossa história é o fato de ser uma atividade que depende do exterior da disciplina. Temos algo a ver com a atividade artística, obviamente também com a atividade analítica e científica, mas ao contrário de outras disciplinas que lidam com estas questões, somos muito vulneráveis e dependentes da sociedade, do poder, do dinheiro e do nosso contexto. Às vezes invejo alguns de meus amigos artistas, pintores: “você pode fazer uma pintura sem ter um cliente, você faz o que quer”. O pintor responde: “eu o invejo, porque sou louco, no meu mundo, e você está no mundo real”. Quer dizer que esta condição é uma enorme diferença e uma dificuldade importante. Significa se relacionar com o mundo exterior, com o mundo com o qual dialogamos obrigatoriamente. Somos, no final, uma espécie de meio que a sociedade utiliza para construir seus desejos. A sociedade é uma coisa genérica, mas tem milhões de derivados: o poder do papa, o poder do rei na história etc. Em nosso caso esta relação com o exterior é muito complexa, e para mim é uma das partes excitantes. Como dialogar com todo este mundo, com este tipo de exterior que temos de nos relacionar. E este exterior muda!
Eu comecei a operar praticamente no início da social-democracia na Espanha, digamos, o início do poder público como um coletivo que almejava construir um “novo país”, entre aspas, para promover histórias que também passavam pela arquitetura. Este era o momento histórico que a Europa viveu a partir do pós-guerra, e eu o vivenciei parcialmente. Mas este panorama mudou significativamente na Espanha. Com certa abstração e simplificação, estaríamos agora em um momento em que o dinheiro, o capital, é a única coisa que importa. Para os agentes que intervêm nos investimentos, o produto passou a ter menor interesse, o rendimento financeiro é o que importa. Isto é uma deformação que nos deixa com pouco ou nenhum espaço. Nossa interação com este mundo é complicada. Como eu disse, é excitante por um lado, mas difícil. Como esta nova condição será articulada no futuro? Não sei. Em muitos países, a arquitetura, no sentido clássico que conhecíamos, parece ter desaparecido, ou passou a ser mecanismo da especulação econômica. Este fenômeno gera um mar de dúvidas e dificuldades.
Para simplificar e concluir, a questão do futuro é eterna. As condições em torno das quais este tema é articulado são as que continuam mudando. Cabe a nós sermos capazes de reagir adequadamente (dependendo das circunstâncias, que nem sempre são favoráveis). Esta é outra dialética. Às vezes sou pessimista, mesmo não querendo. Falando do teu filho, cada geração luta para conseguir seu espaço, ou para provar seu espaço. Este talvez seja o atrativo do filme que estamos assistindo.
Meu pai também era arquiteto. As condições sob as quais meu pai trabalhava e as minhas não foram semelhantes. Quando eu era muito jovem e já era arquiteto, vi a dureza da profissão e disse para mim mesmo "Onde você me colocou, pai, mas o que é isso?”.
SMM: (Risos)
JLLM: Então lhe agradeci por uma vida inteira cheia de entusiasmo e interesse. Cada geração tem que descobrir como se relaciona com a construção do mundo, tem que lutar para encontrar seu espaço, definir seu espaço e encontrar as fendas, as fissuras, os buracos ou espaços vazios.
Contudo, acredito que nosso trabalho é necessário, útil, e uma atividade humana atraente.