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No Rio de Janeiro ainda há tempo para se extrair vantagens da organização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos e implantar um sistema de transporte eficaz e não poluente que ofereça à população a mobilidade necessária.
JANOT, Luiz Fernando. A prioridade é o transporte. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 144.05, Vitruvius, jul. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.144/4407>.
Há 20 anos, a “Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” – RIO 92 – reconhecia o combate à pobreza como meta prioritária para enfrentar a degradação ambiental nas cidades. Apesar do compromisso assumido foram insignificantes os avanços nessa direção. A avalanche consumista que tomou conta do mundo globalizado, além de propiciar um bem-estar imediato às camadas sociais com poder aquisitivo compatível com a oferta de produtos industrializados, estabeleceu uma dependência difícil de ser superada por posturas ambientalistas de longo prazo.
As controvérsias envolvendo o modelo de desenvolvimento econômico baseado no consumo material generalizado e as diretrizes dos programas de desenvolvimento sustentável não se esgotaram no campo ambiental. Interpretações contraditórias a respeito da expressão “economia verde” continuam causando divergências entre aqueles que se interessam pelo tema. Não há consenso que satisfaça plenamente as correntes antagônicas interessadas em fazer prevalecer seus interesses mercadológicos ou ambientalistas. Em recente artigo, o jornalista Merval Pereira apresentou um oportuno comentário do economista André Lara Resende esclarecendo aspectos da atual relação entre crescimento econômico e consumo material: “Ao transformar todas as esferas da vida numa questão de cálculo financeiro, ganhamos capacidade de criar riqueza, mas em contrapartida nos tornamos insaciáveis. (...) A busca desenfreada por crescimento econômico, por mais consumo material, nos levou a esquecer de por que queremos mais. Mais consumo material tornou-se um objetivo em si mesmo”. No seu modo de ver, uma das grandes questões do nosso tempo é como reverter essa tendência sem reduzir a percepção de bem-estar individual e coletivo. Afinal, uma economia baseada no crescimento incomensurável provoca desequilíbrios e desigualdades do ponto de vista social, econômico e ambiental. Não há, portanto, como negar a necessidade de uma reavaliação da forma de comportamento do ser humano diante dos padrões mundiais de produção e consumo.
Neste momento em que a “Rio+20” definiu as suas metas prioritárias espera-se que elas sejam factíveis e não permaneçam na dependência de consensos futuros envolvendo interesses tão díspares. A verdadeira dimensão desses interesses pode ser descrita pelos vultosos investimentos que hoje são feitos na prospecção de combustíveis fósseis ou na geração de energia para alimentar a produção em massa e sustentar os padrões de consumo da sociedade contemporânea. A necessidade de retorno financeiro para esses mega investimentos é, sem dúvida, um obstáculo difícil de ser suplantado por políticas ambientalistas sustentáveis. Alguns governos atentos às questões do bem-estar social e do meio ambiente tentam, à sua maneira, minimizar os efeitos negativos da expansão econômica descontrolada em suas cidades. Todavia, o esgotamento da capacidade de financiamento causado pelo endividamento público na realização de obras despropositadas acaba protelando, indefinidamente, as intervenções destinadas à construção de um meio ambiente urbano sustentável. Portanto, há que se conscientizar governo e sociedade de que sustentabilidade e bem estar social são fatores indissociáveis na vida de uma cidade. Nessa tarefa, as redes sociais poderão cumprir um papel relevante.
Diante dessa realidade, deveríamos nos preocupar com a percepção da vida coletiva na cidade ao invés de nos contentarmos, apenas, com o êxito de algumas realizações exclusivistas da chamada “arquitetura verde”. A necessidade de um sistema de transporte eficaz e não poluente que ofereça à população a mobilidade necessária, dentro do menor intervalo de tempo possível, deve ser prioridade absoluta em qualquer cidade brasileira. É através da mobilidade que as sociedades se aproximam e interagem. No Rio, ainda há tempo para se extrair vantagens da organização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Não se pode deixar escapar essa singular oportunidade de transformar os ramais ferroviários suburbanos em metrô de superfície, de ampliar a precária rede do sistema metroviário, de implantar preferencialmente o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) por ser menos poluente que o BRT (Bus Rapid Transit), de criar um sistema integrado de ciclovias que seja efetivamente de qualidade, de reduzir o excessivo número de ônibus convencionais circulando pelas ruas, de coibir o estacionamento de automóveis particulares nas localidades servidas por transportes coletivos, de construir garagens subterrâneas em áreas estratégicas, enfim, de criar condições para uma vida cotidiana mais amena na cidade. A prática de um ambientalismo vantajoso, onde cada indivíduo perceba os benefícios para si e para a sociedade dos procedimentos sustentáveis, sem dúvida, é a maneira mais eficaz de garantir o sucesso das medidas ambientais planejadas.
nota
NE
Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. A prioridade é o transporte. O Globo, Rio de Janeiro, 30 jun. 2012.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.