Nascido e criado em Vila Isabel, sei da importância da esquina, do futebol jogado na rua, os pés descalços expostos aos calos de sangue.
Não foi à toa que, na sofisticação do samba do Estácio por Noel, produzimos o autor de "Com que Roupa", em seus acordes à ironia ufanista, ouvindo Ismael, indo e vindo a Cartola, subindo a Mangueira, morro limítrofe com o Maracanã. Noel ia a pé, da Teodoro da Silva, onde morava.
Vila Isabel foi também a primeira produção incipiente do urbanismo carioca. Abandonada a fazenda dos macacos, presente de D.Pedro à Princesa Isabel, quando de seu retorno a Portugal, adquiriu-a o Barão João Batista de Viana Drummond (também muito conhecido por ter criado o jogo do bicho) que montou a "Companhia Arquitetônica de Vila Izabel", com projeto do engenheiro Francisco Bittencourt da Silva. Ao conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, que a maioria conhecemos como uma escola que dá fundos prum muro na Manoel de Abreu, mas cujo acesso é pela 28, ao lado do banco de sangue com o busto do Betinho, o Barão pediu permissão para estabelecer uma linha de ferro-carril ligando a Fazenda do Macaco ao Centro da Cidade. Eram os bondes.
"Ponto Cem Réis": assim era conhecida a esquina da 28 com Souza Franco, devido às manobras que ali fazia o bonde. Nascido e criado em Vila Isabel, como disse, mas não desse tempo; quando nasci – é certo – ainda havia bonde, cheguei a andar neles, mas no colo da minha mãe, logo substituídos, ou derrotados, pelos ônibus elétricos, os “chifrudos”.
Bonde mesmo eu só conheci no clube Maxwell, na rua de mesmo nome, ali perto da Casa do Barão, antiga fábrica Confiança, atual supermercado. Era um vagão deixado por conta no terreno ao lado da piscina, que usávamos para brincar.
Treze ruas projetadas; a 28, "Boulevard", a avenida 28 de setembro, vértebra do bairro e a Praça Sete, como até hoje a chamamos, a despeito de ter virado Praça Barão de Drummond, por motivos óbvios.
O panegírico, como é óbvio, foi muito além do que é de hábito, na criação de um bairro que nada teria de formal ou "oficial".
Vila Isabel, antes de tudo, nos cultiva o antipanegírico. Aliás, um erro uma Vila monolítica, unida contra o panegírico, ainda que contra o panegírico. O próprio Noel não gostaria dos seus cem anos comemorados do jeito que se viu. A Noel desgostavam os heróis, os protagonistas fossem de que tipos, o viés moralista que só enxerga o mundo dividido entre duas categorias: os honestos e os ladrões, os decentes e os imorais.
As próprias letras em Vila Isabel não costumam a crítica feita por conformismo. Desde Marques Rabelo, não se quer andar tranquilamente sob o tacão da polícia nem se agradece por não se ter o que se quer, mas aquilo que Deus quis dar.
Ainda que pós-modernos, novos objetos, novas abordagens, identidades fragmentárias, o que for, com tudo isso, estou certo de que a Vila continua útil.
sobre o autor
Ex-desenhista de arquitetura (Figueiredo Ferraz, Mesbla, etc); ex-arte-finalista (Bloch-Educação / Manchete): desenhista, chargista e estudante veterano (de idade) de História (5º período) da UERJ. Além de tudo – e sobretudo – rubro-negro.