Mais uma vez, fico me perguntando em que mundo e em que século o Rio de Janeiro está. Tenho impressão que por aqui a coisa continua igual ao século XX, especialmente em relação às grandes obras de “higienização” e enfoque rodoviarista, com as imensas transformações na paisagem: desmontes e aterros, demolições em massa de áreas históricas – que chegou ao ápice com o desaparecimento do Palácio Monroe. Tudo para dar lugar a novos prédios horrendos (em sua maioria) e carros, muitos carros. Obras de porte gigantesco, pagas pelo contribuinte que foi perdendo sua cidade, sua identidade, aos poucos sem sentir. Fico pensando o que aconteceria se a Avenida Rio Branco tivesse sido preservada, teríamos um centro histórico de fazer inveja. Mas não, o que temos hoje? Um centro desumano, entupido de ônibus, encoberto por arranhacéus, onde os pedestres se amontoam, e quando chove alaga.
A minha percepção é que estamos repetindo a história. Apenas uma parte do elevado da perimetral vai abaixo para simbolizar a renovação da cidade, construir um marco para esse momento histórico. Será que é a melhor escolha? É isso mesmo que a cidade precisa? Um túnel pra esconder os carros a um custo imenso? Vias expressas para carros e ônibus sendo construídas sobre áreas alagáveis, onde ainda existem ecossistemas nativos insubstituíveis? Esses investimentos não poderiam ser empregados em transporte de massa, educação, saúde, conservação de áreas ecológicas de importância vital para a sustentabilidade da cidade? E as mudanças climáticas, que impacto causarão? Como a cidade está se adaptando? E o nível do mar? Os novos projetos estão prevendo os cenários possíveis? Onde está sendo investido o nosso dinheiro? E como?
O crescimento econômico a qualquer custo custa caro. No presente e no futuro. Obras espetaculosas se sucedem a uma velocidade impressionante, a administração está mostrando serviço. O Brasil recebeu mais 3,3 milhões de veículos em 2010. Esse é o outro lado da mesma moeda: agora é preciso dar espaço para que tentem circular. A transferência da responsabilidade da mobilidade coletiva para o indivíduo repete o modelo da segurança. Uma vez que o poder público se exime de dar soluções de continuidade para o coletivo, cada um se vira como pode. Quem pode, assim que pode compra um carro para resolver o seu problema e cai em outro: fica engarrafado. Os custos são incalculáveis. Não só as emissões de gases estufa, mas as perdas de produtividade, o aumento do nível de estresse, de ruídos, de perda de qualidade de vida e saúde, do aumento da obesidade. Quase metade dos brasileiros está obesa, não apenas porque comem o que não lhes faz bem, mas porque ficam sentados cada vez mais. Isso tudo custa, e muito!
Existem outras soluções, e muita gente sabe disso. Mas por que será que esse é o rumo que a cidade está tomando? Os moradores da cidade no futuro irão lamentar as perdas de hoje e nada poderão fazer para reverter o que está sendo feito nesse exato momento? Como hoje nada podemos fazer para restabelecer os locais históricos e os edifícios demolidos, as áreas que poderiam acomodar as águas em dias de chuvas fortes, os nossos rios canalizados e poluídos e as florestas desmatadas nos séculos anteriores.
São tantas as oportunidades que temos hoje de valorização de nossos ativos sociais, culturais, paisagísticos e ecológicos, para transformação real em uma cidade do século XXI, que dá uma imensa tristeza ver o rumo que está sendo adotado pelos nossos tomadores de decisões. É hora de reflexão profunda sobre que Rio de Janeiro nós queremos, para que nossos descendentes não tenham do que se lamentar no futuro.
nota
Artigo originalmente publicado na página de Opinião, jornal O Globo, 04 jan. 2011.
sobre a autoraCecilia Polacow Herzog, É paisagista urbana, Presidente da ONG Inverde