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my city ISSN 1982-9922

abstracts

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O movimento europeu Construir no Construído manifesta hoje uma tendência na preservação do patrimônio arquitetônico e cultural através da reciclagem do edifício e de sua ativação através de novos usos.

how to quote

MAGALHÃES, Ana Vitória Tereza. Construir no construído, e a metamorfose da cultura urbana. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 171.04, Vitruvius, out. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.171/5318>.



Este trabalho parte de uma análise do movimento “Construir no Construído”, que se manifesta principalmente na Europa, em especial Itália e Alemanha. Esta tendência é hoje usada para preservação do patrimônio cultural arquitetônico, com a intenção de reciclagem do patrimônio arquitetônico através de novos usos. Os temas aqui discutidos foram objeto de estudo no Politecnico di Torino, Escola de Arquitetura em Torino, Itália, onde a PUC Minas me proporcionou um ano de estudos pelo Acordo Bilateral, em especial com os Professores Franco Lattes e Guido Callegari. Os professores ministraram em 2013 as disciplinas de projeto “Costruire nel Costruito” (Construir no Construído). O programa da disciplina procurou estabelecer os laços presentes no diálogo do novo com o antigo.

O tema principal é a construção no existente, com o objetivo de conservar e renovar a cultura histórica edificada, fazer o reuso dos espaços e recuperar e valorizar o território urbano. A justificativa é de preservar o existente e usar construções existentes às vezes subutilizadas, visando a valorização do patrimônio e reuso de espaços. Com o objetivo de resgatar a memória existente desses espaços com as intervenções, os resultados esperados são o melhor uso dos espaços.

Assim, pretendo desenvolver uma experiência de “Construir no Construído” no contexto de Poços de Caldas, como investiga este trabalho, em especial na área da Trincheira com a Praça de São Benedito.

Segundo Renzo Piano, na conferência Planning Cities, 2011, a explosão das cidades percebida na Europa do pós-guerra não faz mais sentido. O movimento válido para o tempo atual é a implosão de cidades, pois estas cidades não deveriam crescer com periferias, que causam problemas de deslocamento e grandes custos sociais.

De acordo com LATTES, 2012 as cidades concluíram o seu ciclo de expansão, e que agora é o momento de dar atenção as áreas construídas, os grandes vazios urbanos e a centralidade do espaço público, reforçando sua identidade urbana, juntamente com o cuidado com o patrimônio histórico. Conforme o autor, o projeto de intervenção no antigo, reinterpreta e atribui novo senso funcional. Criando uma nova expressão a um local existente. Também cita os termos “reciclo”, “restyling”, “addiction”, “infill”. O professor defende que é necessário um diálogo do novo com o existente e um esforço criativo, que renove as práticas consolidadas na arquitetura contemporânea.

Segundo Guido Callegari, 2003, os projetos de Atelier (disciplina de projeto) deveriam enfatizar uma nova habitação sobre as existentes. O autor cita que, no pós guerra esta sobreposição de habitação foi uma técnica muito utilizada e que ocorria de forma muito difusa, porem nem sempre de forma consciente.

Antecedentes históricos

Na história, do Renascimento ao Iluminismo, da modernidade à fantasia, os arquitetos sempre pensaram na cidade ideal de expansão contínua, que absorve e coloniza novos territórios, geram formas e modos de vida radicalmente novos, diferentes da cidade histórica.

A arquitetura do novo, em paralelo ao modernismo e as cidades futurísticas é na maioria das vezes pensada em um local em branco, sem antecedentes históricos, onde o antigo não existe ou é desconsiderado.

O paradigma da cidade em expansão

Em 1922 Le Corbusier elabora o projeto para a Ville Contemporaine, com o intuito de mostrar a cidade atual a respeito da necessidade do homem modeno. É o desenho de uma malha retilínea homogênea, que estabelece uma relação ideal entre os diferentes elementos urbanos. Esta mensagem radical e utópica que propunha “deixar de lado” a cidade histórica, deriva da grande intensidade e velocidade dos processos de produção das cidades do século passado.

Isso fez com que se produzissem várias imitações pobres desses modelos de cidade, muitas vezes criadas na periferia, deixando os centros históricos a deriva, marginalizados e degradados.

Enquanto a nível global, o processo de urbanização tem a previsão até o ano de 2015 de concentrar nas megalópolis 60% da população mundial. O crescimento demográfico está em decrescimento, o desenvolvimento industrial é interrompido e a tendência é de construir cada vez mais “novidades”,, que logo se tornarão muitas vezes mais espaços abandonados ou mal utilizados, o patrimônio imobiliário existente é suficiente para não consumir mais o solo.

Estudos de caso

Parco Dora, Torino, Itália, STS S.P.A Architettura

Parco Dora trata-se de uma antiga área industrial, antes usada pela FIAT e Michelin, que nos anos 90 foi abandonada.  O projeto de um parque foi sugerido para integrar ambientalmente e socialmente esta área, na malha urbana de Torino. O parque é constituído de cinco lotes que conservam os nomes dos lotes da FIAT, Vitali, Ingest, Valdocco, Michelin e Mortara. Cada compartimento integra os ambientes naturais e preexistentes de um passado industrial da cidade.

Os arquitetos procuraram manter as estruturas originais da fábrica, um dos galpões hoje é usado para concertos. A requalificação também valorizou o Rio, que corta grande parte do projeto.

Museum Der Kurturen, Basel, Suiça, Herzog & de Meuron

Alargamento do Museu Etnografico em Basel, profundamente encravado no tecido da cidade velha medieval.

Os trabalhos foram feitos acima, abaixo e em partes do edifício existente. Foi criado um novo acesso ao museu, as ruas e os espaços públicos também foram reformados.

Território construído e a cidade de Poços de Caldas

A princípio, a região era habitada pelos índios Tapuias, segundo Nilza Megale (MEGALE, 2002). Consta que o território onde se localiza o atual município de Poços de Caldas foi inicialmente habitado pelos Cataguás e em meados do século XVIII verificou-se o seu desbravamento.

Afirma o Historiador Reynaldo Pimenta, (PIMENTA, 1998), que a região onde hoje se encontra a cidade de Nossa Senhora do Patrocínio de Caldas, era ocupada até meados do século XVIII, pela tribo Caiapó. “Segundo a tradição, um acampamento de índios, uma pobre tribo de bugres, tinha suas tabas nas proximidades de Caldas. A conquista da região e seus antigos donos, o patrício Caiapó, sucedeu ao recuo das populações indígenas, tangidas rumo ao oeste pela “onda civilizadora” (PIMENTA, 1998). É verdade que tanto os caiapós quanto os Cataguás, pertenciam a nação Tapuia.

Alguns fatores influíram no desenvolvimento social e econômico deste período, a busca do ouro, a abertura das estradas e a procura pela “água santa”, para fins medicinais.

Com a decadência do ouro, a região foi ocupada por muitos garimpeiros que atraídos pela pecuária se estabeleceram por aqui. A região dos “Campos de Caldas” ficou valorizada e em 1700 a primeira Igreja foi construída, dedicada a Nossa Senhora do Carmo. Quando das costumeiras penetrações realizadas pelos aventureiros da época, foram descobertos em meio ao planalto, os poços de águas quentes, com valor medicinal. Nasceu desse fato o constante crescimento do lugarejo que imediatamente se transformou nas vizinhanças de Poços.

As seguintes fotos mostram a remodelação do Entorno da Praça São Benedito:

Fotos do local, que mostram o desenvolvimento da área [Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas]

Linha do Tempo e a “desvalorização” do entorno ou Morro do Itororó
Ana Vitória Tereza Magalhães

1920, O “morro original”

Segundo afirma Roberto Tereziano, historiador da cidade de Poços de Caldas, “O grande morro que fechava a rua chamava-se Itororó, mais alto que a igreja Metodista. A primeira casa ainda existe na esquina da Rua São Paulo com Pedro Sanches. Era casa de Marçal Santos, tio de Santos Dumont.(hoje lanchonete) Depois aparecem colunas de um muro, era casa de Dr. Pedro Sanches de Lemos. Depois a igreja de Bom Jesus da cana Verde, hoje igreja de Santo Antonio.”

1940, o morro e a igreja de São Benedito

Ainda conforme Roberto Tereziano, “A construção da basílica foi feita de costas para a capela do Santo Negro, pois, a igreja dos negros estava ficando no meio do povoado. O preconceito se estendeu até que a capela de São Benedito fosse demolida e reconstruida em outro local.”

Porem a cidade alcançou a Igreja. A primeira capela construída para São Benedito, foi a Capela Branca, atrás da atual Matriz, porém, como a igreja dos negros estava ficando no meio do povoado, foi decidido construir a matriz no mesmo local, só que virada para a Rua Assis Figueiredo. Pouco tempo depois, a capela foi mudada para o atual local que era um campo distante do centro da cidade. Porem, a cidade cresceu novamente, em direção da capela de São Benedito, o local onde está situada hoje.

2007, a construção da trincheira Tancredo Neves

A trincheira

Duração da Obra: Um ano e oito meses

Ano da Obra: 2005

Entrevista com a moradora (não quis ser identificada, idenficada como Moradora A)

Entrevistador: Hoje você gosta de morar aqui?

Moradora A: Sim, pela localização, mas não pelo estresse de barulho e poluição.

E: Era melhor viver nesta rua antes?

MA: Sim! Muito melhor! Antes possuiamos árvores, uma relação de vizinhança, a gente costumava ir nos bancos das árvores pra conversar, hoje só vejo meus vizinhos as vezes, antes a gente passava o dia todo ali, mas essa rua se tornou uma selva de pedra.

E: O que acontece quando tem festa de São Benedito?

MA: Tem muito barulho, pessoas que bebem muito, confusão na porta de casa, roubos nas casas daqui de perto.

E: A festa mudou com a construção da Trincheira?

MA: Sim, mas não muito, as barracas mudaram de lugar, mas mesmo assim para nós, moradores, não mudou nada. Antigamente a festa era melhor, era mais humana, hoje as pessoas consomem muito álcool aqui e sempre criam confusão.

E: Hoje, tem crianças que brincam na rua?

Não, antes a rua era um lugar onde as famílias se reuniam, iam andando para a Praça, hoje ninguém vai na praça. Este lugar está abandonado, virou um ponto de consumo de drogas.

Foto da Trincheira, atualmente
Foto Ana Vitória de Magalhães

Dados sobre a trincheira, adquiridos por entrevistas com moradores locais

Antes da construção, os moradores foram consultados sobre a construção de um túnel, depois sobre a trincheira. Muitas casas foram modificadas, e os moradores reclamam que perderam qualidade de vida nisso, pois o barulho da rua é muito grande agora, tambem apareceram várias rachaduras nas casas devido as obras. Desorganização  do trânsito e confusões na hora de sair da garagem, falta sinalização na rua.

O lugar foi desvalorizado e abandonado pelos pedestres que ali passavam antes, a Praça também ficou deserta, consequentemente.

A Trincheira
Foto Ana Vitória de Magalhães

Definição de trincheira

Segundo (AURÉLIO, Dicionário, 2002), TRINCHEIRA, significa uma escavação aberta no solo no sentido longitudinal: abrir uma trincheira. / Fosso que permite, durante o combate, movimentação da tropa e o tiro a coberto do inimigo. / Vala onde se plantam cepas de videira.

O resgate da identidade e a experiência de construir no construído

Para resgatar a identidade do local, é necessário trazer USOS para esta praça, não apenas na época da Festa de São Benedito, mas todo o ano. A vizinhança, por ser grande parte área comercial, que durante a noite se esvazia, deixa a noite, um local escuro e nada convidativo. Conforme as entrevistas e visitas ao local, pode se perceber que a Praça de São Benedito em conjunto com a Trincheira, não é um local visitado pela população. Sobre o Mobiliário Urbano, nota-se uma grande mescla de desenhos, não há nesta área um mobiliário que esteja dialogando com a área, o mesmo acontece com os pisos e vegetação.

1. Igreja São Benedito, 2. Praça, 3. Entorno que deverá ser revitalizado
Diagrama Ana Vitória de Magalhães

O objetivo é requalificar a área, transformando-a em um local de convívio da comunidade, melhorando os aspectos que os moradores mais reclamam, como o grande transito de carros e caminhões, criando uma área verde , requalificar não apenas a trincheira mas a área ao redor, e a vizinhança.

Análises feitas conforme visitas ao local de estudo

À esquerda, praça durante o mês de maio, quando acontece a festa de São Benedito; à direita, praça durante o ano, esvaziamento do local, já que não há qualquer atividade que chame a população para frequenta-la
Diagramas Ana Vitória de Magalhães

Croqui especificando principais vias e uso do solo
Diagrama Ana Vitória de Magalhães

Estudos preliminares e proposta de intervenção

Histórico do Local e proposta de mudança para área
Diagrama Ana Vitória de Magalhães

Proposta

Segundo o estudo, áreas degradadas podem ser reutilizadas, assim como áreas patrimoniais centrais. A proposta de Construir no Constrído, foi pensada neste local, já que esta área, sempre passou por intervenções, porém nenhuma delas foi de fato feita analisando o bem do local. A proposta foi lançada porque este é um espaço Patrimonial (Igreja de São Benedito), de alto valor cultural para a cidade de Poços de Caldas, que foi recentemente “cortado” e desvalorizado pela construção da Trincheira Tancredo Neves.  O resultado esperado é que com esta análise, mais obras que valorizem o patrimônio sejam melhor estudadas e que consequentemente menos “crimes” contra as cidades sejam feitos.

O futuro espera que as cidades sejam pensadas para pessoas.

referência bibliográfica

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DELPIANO, Andrea, Si puo requalificare la citta recente? / Andrea Delpiano, Editora: ARCHALP, 2010.

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BENEVOLO, Leonardo, Introdução a arquitectura / Leonardo Benevolo, Editora: Arte e Comunicação, Lisboa, 2009.

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MEGALE, Nilza Botelho, pag. 25; 1920 – Memória Histórica de Poços de Caldas / Nilza Botelho Megale. – 2. ed. rev. e ampliada. – Poços de Caldas, MG : Sulminas, 2002.

BIRMAN, Joel, 1946, O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade / Joel Birman, Editora: José Olimpio LTDA,  Rio de Janeiro, 2012.

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SINGER, Paul, O uso do solo urbano na economia capitalista / Paul Singer, Editora Alfa Omega, São Paulo, 1978.

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Entrevista de Renzo Piano ao Jornal La Republica de Gênova:, Disponivel em <genova.repubblica.it/cronaca/2011/11/03/news/l_appello_di_renzo_piano_costruire_sul_costruito-24351330/>. Acesso em 15 de abril de 2014.

sobre a autora

Ana Vitória Tereza de Magalhães é graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Puc Minas, Poços de Caldas.

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