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my city ISSN 1982-9922

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O edifício do antigo Teatro São Pedro, em estado de grande arruinamento e graves patologias, com desgaste físico causado pelas intempéries, utilização inadequada e desuso, recebeu projeto de restauro do Iphan-SE que expõe as ruínas à intempérie.

how to quote

BRENDLE, Betânia. Teatro São Pedro de Laranjeiras-SE. Carta sobre o patrimônio cultural do Brasil. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 171.01, Vitruvius, out. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.171/5314>.



Lübeck, 22 de setembro de 2014.

Prezados colegas professores e alunos da UFS!

Prezados colegas que trabalham pela preservação do patrimônio cultural do Brasil!

Venho estender aos colegas professores de outras Universidades brasileiras, instituições oficiais de preservação patrimonial, ao Icomos Brasil e aos profissionais que lutam pela salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, a divulgação de meu protesto inicialmente circulado em Sergipe através de email (16 de setembro, ultimo email abaixo) à recente ação do Iphan-SE no antigo Teatro São Pedro de Laranjeiras SE (cidade tombada pelo Iphan em 1996), que desconsiderando entre outros, as Recomendações Internacionais, a Constituição Brasileira, a Legislação Federal (Decreto Lei 25, de 1937), insere um grande galpão sobre suas ruínas, sobre suas pedras e história, deixando-as escoradas e sujeitas às intempéries.

Teatro São Pedro, projeto Iphan-SE
Foto Isadora Santana

O edifício do antigo Teatro São Pedro chegou à contemporaneidade em estado de grande arruinamento e com graves patologias e o desgaste físico causado pelas intempéries, utilização inadequada e desuso. Teria sido um teatro visitado por D. Pedro II, teria sido um trapiche como consta de documentos de cartório. Para muitos moradores da cidade, é (era?) conhecido como “o castelo”.

Numa tentativa de estabelecer uma ação conjunta da Universidade com o Iphan-SE, foram desenvolvidos pelos alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe proposições projetuais entre outros, para as ruínas do Teatro São Pedro com o desafio de inserir novas estruturas arquitetônicas para preencher as lacunas urbanas e arquitetônicas de Laranjeiras situadas dentro de seu perímetro tombado. Praticou-se a integração da disciplina de projeto arquitetônico com as disciplinas teóricas no processo de construção de um embasamento projetual para a intervenção urbana e arquitetônica na cidade antiga em sua contemporaneidade, garantindo sua autenticidade e legibilidade. Isto foi publicado nos Anais do Projetar, Belo Horizonte, Brendle, 2011 (1).

Teatro São Pedro, projeto Iphan-SE
Foto Isadora Santana

O caso é complexo e inusitado. A juíza federal Telma Maria Santos, condenou o Iphan (através de sentença publicada em Aracaju, 04 de julho de 2012) a “recuperar a volumetria do prédio, para devolver a harmonia ao conjunto arquitetônico” (2) e um “projeto” para o antigo Teatro foi iniciado pelo Iphan-SE sem uso definido (sic) e paralelamente, uma pesquisa arqueológica preliminar foi realizada pelo Proarq/UFS, cujo resultado é desconsiderado como pré-requisito projetual.

A academia, entretanto, tem autonomia para contestar estas posturas destrutivas do Iphan-SE no patrimônio cultural de Laranjeiras, e seus professores, a tarefa – enquanto educadores e formadores de profissionais da arquitetura – de explorar possibilidades e alternativas projetuais construídas a partir de um embasamento teórico que fundamente cientificamente a inserção do novo no antigo, e produzir uma arquitetura de qualidade em oposição ao fachadismo incentivado e controlado pelo Iphan, gerador da falsificação urbana e arquitetônica do centro antigo.

Teatro São Pedro, projeto Iphan-SE
Foto Isadora Santana

O projeto de conclusão de curso da aluna Isadora Santana apresentou uma proposta arrojada para a expansão do Campus da UFS em Laranjeiras, com base nas aspirações de moradores da cidade e das necessidades programáticas dos cursos de Dança e Teatro da Universidade Federal de Sergipe. Seu projeto de intervenção nas ruínas do antigo Teatro São Pedro tem como proposta de uso a volta do Espaço Teatral São Pedro, para a comunidade laranjeirense e para a academia. Sua proposta, fundamentada na teoria moderna da restauração, considera o resultado preliminar da pesquisa arqueológica interrompida e objetiva preservar a preexistência garantindo a recuperação da volumetria do antigo edifício, sua filologia e espacialidade. Tivemos aula de campo conjunta com a arqueóloga mestranda do Proarq (Márcia Santo) e os alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo das disciplinas de Técnicas Retrospectivas e Intervenções em Sítios Históricos.

Tentativas de diálogo com o Iphan-SE são realizadas na sede da Instituição em Aracaju onde este projeto é apresentado e discutido. De nada adiantou. O Iphan-SE superou a sua capacidade de destruição patrimonial, só igualada em outro projeto de péssima qualidade projetual que destruiu a antiga Carpintaria para abrigar um Centro de Compras (3).

Teatro São Pedro, projeto Iphan-SE
Foto Isadora Santana

Como pode o Iphan-SE realizar essas distorções arquitetônicas dolosas? A professora Beatriz Kühl, da FAU USP, explica:

“Citam-se [os técnicos do Iphan] frequentemente Brandi e a Carta de Veneza, mas o resultado de várias operações mostra ou uma ignorância completa desses escritos, ou uma leitura pouco profunda, ou, ainda, um flagrante e intencional desrespeito às posturas neles consolidadas. Verifica-se, ademais, que muitas das questões essenciais da restauração não tem sido nem mesmo reconhecidas como problemas de restauro, sendo tratadas como cego empirismo, sem filiar as ações a um pensamento científico e aos preceitos éticos e deontológicos da restauração, derivados das razões porque se preserva, como se fosse algo a ser resolvido meramente na prática, ademais empregando muitas vezes soluções técnicas inadequadas” (4).

Vejam com atenção as fotos da obra do Iphan-SE e comparem com o projeto de uma jovem recém-formada arquiteta no auge de sua juventude profissional ainda não impregnada pelos vícios e vírus da ação pública passiva e sem fundamentação científica. Não há justificativa. É uma ação ofensiva contra o patrimônio brasileiro que adultera a cidade tombada e destrói suas evidências históricas e artísticas. O projeto de Isadora Santana significou muito neste processo. Ele demonstrou que vale a pena investir na educação de nossos jovens, que existe uma grande esperança que um dia, a teoria e prática adquiridas na Universidade sejam praticadas pelos arquitetos que trabalham nos órgãos de preservação patrimonial. Este projeto, entretanto, não era a única alternativa. Poderia ter sido discutido outras proposições projetuais num concurso público como propus em 2011, que atenderia a determinação da Juíza Federal, pois recuperaria brandianamente a volumetria do edifício sem “cometer um falso artístico nem um falso histórico” (5); garantiria a preservação do patrimônio arqueológico, a história, o significado, os dados espaciais, as características tectônicas remanescentes, e, introduziria uma contribuição arquitetônica atual que continuaria a escrever a história de Laranjeiras num somatório de tempos, histórias passadas e atuais.

Nas intervenções em Laranjeiras foi ignorado pelo Iphan-SE todo o progresso científico da restauração como disciplina através da negligência do percurso do edifício no tempo, da preservação de sua pátina, pelo deficiente e inconsistente tratamento transgressor de suas lacunas de significado falso e duvidoso. Que valor possui agora essas estruturas mutiladas, esses complementos ofensivos, esses espaços forjados?

Estou na Alemanha realizando meu pós-doutorado e não posso fazer muito. Peço para divulgar este lacônico protesto – pois o silêncio acadêmico e/ou profissional é o grande aliado deste tipo de ações – que finalizo com uma frase de Georg Dehio:

“Que Deus proteja os monumentos dos restauradores geniais!”
Georg Dehio, 1905.

Teatro São Pedro, projeto Iphan-SE
Foto Isadora Santana

notas

1
BRENDLE, Maria de Betânia Uchôa Cavalcanti. Falta de arquitetura na restauração da antiga carpintaria de Laranjeiras-SE. In Anais do Arquimemória 4: Encontro internacional sobre preservação do patrimônio edificado. Salvador, Instituto de Arquitetos do Brasil, 2013.

2
MPF/SE: Justiça condena Iphan a reformar imóvel em Laranjeiras <http://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/3185728/mpf-se-justica-condena-iphan-a-reformar-imovel-em-laranjeiras>.

3
Referência completa de Anais do Arquimemória IV, Brendle, Salvador, 2013

4
KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização. Problemas teóricos de restauro. São Paulo, Ateliê Editorial, 2009.

5
“a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível, sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”. BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Tradução Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004, p. 33.

sobre a autora

Maria de Betânia Uchôa Cavalcanti Brendle é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, da Universidade Federal de Sergipe. Faz pós-doc como professora visitante no Institut für Baugeschichte, Architekturtheorie und Denkmalpflege, Technische Universität Dresden.

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