O surgimento da cidade de Votuporanga, na região noroeste do Estado de São Paulo é marcado pela especulação das terras de uma antiga fazenda de café entregue a uma companhia como pagamento de dívidas, depois da crise de 1929. Desmembramentos posteriores dão origem ao patrimônio urbano, que, em pouco tempo, será ponto de parada de trem de passageiros, com a construção da estação ferroviária. No entanto, ao contrário da maioria dos municípios que têm esse edifício em sua área central, em Votuporanga, a estrada de ferro passará a uma distância considerável do quadrilátero principal. Nesse sentido, a grande esplanada da estação ferroviária e áreas adjacentes se caracterizariam como um grande vazio, em virtude da distância da área central e baixa densidade de ocupação.
Entretanto, em 1953, o proprietário da gleba defronte à estação ferroviária encomenda um loteamento ao engenheiro Francisco Prestes Maia que, além dos projetos dos novos bairros da Estação e São João, prontamente responde com uma proposta de intervenção arrojada: o esboço de uma grande avenida de ligação entre o edifício ferroviário e o patrimônio urbano, visando sua integração e a circulação. Porém, em vistas da antevisão à preponderância do automóvel na sociedade contemporânea, essa larga via também sugeria a mais pura aplicação de um modelo “estrangeiro”, na medida em que seu desenho trazia consigo esquemas que estavam presentes no Plano de Avenidas para São Paulo, bem como, uma preocupação estética de embelezamento citadino, seja com o plantio de palmeiras imperiais, ou no “moderno” arruamento de uma grande área de propriedade particular, pronta para ser especulada.
Todavia, mesmo com o enorme interesse da iniciativa privada, essa parte da zona sul do município de Votuporanga sempre esteve à margem, pois se caracterizou como um enxerto urbano modernizado, que sofreu as conseqüências da débâcle cafeeira, de um sucessivo sucateamento da malha ferroviária e do posterior surgimento de novos bairros operários, próximos aos distritos industriais na zona norte da cidade. Por conta disso, hoje em dia, de uma área modernizada pronta para atrair novos investimentos, a região da estação ferroviária de Votuporanga se transformou em um lugar à deriva, onde o sentido da espacialização moderna das grandes vias, apenas pôde dar lugar ao que há de mais arcaico, pois parte das favelas do município se localiza nessa região fronteiriça à linha do trem. Dessa maneira, o esperado passo adiante do urbanismo modernizador fez apenas transparecer uma dura realidade de contrates.
Então, contando com a possibilidade de que isso não aconteça novamente, neste texto, propomos um debate sobre os novos projetos para o centro da cidade de Votuporanga. Isto porque, a comunidade das “brisas suaves”, com cerca de aproximadamente 85 mil habitantes, por mais influente que possa ser diante de uma micro-região formada por diversos pequenos municípios, há que resolver os seus problemas intra-urbanos, que se somam ao longo das últimas décadas, antes de promover as estratégias de renovação urbana para atração de investimentos via image-making, tal como vem sendo feito pela atual gestão municipal.
Fazemos essa crítica, pelo fato de que, por iniciativa do poder público e com apoio de diversas entidades, pretende-se agora embelezar o seu principal eixo comercial, a Rua Amazonas, transformando uma parte dela em um “sofisticado” bulevar urbano, que prevê uma valorização do comércio, uma maior organização espacial, modernização e melhoria de sua infraestrutura.
Assim, esse novo projeto supõe que, através da padronização das fachadas do comércio local, da construção de largos passeios calçados, mobiliário urbano, novos sinaleiros e do controvertido plantio de palmeiras washingtonianas, possa ser instituída uma nova imagem urbana de progresso e pujança para toda cidade. No entanto, essa idéia traz consigo um modelo “estrangeiro” que, novamente, reaparece para dar solução às questões que são de ordem local, as quais, a nosso ver, nem mesmo precisariam de ajustes. Isso porque, os responsáveis por esse novo projeto se inspiram em uma discutível ação de remodelação de vias públicas: a Rua Oscar Freire, nos Jardins, em São Paulo.
No caso de Votuporanga importa ressaltarmos que a modernização da Rua Amazonas apenas vai aumentar o valor dos imóveis dessa área, onde o custo do solo urbano já é altíssimo, intensificando a especulação imobiliária. Não obstante, acreditamos que uma saída seria a criação de outros projetos que pudessem fortalecer o surgimento de novas centralidades urbanas, tais como: intervenções nos loteamentos operários situados na região norte, todos com uma forte tendência de crescimento e diversificação, pelo fato de abrigarem, também, uma nova classe média em fase de ascensão. Se assim fosse pensado, essas propostas recentes, ao invés de olhar para fora, fomentariam um olhar para dentro – para a própria realidade urbana dos bairros e de suas carências, buscando um fortalecimento dos seus sub-centros e o florescimento de serviços e de um comércio de ordem local, alguns já existentes devido a preponderância do Pozzobon – um dos primeiros bairros surgidos próximos ao distrito industrial (importante pólo moveleiro), hoje conformado por aproximadamente 30 mil habitantes.
Em virtude disso, cremos que apenas uma recusa das medidas urbanísticas em voga, evitaria a preocupante tendência de “shoppingcenterização” da urbe, que fatalmente será resultante dessa estratégia denominada “Nova Rua Amazonas”. (1) Sendo assim, no olhar estrangeiro que fazemos, os gestores da cidade de Votuporanga deveriam constituir uma visão menos pautada na construção de uma imagem urbana voltada para uma centena de lojistas e para a suposta atração de investimentos, porque os que podem pagar mais vão continuar tendo como ponto de referência para suas compras, os três shoppings centers, a pouco menos de 80 km, localizados na cidade de São José do Rio Preto SP.
Sendo assim, o iminente processo de gentrificação da Rua Amazonas, derivado desse novo projeto, expulsará boa parte de suas qualidades mais interessantes, dentre as quais: uma forte miscigenação de sua ocupação. Nesse sentido, queremos ressaltar aqui, o que a cidade de Votuporanga tem de melhor, especialmente no seu centro: a pluralidade de usos e de pessoas que circulam em sua rua principal. Então, vale salientar que, a Rua Amazonas é um lugar privilegiado de encontros, um espaço público por excelência, onde ricos e pobres se esbarram, charretes e carros variados se apinham lado a lado, lojas de grife e botecos se justapõem, constituindo uma cidade onde a convivência com a diferença ainda podia ser possível, mas até quando? (2)
notas
1
O projeto da Nova Rua Amazonas pode ser acessado pelo hotsite oficial: http://www.votuporanga.sp.gov.br/www/hotsite/novaruaamazonas/2
A expressão “olhar estrangeiro” presente no título rememora um texto de Nelson Brissac Peixoto: “O olhar estrangeiro” (In: NOVAES, A. (org.). O olhar. São Paulo, Companhia das Letras, 1988, pp. 361-363), num modo de explorar uma percepção aguçada da realidade; se apropria ainda de idéias apresentadas de outra forma num artigo do urbanista votuporanguense Gustavo de S. Fava “Votuporanga 2025” (revista Casanova, Votuporanga, n. 03, 2010, p. 44). Em detrimento disso, também relembramos ao longo da crítica que fazemos aqui, algumas reflexões presentes no trabalho final de graduação, sob nossa orientação em 2009, no curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Votuporanga, do discente Thiago Miranda Luchi (hoje aluno do curso de pós-graduação da Universidade Politécnica da Catalunya, em Barcelona).
sobre o autor
Evandro Fiorin, arquiteto e urbanista, doutor em arquitetura e urbanismo, docente do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da UNESP, Presidente Prudente SP.