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my city ISSN 1982-9922

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GHIONE, Roberto. A virada. Movimento Ocupe Estelita começa a dar esperanças. Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 168.03, Vitruvius, jul. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.168/5231>.


Audiência pública convocada pela Prefeitura do Recife no dia 17 de julho de 2014, com participação de membros do Movimento Ocupe Estelita e da sociedade civil
Foto Marcelo Soares


Resistir!! Ocupar!! Eis o grito de guerra que procura virar o jogo do modelo de cidade em construção, que teve, como fato marcante, a convocação para Audiência Pública pela Prefeitura do Recife no dia 17 de julho de 2014, exatamente um mês após o vergonhoso e covarde ato de reintegração de posse do Cais José Estelita ao consórcio de empresas proponentes do projeto denominado “Novo Recife”. Naquela data, o Batalhão de Choque da Polícia Militar expulsou os ocupantes que clamavam por uma cidade inclusiva, democrática e sustentável, com a força bruta que remete às épocas obscuras da ditadura. A estratégia do terror escolheu um dia de jogo do Brasil pela Copa do Mundo, contando com a anestesia geral da população, hipnotizada atrás da bola em dia semiferiado. O sangue e as lágrimas derramadas pelos integrantes do movimento Ocupe Estelita marcaram as contradições da democracia de aparências, neste tempo em que a questão urbana ganha contornos épicos.

Audiência pública convocada pela Prefeitura do Recife no dia 17 de julho de 2014, com participação de membros do Movimento Ocupe Estelita e da sociedade civil
Foto Marcelo Soares

Hoje, equipes técnicas da Prefeitura apresentam as diretrizes básicas para definir um projeto urbanístico para toda a área de influência do empreendimento, em processo que procura ser transparente e participativo. Movimentos sociais e entidades comprometidas com um projeto de cidade estimulante de um desenvolvimento inclusivo e integrador foram convocadas para realizar a virada do modelo construído para lucro de poucos, e, em contrapartida, privilegiar os benefícios sociais da propriedade urbana.

Este triunfo aparente do processo democrático, inclusivo, integrador e participativo revela a negligência e inoperância que, durante décadas, entregaram o desenvolvimento urbano  aos interesses da iniciativa privada (amparado em leis superadas para as necessidades da cidade contemporânea), com a cumplicidade do poder público, comprada em épocas de campanhas eleitorais. A sensação de “já vou tarde” manifesta-se na cidade colapsada, violenta, imobilizada, segregada e excludente. Cidade já não mais para ser vivida, mas sofrida nos intermináveis engarrafamentos, nas calçadas e espaços públicos deteriorados, na sensação de violência, na improvisação e descaso com o transporte público, com a infraestrutura, com o patrimônio cultural e ambiental, e com as condições de habitação e urbanidade dos setores mais carentes da sociedade.

Audiência pública convocada pela Prefeitura do Recife no dia 17 de julho de 2014, com participação de membros do Movimento Ocupe Estelita e da sociedade civil
Foto Marcelo Soares

O projeto denominado “Novo Recife” foi a gota de água; o detonante de um processo que concentrou, em torno do grupo “Direitos urbanos”, a força necessária para dizer “chega” a um sistema excludente, irracional e insustentável de construir a cidade. Ela resiste, através dos grupos sociais esclarecidos, à arrogância e autoritarismo do capital associados à complacência do poder político.

A virada do jogo parece estar começando. A cidade, ferida com duas facadas no coração, ainda dá sinais de vida. A sociedade, sua essência vital, reage com energia aos desatinos de décadas de inoperância. A cobrança é irredutível, constante e inteligente, provida de sólidos argumentos técnicos e jurídicos, que não permitem espaços para fugir de objetivos que coloquem o bem estar social acima de qualquer outra prerrogativa de caráter particular ou setorial.

A cidade vivencia dias históricos, marcados pelos embates ideológicos entre um status quo associado ao poder conservador do capital, da mídia e da política, e a utopia da transformação social e urbana encarnada por grupos esclarecidos que possuem, como principal recurso, o uso inteligente das conexões através das redes sociais e um inquebrantável espírito de luta em defesa dos ideais de justiça e integração.

Resistir!! Ocupar!! Gritos de guerra que entraram na história da cidade. Desafios que colocam, na consciência do Prefeito, a decisão política acerca de um processo carregado de irregularidades. Que determinam se a história o julgará como herói ou vilão. Que colocam à prova a capacidade dos profissionais locais para elaborar o projeto de cidade que Recife e seus cidadãos merecem, tanto quanto a própria democracia como sistema de escolha do bem estar geral.

Audiência pública convocada pela Prefeitura do Recife no dia 17 de julho de 2014, com participação de membros do Movimento Ocupe Estelita e da sociedade civil
Foto Marcelo Soares

sobre o autor

Roberto Ghione, arquiteto, é formado pela Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. Pós-graduado em Preservação do Patrimônio, Crítica Arquitetônica e Planejamento Urbano pela Universidad Católica de Córdoba. Titular do escritório Vera Pires Roberto Ghione Arquitetos Associados, Recife, PE.

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