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português
A autora caminha pela história do surgimento de Minas Gerais a fim de elucidar o ponto de partida da formação do estado.
AMARAL, Ana Alaíde. Minas Gerais entre dois céus: as Minas de Mariana e os Gerais de Matias Cardoso e Brejo do Salgado. A integração do território e das gentes de Minas Gerais. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 144.03, Vitruvius, jul. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.144/4399>.
A cidade de Matias Cardoso, localizada às margens do rio São Francisco, Norte de Minas Gerais, obteve em 2011 a aprovação da Emenda Constitucional nº. 89/2011, da Assembleia Legislativa de Minas, à proposta de criação do Dia dos Gerais, fixando o dia 8 de dezembro como data oficial para que a cidade se torne capital simbólica do Estado de Minas Gerais uma vez ao ano.
O mesmo já acontece na cidade de Mariana, localizada nas cercanias do ouro, região central do estado. A cidade foi homenageada por uma lei semelhante, que instituiu o dia 16 de julho como “Dia do Estado de Minas Gerais”, data em que Mariana se torna capital simbólica do estado por um dia.
A distinção foi concedida às duas cidades porque Matias Cardoso e Mariana são tidas como as duas mais antigas ocupações territoriais de Minas Gerais.
Tendo o título de Primeira Cidade, Primeira Sé, Primeira Metrópole dos Governadores, a cidade de Mariana, através de sua Câmara Municipal, sancionou em 1979 e introduziu posteriormente na Constituição do Estado, em 1989, o Artigo 256, pelo qual o dia 16 de julho fica considerado data cívica do Estado de Minas Gerais, constituindo período de celebração em todo o território mineiro, sob a denominação de Semana de Minas, fazendo parte inclusive do calendário escolar.
A descoberta do ouro na Capitania das Minas se deu em 1693, ocasionando grande deslocamento da atividade comercial para a região. Mariana (Vila do Ribeirão do Carmo) teve o seu povoamento realizado sob a efervescência da busca por riquezas, quando para lá acorreram levas de colonos e garimpeiros, a maioria deles originários de São Paulo, atraídos pela mineração de ouro e diamantes. O povoado foi elevado a vila em 1711.
Antes da extração aurífera e diamantina, o povoamento do território hoje denominado Minas Gerais se deu a partir do vale do São Francisco, Região dos Currais, com as atividades pastoris nas terras do rio São Francisco, garantindo assim, posteriormente, o abastecimento dos mineradores. Uma grande parte do território dos “Gerais”, assim chamados os campos extensos às margens do rio São Francisco, cobertos de vegetação característica do cerrado, permaneceu integrada, geográfica e politicamente, à jurisdição das Capitanias da Bahia (o território do lado direito do rio São Francisco) e de Pernambuco (o território do lado esquerdo do rio São Francisco).
Em 1709 a Corte portuguesa decidiu-se subdividir a Capitania do Rio de Janeiro, da qual dependiam as áreas em que estavam situadas as minas, e assim fez surgir as capitanias de São Paulo e de Minas do Ouro (1)
Em decorrência das primeiras incursões pelo rio São Francisco, na segunda metade do século XVII, as bandeiras de Matias Cardoso de Almeida são reconhecidas como responsáveis pela ocupação da região da Província de Pernambuco e Bahia (os Gerais). Devido aos feitos desses intrépidos bandeirantes, a Coroa portuguesa doou-lhes sesmarias às margens do rio, dando impulso à colonização da região e à formação dos currais de gado. Sendo ele o fundador, a cidade leva o seu nome, e a Igreja Matriz da localidade presta homenagem a Nossa Senhora da Conceição, com edificação provavelmente entre 1670 e 1673, segundo levantamentos preliminares do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Há que se considerar que muito antes da incursão dessas bandeiras paulistas a região já fora percorrida por colonizadores e era densamente povoada por nativos. Gabriel Soares de Souza, por exemplo, em seu “Tratado Descritivo do Brasil”, de 1587, referindo-se ao rio São Francisco – “Opará” ou “rio-mar”, como os índios da região chamavam o São Francisco –, afirma que o atualmente chamado rio da integração nacional era “mui nomeado entre todas as nações, das quais foi sempre muito povoado, e tiveram uns com outras [nações] sobre os sítios grandes guerras, por ser a terra muito fértil pelas suas ribeiras, e por acharem nele grandes pescarias” (2).
A integração espacial e temporal de Minas aos Gerais ainda conta com o Brejo do Salgado, tomando como referência a Capela de Nossa Senhora do Rosário (3) localizada no Brejo do Amparo, distrito de Januária, que possui uma inscrição no frontispício datada do ano de 1688 (4). Ainda sem um estudo aprofundado acerca da data de sua edificação, a Capela, ante a sua importância histórica, descortina o rio São Francisco anterior a chegada de Manuel Pires Maciel Parente, bandeirante mandatário do lugar.
Para Costa (5), os primeiros indícios do povoamento de Minas Gerais teriam surgido na cidade de Matias Cardoso, como a primeira freguesia, o primeiro povoado, a primeira sede de bispado de Minas e não no território das minas, como tem sido tradicionalmente divulgado pelos livros didáticos: “Esta é uma estratégia utilizada para afirmar o “esquecimento” da localidade e da região produzido pelo afastamento simbólico da centralidade da exploração aurífera em Minas Gerais”. Mata Machado indica que “é importante ressaltar a instalação de grandes fazendas de criação e que estas já haviam se firmado antes mesmo dos descobrimentos auríferos” (6).
Em Minas Gerais o processo de ocupação territorial e de formação cultural foi dual, realizando em duas frentes, na região de Matias Cardoso e na de Mariana, e “no entanto, o nosso imaginário coletivo, até agora, só reconhece o papel de Mariana” (Costa) no sentido de resgatar o papel histórico do Norte de Minas na fundação do Estado de Minas Gerais.
Do ponto de vista da abordagem dos processos históricos, os livros didáticos ajudaram a criar o mito da região das Minas do ouro como referência de prosperidade econômica e de riqueza cultural, e de fazer com que essa região fosse historicamente considerada como ponto de partida da formação do estado. Enquanto isso, a importância econômica e cultural dos campos Gerais, do território dos currais de gado do São Francisco – principal caminho da colonização brasileira – tem sido omitida e ainda é bastante ofuscada pela história, embora a desconstrução destas figurações tradicionais já possa ser percebida nas novas coleções didáticas.
Estas novas coleções propõem a confrontação de diferentes versões e interpretações sobre um mesmo acontecimento histórico, como é sugerido nos projetos desenvolvidos por ocasião da Semana de Minas, na qual, conforme proposta do conteúdo básico curricular (CBC), os professores são orientados no sentido de fazerem uma abordagem da historia local como inserção, envolvendo conceitos e conteúdos fundamentais para a construção do conhecimento histórico. Um conhecimento, nesse caso, capaz de favorecer a integração do território e da gente de Minas Gerais.
notas
1
VASCONCELOS, Diogo de. História média das Minas Gerais. Volume 189 da Coleção Reconquista do Brasil (2ª série) Belo Horizonte: Itatiaia, 1999, p. 275.
2
SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil [1587]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.14, p. 40-41, 1851.
3
AMARAL, Ana Alaíde. Em revista, os inventários Rio São Francisco Patrimônio Mundial e CAO-MA. Minha Cidade, São Paulo, n. 11.122, Vitruvius, set. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/11.122/3544>.
4
Processo de avaliação para tombamento. Capela de Nossa Senhora do Rosário. IEPHA/MG. 1988.
5
COSTA, João Batista de Almeida. O jogo de espelhos da memória e da historiografia: as origens da ocupação e povoamento do Norte de Minas. Revista humanidades, Montes Claros: Funorte, 2005, p. 36.
6
MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. História do sertão noroeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991, p. 36.
sobre a autora
Ana Alaíde Barbosa do Amaral é graduada em História (Faculdade ISEJ/Ceiva, 2007).