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my city ISSN 1982-9922

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Este ensaio crítico tem como pretensão remontar fatos historiográficos que contribuirão para a formação do arquiteto Colombiano Rogelio Salmona e através da obra Torres del Parque, evidenciar a construção desses aspectos acerca do meio bogotano.

how to quote

OSSANI, Taís. Torres del Parque. A apropriação do lugar na obra de Rogelio Salmona. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 194.04, Vitruvius, set. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.194/6193>.



Período formativo – a construção de um caráter

Rogelio Salmona nasce em 1929 na cidade de Paris, filho de pai judeu nascido na Grécia e mãe francesa, se mudam para Colômbia em 1931 devido aos desdobramentos da 1ª Guerra Mundial. Se instalaram, primeiramente, na cidade Barranquilla, porto do Caribe, mas é em 1933 que encontram sua morada definitiva em Bogotá nos bairros de classe media alta de Teusaquillo, Santa Teresita e Palermo. Estes ainda em formação, na década de 1930, eram construídos sob a influência dos conceitos enunciados pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAM.

Foi educado em um colégio Liceu, fundado por colombianos que residiram na França, vindos da guerra, e desejavam dar continuidade a educação de seus filhos de forma semelhante à europeia. Foi na escola onde teve proximidade com literatos, filósofos e artistas franceses (como Henri Lefebvre e Jacques Rancière) que acompanharam seu pensamento desde o início da sua trajetória.

Salmona ingressa na Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional da Colombia em 1945 onde teve seus dois primeiros grandes mestres, Leopoldo Rother e Bruno Violi. Rother era alemão, ex-aluno da Bauhaus que foi para Colômbia durante os conflitos da 1ª Guerra Mundial, um de seus grandes projetos foi a Cidade Universitária da Universidade Nacional da Colombia. Já Violi, um arquiteto italiano, também se aloca em Bogotá devido aos indícios de inicio da 2ª Guerra Mundial e trabalha junto a Rother no Campus Universitário. As influencias que os dois estabeleceram, posteriormente, no trabalho de Salmona se apresentam através da compreensão crítica do objeto, na sua profundidade e contextualização política, cultural e social (1).

Le Corbusier visita a Colômbia, 1947
Foto divulgação [TÉLLEZ, Germán. Rogelio Salmona: obra completa 1959-2005]

Em 1947 com a visita de Le Corbusier a Bogotá para realização do Plano Piloto para cidade, os horizontes de Rogelio começavam a se ampliar, pois é ele quem será o tradutor do franco-suíço na cidade. Após algumas visitas e discursos acerca do Plano, que ordenaria o território e buscaria a imagem de cidade do futuro, Corbusier retorna a seu ateliê na Rue de Sevrès em Paris, deixando em uma conversa despretensiosa com o pai de Salmona a ideia de um possível interesse em relação a ter seu filho como colaborador no seu ateliê. Um ano depois, ainda no contexto bogotano, um incidente viria a causar um descredito imenso nos jovens arquitetos próximos a se formar na Universidade. Jorge Gaitán, conhecido líder popular, foi assassinado em 9 de abril de 1948 num incidente que ficou conhecido como “El Bogotazo”, que culminou num período de extrema revolta e destruição do centro tradicional da cidade, levando a evasão de um grande número de estudantes em busca de melhores oportunidades. Algumas palavras de Salmona, em entrevista concedida a Fernando Garavito, evidenciavam esse momento:

“Me fui para Europa inmediatamente después del 9 de abril. Mi padre me mandó con una carta para Le Corbusier – destrozaron Bogotá – con la idea de que entrara a estudiar Bellas Artes en París y trabajar em su taller. Yo, que apenas sabía coger un lápiz, me vi de pronto, en el taller de arquitectura más importante del momento” (2).

Ateliê de Le Corbusier na Rue de Sèvres, 1951
Foto divulgação [TÉLLEZ, Germán. Rogelio Salmona: obra completa 1959-2005]

Salmona inicia seu trabalho no ateliê da Rue de Sèvres em 1948 e ali permaneceu até 1954. Trabalhou nos projetos referentes ao Plano Piloto de Bogotá, junto a outros Latino-americanos e no plano de Chandigarh. Mas, foi nos cursos de sociologia da Universidade Sorbonne que Rogelio encontrou seu refugio intelectual. Teve aulas com seu principal mentor do período, Pierre Francastel, que demonstrou as diversas relações existentes entre manifestações artísticas e momentos políticos, mostrando através de suas torres novas representações e posturas. Também, derivado das preocupações relacionadas ao espaço, Francastel seguia a linhagem de Henri Lefebvre. A aproximação de Salmona à esse grupo europeu o distanciaria de certa forma da pratica do ateliê, e consequentemente, o influenciaria a seguir novos caminhos em relação a sua atuação como arquiteto, quando retornasse a Bogotá.

Em seu retorno a Bogotá, em 1957, se depara com uma cidade bem diferente daquela deixada por ele, o crescimento populacional, a demolição de grandes quadras para dar vida à construção de grandes avenidas, de maneira a comportar os automóveis, certamente modificaram de forma substancial o território bogotano. Construções modernas que adaptavam a linguagem internacional se misturavam com projetos de bairros habitacionais periféricos a cidade, que já não comportava de forma suficiente todos os seus habitantes.

Salmona termina seu ultimo semestre na Universidade para então se tornar arquiteto, no papel. Em seguida, começa a lecionar nas Universidades Los Andes e Nacional da Colombia.

Suas primeiras atividades relacionadas à prática arquitetônica estavam voltadas a uma produção para realidade e para a atual condição da cidade. Assim, nesse primeiro momento volta a sua atenção para a produção de habitações de baixa renda. Seus primeiros conjuntos residenciais Pereira, El Polo e Los Cerros primavam por uma arquitetura que quebrasse com o bloco monolítico, que se articulasse com o entorno e que criasse espaços públicos nos seus interiores.

Conjunto Cooperativa Los Cerros
Imagem divulgação [TÉLLEZ, Germán. Rogelio Salmona: obra completa 1959-2005]

Espírito da época e do lugar

Salmona retorna a Bogotá em um período de consolidação da introdução do modernismo na América Latina, onde bairros residenciais periféricos como o Centro Urbano Antonio Nariño, de 1951, e Cidade Kennedy, de 1960, estavam sendo construídos. Enrique Browne evidencia que nesse momento a arquitetura moderna latino-americana estava submetida a uma tensão entre o espírito da época, almejando obter o progresso e o espírito do lugar, entendendo as limitações, ou melhor, adequações que deveriam ser feitas em relação às características locais, que eram bem diferentes do cenário europeu (3).

O período do pós 2ª Guerra Mundial, denominado por Browne de “desenvolvimentista” e por Silvia Arango Cardinal de “geração progressista” (4), recebia grande fluxo de imigrantes e se apoiava na figura do Estado como agente promotor do desenvolvimento do território, na busca pela modernidade.

Enquanto um grupo de arquitetos se preocupava com a introdução do cenário bogotano no espírito da época. Browne evidenciou atuações isoladas de arquitetos, chamados por ele de otra arquitectura. Estes se apropriavam das características locais e adotavam uma atuação mais realista acerca do contexto do lugar. Materiais, como o tijolo eram utilizados com grande frequência devido a sua disponibilidade. Apesar de ambas as posturas se apoiarem em bases modernas, esta otra arquitectura buscava referências nas figuras de Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto para produção de uma arquitetura genuína, voltada para o contexto do local, criando um dialogo entre figura e fundo.

Rogelio Salmona aparece como um desses arquitetos voltados a produzir esta otra arquitectura, que apesar de possuir referencias diretas derivadas do período em que estagiou com Le Corbusier, também é imerso em outras fontes ligadas a produção do espaço através dos cursos na Sorbonne. A formação de um repertório complexo possibilitou a escolha de produzir uma arquitetura própria, baseada no lugar e na cultura bogotana.

Situações e a apropriação do território bogotano

Bogotá, entre os anos de 1950 e 1960, alcança um grande salto populacional, municípios são anexados ao território, o centro histórico perde sua população e a cidade se espraia. Propostas começam a ser feitas e a remodelação da área central junto a seus arredores começam a ser estimuladas pelo poder publico.

Parcerias começam a se formar aliando agentes públicos e investidores privados, Gabriel Serrano Camargo, diretor da empresa Cuéllar Serrano Gómez e Herbert Ritter, chefe do Departamento Municipal de Urbanismo apresentam uma das propostas, com ênfase na densificação vertical. Posteriormente, esse projeto dará formação ao perímetro chamado de Centro Internacional, com a construção das primeiras Torres do Hotel e Residencial Tequendama e terá prosseguimento até a década de 1980 com outras construções também verticais.

Nesse contexto, um terreno próximo ao Centro Internacional foi adquirido pelo Banco Central Hipotecário – BCH, uma entidade bogotana criada em 1922 quando se regularizou, por meio da Lei 46, a situação habitacional da cidade.

A proposta de construir edifícios residenciais em altura deveria alcançar retorno financeiro, devido os altos custos pagos pelo terreno e também, lidar com duas condicionantes, de certa forma desafiadoras, o alto aclive do terreno e significativas preexistências – o Parque da Independência e a Praça Santamaria de Toros. Dessa maneira, a proposta foi feita ao arquiteto Rogelio Salmona pelo membro diretor do BCH, Jesús María Marulanda, que havia trabalhado com ele no projeto de habitação para o bairro de San Cristóbal. Em 1964 iniciam se os primeiros croquis.

Torres del Parque, maquete da primeira versão, com apenas duas torres
Foto divulgação [URREA, Tatiana. De la calle a la alfombra: un espacio abierto en Bogotá.]

Salmona dá início aos primeiros desenhos e estudos de composição do projeto. Em suas reflexões e croquis, busca atingir uma proposta que vá além das condicionantes formativas e funcionais, próprias de qualquer projeto, de forma a dar uma resposta ao terreno e ao contexto bogotano.

Essa resposta viria carregada do repertório acumulado por ele e por suas convicções acerca do verdadeiro papel do arquiteto para com a cidade. Suas referências, como Hans Scharoun, Alvar Aalto e Frank Lloyd Wright direcionavam não só alusões à linguística, estética e forma da obra, como, por exemplo, nas acepções feitas ao Residencial Romeu e Julieta em Sttutgart de Scharoun ou a Torre Neue Vahr de Alvar Aalto em Bremen, mas também ao papel do projeto como ato político de ideais contestatórios em relação ao espírito do seu tempo.

Ao mesmo tempo em que Salmona incorporava as tendências dos perímetros próximos em relação à permeabilidade do pavimento térreo, adequava seu projeto as circunstancias do lugar, indo contrario ao racionalismo-funcionalista do “Estilo Internacional”. As condicionantes climáticas como o vento e a luz, próprias do cenário bogotano tangenciado pela cordilheira, o tijolo, material produzido no local e facilmente manuseado pelos trabalhadores, foram características fundamentais para conciliar o espírito do lugar ao espírito do tempo criticado por Salmona.

Rogelio tem como primeira reflexão, acerca da sua intenção para com o projeto, transformar o perímetro junto a Praça dos Toros em uma só quadra urbana, dessa maneira, conforma o pensamento do sítio em um só, permitindo apenas a existência de alguns fluxos para pedestres, transformando em uma relação única de espaços.

Em um segundo momento, reflete sobre o traçado circular e orgânico dos elementos pré-existentes, que ele gostaria de trazer para o seu edifício, quebrando a leitura ortogonal e racionalista da época. Dessa maneira, adotar a postura de um bloco único não era favorável, a medida também que era necessário torna-lo permeável, para caminhos percorridos a pé serem melhores dispostos. Tatiana Urrea aponta as questões levantadas por Salmona em relação a quadricula espanhola, que condicionava a cidade fechada, onde a quebra desse conjunto traria a ela a oportunidade e qualidade de ser aberta (5).

Torres del Parque, maquete da versão final
Foto divulgação [URREA, Tatiana. De la calle a la alfombra: un espacio abierto en Bogotá.]

Os pátios, desenhados para o pavimento térreo, elucidavam sua casa na infância, no bairro Teusaquillo, onde sua morada se voltava para o interior, em espaços de relações mais intimas com eles mesmos, aproximando o às pré-existências e conformando os desenhos das torres. E, em vista a também abri-lo para a cidade adota a tipologia de duplex, para que a cada escalonamento das torres, terraços se abrissem para a paisagem. Tatiana Urrea aborda esse momento evidenciando que:

“La propuesta ofrece apartamentos tipo dúplex, a la manera del modelo de la Unidad de Habitación de Marsella de Le Corbusier. Conservaría también, el tipo tradicional de la casa bogotana de dos pisos, con una prolongación hacia el exterior a través de la terraza o balcón. En uno de los planos de esta etapa, Salmona dibujará como convidado, a Le Corbusier. Lo invita a sentarse en el salón que se extiende hacia el exterior. Está allí el maestro de la arquitectura moderna, con sus lentes y su corbatín, acomodado en el sofá que fija las proporciones del primer piso, mudo, pero complacido” (6).

Faltava, porém uma articulação a ser realizada ao sítio e as preexistências. Quase ao fim da construção das Torres, o arquiteto Rodrillo Bonilla, um dos membros do Ministério de Obras Públicas, entra em contato com Salmona e o convida para intervir no Parque da Independencia, abandonado há algum tempo.

A oportunidade foi felizmente aceita pelo arquiteto que viu uma possibilidade de expandir a relação da obra ao contexto urbano. Assim, recupera os caminhos e as praças do antigo Parque, inaugurado em 1910 para as comemorações do primeiro centenário da cidade e realiza uma intervenção significativa entre as Torres e a Praça, as conectando através de uma grande escadaria, que também relaciona as Carreras 5 e 6.

As primeiras críticas em relação ao projeto não foram boas, muitos desaprovavam a forma como foi implantado no terreno e, principalmente, o material “caipira” utilizado na superfície das fachadas, o tijolo, bem diferente da linguagem do concreto e do vidro utilizado no seu vizinho próximo Centro Internacional. Uma reportagem do jornal El Tiempo de 1974, realizava uma entrevista com o dirigente político Mario Laserna que interpretou a obra como um objeto que estava matando um precedente histórico valioso, a Praça dos Toros.

Porém, não demorou muito para que em 1976 ganhasse o Prêmio Nacional de Arquitetura concedido pela Sociedade dos Arquitetos Colombianos. O texto da ata do Júri discorria acerca das qualidades de integração com o espaço público, com o relevo bogotano e, evidenciava o retorno à vida do Parque da Independencia. Salmona ganhou novamente o prêmio em 1986, 1988 e 1990.

Torres del Parque, implantação
Imagem divulgação [URREA, Tatiana. De la calle a la alfombra: un espacio abierto en Bogotá.]

A modo de conclusão

Há quem diga que Salmona teve a oportunidade da sua carreira nessa obra, que foi através dela que conseguiu apresentar se como arquiteto para todo mundo. Sendo esta visão verdadeira ou não, de qualquer forma, o fato é que neste projeto Salmona soube tirar partido dos elementos, que muitos enxergariam como entraves, para mostrar sua verdadeira visão de mundo e de arquitetura. Se produzir arquitetura, como ele mesmo diz é um ato político, muito além de estético, esta obra representa a transformação de um fragmento urbano em um lugar para o bem estar dos cidadãos, que os convida a realizar diferentes experiências, de contemplação, passagem, reflexão.

Rogelio demonstrou com essa obra a possibilidade de melhorar o cenário urbano das cidades. Os espaços públicos como instrumento de obtenção dessa qualidade, elevam a relação habitat versus homem, aproximando os de forma a criarem relações de existência, onde a presença do homem anima a cidade e esta se anima, através dos lugares, construídos a receber seus moradores.

notas

1
Sobre vida e obra do arquiteto, ver: TÉLLEZ, Germán. Rogelio Salmona: obra completa 1959-2005. Bogotá, Escala, 2006. Sobre questões historiográficas relacionadas à América Latina, ver WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de Latino Americanos. Bogotá, Escala, 2000.

2
Rogelio Salmona, em GARAVITO, Fernando. A nadie se le ocurría aprender a manejar una pistola. Magazín Dominical (El Espectador), Bogotá, 1998, p. 3-8. Apud URREA, Tatiana. De la calle a la alfombra: un espacio abierto en Bogotá. Tese de doutorado. Barcelona, Departamento de Composição Arquitetônica, Universidade Politécnica da Catalunha, 2014, p. 62.

3
BROWNE, Enrique. Otra arquitectura en America Latina. México, Gustavo Gili, 1988.

4
ARANGO CARDINAL, Silvia. Ciudad y arquitectura: seis generaciones que construyeron la America Latina moderna. México, Fundo de Cultura Econômica, 2012.

5
URREA, Tatiana. Op. cit.

6
Idem, ibidem, p. 306.

sobre a autora

Taís Ossani é arquiteta e urbanista formada pela Faculdade Belas Artes (2013), cursou especialização em arquitetura, cidade e sustentabilidade (2015) e atualmente é mestranda na FAU Mackenzie. Colaborou com os escritórios Biselli Katchborian Arquitetos Associados (2014) e JBMC Arquitetura e Urbanismo (arquiteto João Batista Martinez Correa, 2015). Atualmente compõe, como apoio técnico, o núcleo de pesquisa Observatório das Metrópoles.

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