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interview ISSN 2175-6708

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MARQUES, Sérgio M.. Entrevista com Josep Lluís Mateo. A diferença como referência. Entrevista, São Paulo, ano 24, n. 093.01, Vitruvius, mar. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/24.093/8751>.


Pavilhão HIP C 11, da Eidgenössische Technische Hochschule – ETH, utilizado pelo ateliê do professor Josep Lluís Mateo e equipe. Pavimento térreo reservado aos estudantes. Zurique, 2013
Foto Sergio M. Marques

Sergio Marques: Olhar para a especificidade do problema arquitetônico e não projetar já sabendo para onde vai seguir me parece ser uma particularidade importante de sua obra e pensamento. Examinando os projetos se percebe a relação do produto com o problema. O mesmo se percebe em relação aos seus textos, mas com bastante interesse para mim, igualmente, em seus exercícios acadêmicos de projeto desenvolvidos no ateliê da ETH em Zurique. Tenho alguns pequenos livretos com o programa destes exercícios, como o “Condições Naturais – Hotel no Deserto Khor Al-Adaid” (7) e “Água – Banhos Termais, SPA & Marina” (8). Esta pluralidade de estratégias e interpretações de problemas específicos parece ser uma condição profunda de sua formação.

Josep Lluís Mateo: Eu fiz arquitetura porque meu pai disse que seu filho seria arquiteto, então fui treinado como arquiteto desde criança. O que é algo que eu não fiz com meus filhos e que acho que é uma catástrofe. Minha relação com a arquitetura (há pessoas muito apaixonadas) sempre foi mais distante. Eu tinha características mais analíticas, intelectuais. Me interessava pela cultura. Não apenas desenho, mas filosofia, história, arte, este gênero de conhecimentos, e não tanto as coisas mais pragmáticas da época, como o desenho, por exemplo. Portanto, quero dizer que tenho certa distância diante do meu trabalho e diante do projeto. Em cada encargo, às vezes, me custa entrar no problema. Eu olho com distanciamento. Mas, uma vez dentro, não consigo sair. Fico preso, tenho que continuar até o fim. Não posso parar, tenho que controlar a porta, a maçaneta da porta…

E, quando termina, eu saio, vou embora e não volto mais.

Agora mesmo terminei o projeto de um museu para um fotógrafo de Mallorca (9). Ganhamos o Concurso para fazer o museu onde ele morava, em sua casa. Venho sofrendo com este trabalho por um par de anos, foi durante a pandemia, pegando aviões, lutando até o milímetro por tudo. Acabou há algumas semanas e não planejo voltar, mas estive lá até o último momento.

Pavilhão HIP C 11, da Eidgenössische Technische Hochschule – ETH, utilizado pelo ateliê do prof. Josep Lluís Mateo e equipe. Biblioteca setorial. Zurique, 2013
Foto Sergio M. Marques

SMM: É um pouco como a metáfora do labirinto e o minotauro, não? Você entra e não sai até matar a besta.

JLLM: Matar a besta, porque senão ela te matará. Mas o labirinto tem algo importante: O primeiro arquiteto, aquele que fez o labirinto de Creta (10). O filho foi o Ícaro: ele decolou e disse: "Eu estou voando para longe de você". Esta é uma boa metáfora. Há o labirinto, o construtor do labirinto, que está muito enraizado no chão e faz paredes, que disse: "adeus, adeus, você, você tem que voar". É a dualidade de um arquiteto: estamos muito enraizados, e é bom estar enraizado, mas também é bom voar. Você não pode simplesmente ficar colado ao chão.

SMM: De alguma maneira foi o que percebi nos exercícios acadêmicos de seu ateliê na ETH Zurique. Temas evocativos, com problemas arquitetônicos densos e que vão além da mera descrição de um programa de necessidades. As respostas dos estudantes foram igualmente consistentes e criativas. Mas havia surpreendentes maquetes feitas de concreto moldado in loco!

Trecho da publicação acadêmica “Earth Water Air Fire” (Os quatro elementos e arquitetura). Josep Lluís Mateo e Florian Sauter. Actar, NY e ETH Zürich, 2014. Esboços de Josep Lluís Mateo
Foto divulgação

JLLM: Isto é bem suíço, a coisa manual. Os temas eram sempre reais por um lado e muito conceituais por outro. Era uma tentativa de explorar determinados tipos de problema. Evidentemente com todos dados reais, mas relacionados a determinados fenômenos ou conceitos. No meu último período, há dois ou três anos, estávamos fazendo alguns cursos sobre os quatro elementos (água, fogo, terra, ar). O curso do fogo, por exemplo era em Stromboli (11). Todos nós fomos ver o vulcão, e esta era uma questão que estava obviamente relacionada ao projeto.

Em relação à questão das maquetes, para mim, a visão objetiva é que o modelo lhe dá as três dimensões. Trabalhar com planos em nossos códigos normais são cortes horizontais ou verticais. Mas a referência ao volume é uma questão importante, portanto eu sempre trabalho com modelos. No escritório, temos uma oficina de maquetes com um modelista. Elas são feitas em pequena escala e às vezes também maiores. Na Suíça também há tradição neste sentido. Na ETH há uma tremenda oficina de maquetes. Mas não sei por que eles têm a tradição de, às vezes, fazê-las em concreto. Acho que faz parte da cultura local, porque é uma coisa sólida, dura, forte, da arquitetura que tem sido praticada recentemente. Uma espécie de escultura de Chillida (12), por exemplo. Eu não as faço de concreto, para ser honesto, porque solidifica demais. Um modelo é um instrumento, não é uma obra de arte. O modelo explica um volume, uma presença no espaço, as condições físicas do objeto é outra discussão, que pode ser feito de concreto, vidro ou madeira, ou, não sei, tecido. Eu considero, portanto, o modelo importante não como um produto, mas como uma ferramenta de trabalho. Transformar o modelo em um objeto de arte não me parece adequado. E de concreto me parece ser um exagero. Em muitos casos, ignoravam o problema da pele, porque é preciso colocar janelas, é preciso colocar portas, o teto é diferente. Portanto, era como uma espécie de artesanato de um problema arquitetônico que tinha de ser desenvolvido, que não terminava com a forma ou com o volume.

Mas sob o ponto de vista do concreto como material de construção, acho que a Suíça é o melhor lugar do mundo para fabricá-lo. Uma parede simplória na estrada tem um concreto que eu nunca vi em nenhum lugar. É um país de concreto, de cultura moderna sobre o concreto. Le Corbusier, o suíço…

Extrato da publicação acadêmica "Earth Water Air Fire". Os Quatro Elementos e a Arquitetura". Josep Lluís Mateo e Florian Sauter. Actar, NY e ETH Zürich, 2014. Projetos dos estudantes Benjamin Pannatier e Lena Schneider
Foto divulgação

SMM: Parece que as maquetes de concreto perdiam um pouco o objetivo de ferramenta de projeto por uma espécie de fetiche do material. Outra questão, vocês sempre faziam viagens aos locais de projeto? Tenho, por exemplo um libreto publicado pelo seu ateliê na ETH Zurique dedicado ao Peru (13).

JLLM: Sim, fazíamos. Eu estive no Peru com os alunos por dois ou três dias. Eu estava no Peru havia algum tempo e os estudantes permaneceram por uma semana. Éramos cerca de dez, não muitos. Eu conheço Freddy Cooper (14), não sei se você o conhece. Ele havia me convidado para fazer conferências. Isso nos ajudou. O Peru é um país atraente, tem o mar, os Andes, a cultura andina. Nesta viagem encontrei algo interessante que não conhecia: aquele bairro que Belaúnde Terry (15) construiu nos anos 1960, quando era presidente. Terry também era arquiteto. O bairro modelo (16) teve uma competição com os melhores arquitetos da época. Havia Stirling, Van Eyck e outros. Organizaram o concurso e, em vez de designar um vencedor, dividiram em setores e todos arquitetos participantes fizeram uma parte. O resultado é uma vizinhança incrível. Van Eyck fez os espaços públicos, maravilhosos, com toda uma série de brinquedos para crianças e áreas esportivas. Os bancos ainda estão lá. É uma espécie de relíquia do pensamento arquitetônico dos anos 1950 ou 1960. Fiquei impressionado. Não ficou congelado, é claro, porque a vida seguiu, mas está preservado, como uma ruína moderna. Parece-me que Belaúnde Terry o construiu com o apoio das Nações Unidas e a justaposição das peças foi feita por um arquiteto americano. Depois houve um golpe de Estado militar e esse foi o fim.

Nós publicamos conteúdos e vídeos sobre este projeto em uma revista na web (17).

Pavilhão HIP C 11, da Eidgenössische Technische Hochschule – ETH, utilizado pelo ateliê do prof. Josep Lluís Mateo e equipe. Trabalho de estudante adotando sistema espacial “Matt-Building”. Zurique, 2013
Foto Sergio M. Marques

SMM: Vou olhar com atenção. É importante para esta pesquisa cruzar visões. Estive no Peru, conversei e conheci alguns arquitetos de minha geração, como Jean Pierre Crousse, um francês que trabalha na América do Sul com uma produção admirável (18). Também entrevistei Rodo Tisnado, arquiteto peruano que trabalha em Paris, dirigindo o escritório Architecture Studio (19). Mas, voltando à questão das viagens de estudos e exercícios nos ateliês de Zurique, as publicações relacionadas, com uma compilação considerável de material, é uma metodologia do Ateliê de Mateo ou uma tradição da escola?

JLLM: Sim, Freddy Cooper, que montou uma revista chamada Arkinka, era diretor da escola e me convidou há alguns anos para fazer um concurso para um hotel em um sítio estupendo, com ruínas, e o concurso foi vencido por este casal Barclay & Crousse.

As publicações são uma tradição da escola. Na ETH tens que fazer em um semestre um livreto sobre o exercício do ateliê e uma viagem, relacionada ao exercício, com outra publicação correspondente. Os assistentes do curso ajudam a preparar este material. É uma investigação que acompanha o trabalho de ateliê e produz material de interesse para todos.

SMM: A documentação da produção é tão importante quanto. Josep Lluís, para concluir, podes falar rapidamente sobre um projeto teu? Pessoalmente aprecio muito a Filmoteca de Catalunya.

JLLM: Tu a vistes pronta?

SMM: Sim.

JLLM: Bem então sabes que está no bairro histórico Raval, que está dividido em duas partes, uma mais antiga, com fundações romanas e outra também histórica, mas mais moderna, mais pobre com fábricas e casas de pior qualidade. Nesta parte, nos anos 1930, havia muita densidade e graves problemas de saúde, portanto o grupo Gatepac (Grupo de Artistas y Técnicos Españoles de Arquitectura Contemporánea) o tomou como caso de estudos. A proposta foi abrir espaços vazios no tecido contínuo. Era época da República e construíram lá por exemplo um hospital para tuberculosos, projeto de Josep Lluís Sert, bastante Corbuseriano.

A estratégia era levar sol e ar através dos espaços vazios. Cerdá já havia proposto uma avenida atravessando o bairro, ou seja, as intervenções focavam na ideia de abrir espaço livre. Na guerra civil algumas bombas também abriram espaços.

Pavilhão HIP C 11, da Eidgenössische Technische Hochschule – ETH, utilizado pelo ateliê do prof. Josep Lluís Mateo e equipe. Trabalho de estudante adotando sistema espacial de Mega Estrutura. Zurique, 2013
Foto Sergio M. Marques

No caso meu caso o problema era diferente, era construir um edifício em um destes vazios. Foi muito difícil fazer um edifício neste lugar. O caminho veio da observação que a substância histórica deste bairro era de casas com paredes autoportantes de tijolos, com uma disposição muito regular e paralela, aberturas tradicionais e proteções do sol de madeira. Esquema tipológico, formal e construtivo standard. Portanto a solução para aproximar-se metodologicamente do problema foi a proposta de um edifício novo configurado por dois muros portantes que são como duas vigas, duas pontes, com esta consistência “engenheril” de suporte. Neste sentido o pai de Cecilia, Agostí Obiol, como arquiteto projetista de estruturas, foi fundamental e contribuiu profundamente para esta solução. As peças estruturais transversais produzem uma série de enclaves que se expressam no exterior, como lógica do sistema e elementos formais. Em outros pontos há umas capas metálicas leves, que fazem as vezes das proteções de madeira e envolvem partes do edifício como um filtro. Uma boa parte do edifício é enterrada. As salas de cinema estão no subsolo para conseguir um volume mais esguio na superfície. A natureza estrutural das duas paredes também permitiu aberturas amplas em posições diversas.

Por estas relações todas, a estrutura, o concreto, a expressão das aberturas, creio que é um edifício um pouco brasileiro…

SMM: Bem, com esta conclusão, me dou por satisfeito, Josep Lluís. Te agradeço muito pelo teu tempo e espero seguir em contato.

JLLM: Foi um prazer conversar, seguimos e um abraço de minha parte a Sallaberry!

notas

7
MATEO, Josep Lluís. Natural Conditions Hotel in the Khor Al-Adaid Desert. Zurique: ETH, 2012.

8
MATEO, Josep Lluís. Water – Thermal Bath, Spa & Marina. Zurique: ETH, 2013.

9
MATEO ARQUITECTURA (website oficial). Toni Catany International Photography Centre In Llucmajor / Fundació Toni Cattany em Llucmajor, Mallorca <https://bit.ly/3UWOeYq>.

10
Referência a Dédalo, pai de Ícaro, arquiteto e inventor que trabalhava para o rei Minos na ilha de Creta. Segundo a mitologia grega, ele projetou o labirinto onde vivia o Minotauro e ajudou a princesa Ariadne a ensinar Teseu como se orientar dentro do labirinto.

11
Estrômboli é uma pequena ilha turística, no arquipélago das ilhas Eólias, no mar Tirreno, situada ao norte da costa da Sicília na Itália. Possui um dos três vulcões ativos no país.

12
Eduardo Chillida Juantegui (1924-2002), artista espanhol da região basca, escultor e gravador, produzia esculturas em concreto e ferro.

13
MATEO, Josep Lluís. PERU – Architecural Landscape. Zurique, ETH, 2012.

14
Frederick Cooper Llosa (1939) arquiteto e professor, um dos fundadores da Escola de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Peru. Primeiro latino-americano membro honorário do Royal Institute of British Architectes.

15
Fernando Belaúnde Terry (1912-2002), arquiteto, foi presidente do país entre 1963 e 1968 e posteriormente entre 1980 e 1985.

16
Proyecto Experimental de Vivienda – PREVI. Através de concurso, 13 projetos peruanos foram selecionados, somados a 13 projetos internacionais convidados, para integrar o plano urbano desenvolvido pelo arquiteto norte americano Peter Land. Os 13 arquitetos (ou grupo de arquitetos) convidados foram: James Stirling (Inglaterra); Knud Svenssons (Dinamarca); Esquerra, Samper, Sáenz, Urdaneta (Colombia); Atelier 5 (Suíça); Toivo Korhonen (Finlândia); Charles Correa (Índia); Kikutake, Maki, Kurokawa (Japão); Iñiguez de Onzoño, Vásquez de Castro (Espanha); Hansen, Hatloy (Polônia); Aldo van Eyck (Holanda); Candilis, Josic, Woods (França); Christopher Alexander (EUA). A equipe de 13 arquitetos peruanos selecionados mediante concurso aberto foi composta por Miguel Alvariño Ernesto Paredes Miró-Quesada, Williams, Núñez Gunter, Seminario Morales, Montagne Juan Reiser Eduardo Orrego Vier, Zanelli Vella, Bentín, Quiñones, Takahashi Mazzarri, Llanos Cooper, García-Bry ce, Graña, Nicolini Chaparro, Ramírez, Smirnoff, Wiskowsky Crousse, Páez, Pérez-León. O Júri foi composto por Peter Land (ONU), José Antonio Coderch (Espanha), Halldor Gunnlogsson (Dinamarca), Ernest Weissmann (ONU), Carl Koch (EUA), Manuel Valega (Perú), Ricardo Malachowski (Perú), Eduardo Barclay (Perú) e assessores, Darío González (Perú) e Álvaro Ortega (ONU). Ver HUAPAYA ESPINOZA, José Carlos. Fernando Belaúnde Terry y el ideario moderno. Arquitectura y urbanismo en el Perú entre 1936 y 1968 / Fernando Belaúnde Terry e o ideário moderno. Arquitetura e urbanismo no Peru entre 1936 e 1968. Edição bilíngue, volume 1. Lima, Editorial Universidad Nacional de Ingeniería/Editorial Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Artes, 2014.

17
Ver: MATEO, Josep Lluís; BAUMGARTNER, Marianne; RAMIS, Tomeu; LAND, Peter. PREVI Lima 1969 – Experimental Housing Project Revisited. Transfer Global Architecture Platform, Barcelona <https://bit.ly/3UYJBNq>.

18
Arquiteto sócio do escritório Barclay & Crousse, com sua esposa Sandra Barclay. Sandra esteve em Porto Alegre em um evento na FAU UniRitter, chamado “4 x 4” organizado por Marta Peixoto. Ver: BARCLAY & CROUSSE (website oficial). Lima, Peru <https://bit.ly/3AmmxyH>.

19
MARQUES, Sérgio M.; BOHRER, Mônica L. Rodo Tisnado e o Architecturestudio. Entrevista, ano 21, n. 083.02, São Paulo, Vitruvius, jul. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/21.083/7828>.

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