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português
Este artigo é uma breve reflexão sobre as praças públicas em Belo Horizonte, lançando questões sobre o sentido público dos espaços da cidade que se transformam com o seu valor simbólico e possibilidades de sociabilidade
english
This article is a brief reflection on the public squares in Belo Horizonte, posing questions about the meaning of public city spaces that are transformed with its symbolic value and opportunities for sociability
español
Este artículo es una breve reflexión sobre las plazas públicas en Belo Horizonte, planteando preguntas sobre el significado de los espacios públicos que se convierten en la ciudad con su valor simbólico y oportunidades para la sociabilidad
OLIVEIRA, Carlos Alberto. Por espaços mais públicos. Minha Cidade, São Paulo, ano 11, n. 124.02, Vitruvius, nov. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.124/3656>.
O que os lugares significam para nós enquanto indivíduos sociais e cidadãos? As praças são o vazio que brota na paisagem da cidade? Devemos sua existência ao monumento, ao jardim, ao espaço para sentar ou ao sentido que a sociedade confere ao espaço público? Esta pergunta ecoa quando pensamos no sentido público dos espaços da cidade, como em Belo Horizonte – capital monumental de valores políticos, cívicos e morais da Minas republicana do século 19.
Praça pública é um elemento urbano que identifica e organiza o espaço da cidade. Sua característica fundamental é o acesso livre depositado no seu caráter público. Tal definição implica a relação de um espaço aberto com os edifícios, os seus planos marginais e as fachadas, mas também é diretamente definido pelo seu uso e valor social. Neste sentido, para uma reflexão sobre os espaços públicos seria impossível desconsiderar a relação do indivíduo citadino com o urbano.
O adjetivo “público”, que qualifica a praça no espaço urbano, é tratado por Hannah Arendt em A condição humana (1), Richard Sennet, em O declínio do homem público (2) e Jürgen Habermas, em Mudança estrutural da esfera publica (3). Segundo esses autores, espaço público, vida pública e esfera pública referem-se, respectivamente, à alocação da informação e comunicação, à ação política e domínio político, e ao comportamento social com reconhecimento do indivíduo. Nas três perspectivas, temos pontos que atribuem significados diferentes ao espaço. Na cidade moderna esses pontos sobrepõem-se uns aos outros. O espaço nos projetos urbanos para fluxo de automóveis e de pedestres também deve ser o lugar de articulação do público, dos valores e preceitos da sociedade moderna, mas “ainda que aberto a todos [espaço público], ele só se efetiva no seu uso cotidiano pela população. Um lugar não ocupado inexiste como espaço público” (4).
Praças que em outro contexto surgiram atreladas à organização social cristã, os adros das igrejas, na cidade planejada aparecem nas características funcionais do trânsito. A apropriação mais objetiva destes espaços públicos significou a publicização do seu valor simbólico. Nas primeiras décadas de existência da capital de Minas, os espaços tendiam a ser incorporados ao modelo de sociedade que estava sendo construída. As praças com jardins, ou “ajardinadas”, por exemplo, eram sustentadas como referenciais ao progresso, à imagem de uma cidade moderna. Ao mesmo tempo, o acesso era restrito e indivíduos mal vestidos e pobres eram impedidos de utilizar os espaços. Por isso é importante pensarmos qual o valor conferimos às nossas praças públicas. O que necessariamente buscamos nos espaços e como contribuímos para que a configuração destes espaços privilegie a sociabilidade?
Na Belo Horizonte dos nossos tempos, pode-se dizer que a única dimensão do espaço público que se quer pública são as ruas, devido ao fluxo motorizado de mercadorias e de pessoas que são reconhecidas pelo sua força produtiva. Como já foi dito pela urbanista Raquel Rolnik em “O lazer humaniza o espaço urbano” (5), a dimensão pública dos espaços sofre um esvaziamento político enquanto a administração do trânsito torna-se preocupação principal. Nas ultimas décadas, o registro mental que temos é de alargamentos, asfaltamentos, sinalizações, entre outras medidas que facilitam o trânsito para uns e “burocratizam” o acesso para outros.
Tento chamar atenção para um processo de mutação de valores urbanos que menos condiz com a dimensão pública dos espaços da cidade. A apropriação privada de lugares públicos têm sido pauta de discussão na sociedade civil da capital mineira por causa da relação arbitrária do poder municipal com a restrição ao uso da Praça da Estação. A suspensão da realização de eventos pela Prefeitura de Belo Horizonte por meio do Decreto nº 13.798, de 9 de dezembro de 2009 foi a centelha do debate. Em janeiro de 2010 a prefeitura instituiu uma comissão para regulamentação de eventos na Praça da Estação, e em maio do mesmo ano publica o Decreto Nº 13.961 que aplica taxas para utilização privada da Praça da Estação, segundo o prefeito Márcio Lacerda, para preservação e manutenção do lugar que é patrimônio tombado.
Mas e as demais praças públicas da cidade, o que faremos delas? As revitalizações incessantes das praças, as mudanças na toponímia dos lugares e no seu desenho são constantes e têm como principal causa o trânsito, mutilador da locomoção de pedestres e do acesso aos espaços públicos da cidade. A Praça Tiradentes, por exemplo, é formada por espaços entre quarteirões, sendo que um deles é estacionamento de automóveis. A Praça Afonso Arinos, antiga Praça da República, hoje está reduzida a um terço do seu tamanho original e seu espaço é cercado por veículos estacionados. Quantas vezes, no cotidiano de quem transita nos espaços da cidade, somos ilhados em espaços que deveriam ser opção de acesso? Mas e a nossa relação com as praças públicas? Como nós definimos os lugares da cidade?
As perguntas são íntimas, com clara intenção persuasiva de forçar uma reflexão sobre a relação de cada um com os espaços, aqui se tratando das praças. Se em Belo Horizonte esses lugares acessíveis têm voltado ao centro de alguns conflitos, a relação com os lugares carece de sentido político, de vida pública. Nós também carregamos o significado dos lugares e elegemos aqueles que nos convém, e tudo isso é parte de uma negociação entre relações complexas, entre nós e a cidade. Por isso devemos pensar os lugares públicos cidade, para que a apropriação seja digna da sua essência política.
notas
1
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.2
SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.3
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera publica: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.4
ANDRADE, Luciana Teixeira de. Singularidade e igualdade nos espaços públicos. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais. Ano 1, n. 1. P.5
http://raquelrolnik.wordpress.com/2008/08/19/o-lazer-humaniza-o-espaco-urbano/ Acessado em 15/07/2010.
sobre o autor
Carlos Alberto Oliveira é Historiador bacharel e licenciado, mestrando em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) na linha “Cidade, cultura e patrimônio”.