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português
Esse texto reflete sobre as condições de planejamento do projeto de qualificação do bairro Centro, da cidade de Teresina, divulgado pela Prefeitura Municipal da cidade nos últimos dias, em veículos da imprensa local e em sites oficiais do Município.
english
This reflects on the planning conditions for the qualification project of the Centro neighborhood, in the city of Teresina, released by the city's Municipal Government in recent days, in local press vehicles and official websites of the Municipality.
español
Este reflexiona sobre las condiciones de planificación para el proyecto de qualificación del Centro de Teresina, publicado recentemente por el Ayuntamiento de la ciudad, en los vehículos de la prensa local y en los sitios oficiales de la municipalidad.
NAPOLEÃO BRAZ, Angela. Ressonância metafórica dos espaços decadentes. Centro de Teresina, mazelas e qualificação. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 203.01, Vitruvius, jun. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.203/6565>.
O mundo está passando por um intenso processo de urbanização. Este processo é cíclico na intensidade, na abrangência e nas consequências. O primeiro ocorreu no século 18, nos países envolvidos na revolução industrial (Inglaterra, França e Alemanha). O segundo ocorreu nos países em desenvolvimento a partir da década de 1950. E o mais recente, a partir da década de 2000. Em todos a urbanização atraiu mais pessoas para as cidades e por isto, em última instância, é o responsável pelo “inchaço urbano”, pela falta de infraestrutura e por uma série de consequências econômicas e sociais como, por exemplo, a existência de pessoas que vivem em absoluta pobreza. Assim como as demais cidades brasileiras, Teresina – Capital do Estado do Piauí e primeira cidade planejada no segundo período do Império brasileiro para ser sede administrativa do governo – segue a tendência mundial: a lógica capitalista de desenvolvimento praticada no país fez a população urbana crescer e produziu graves distorções regionais.
De modo geral, a urbanização tem sido acompanhada por um processo de metropolização que, além do crescimento territorial e demográfico, também implica na ampliação da oferta de bens econômico\sociais (aqueles na visão de Milton Santos: saúde, educação, segurança, etc.) que passam a ser usufruídos pelos habitantes das cidades próximas e resultam no crescimento da área de influência da cidade. Mas esta valorização econômica do espaço, o estilo de vida urbano e a apropriação do espaço da cidade também incorrem em problemas urbanos que podem ser sistematizados em três categorias.
A primeira categoria diz respeito aos problemas vinculados à dimensão ambiental do espaço. São aqueles decorrentes da não preservação do meio ambiente (enchentes, gestão dos resíduos sólidos e poluição do ar) e da ausência de conservação do patrimônio urbano (demolição do patrimônio edificado, diminuição da sensação de pertencimento e perda da identidade urbana). A segunda categoria contém os problemas relacionados à dimensão morfológica do espaço urbano. São aqueles decorrentes da relação não regulamentada entre expansão territorial e arquitetura do espaço urbano existente. Ocorrem devido à ausência da legislação urbana e de projetos urbanos ou da fiscalização do seu cumprimento por parte da gestão. Na terceira categoria se enquadram as questões cujas soluções são dependentes das políticas públicas de desenvolvimento urbano. Dentre elas estão o descumprimento da função social da cidade e da propriedade, a segregação sócio espacial, o déficit de moradia, a deficiência no transporte público e no saneamento.
Cabe destacar que nesta última categoria os problemas urbanos estão relacionados à valorização urbanística e imobiliária do espaço urbano. Quando a valorização é ampliada, dificulta o acesso à moradia e quando se desvaloriza, faz as áreas se tornarem obsoletas e degradadas. É neste aspecto, pelo que se ouve dizer, que a gestão de Teresina se debruça atualmente.
Em seu website, a Secretaria Municipal de Planejamento, em 12 de abril de 2017, noticia que um grupo de profissionais trabalha no Projeto de reabilitação do centro de Teresina (1). Mas, antes, precisamos entender o que seja “reabilitar”.
O termo “reabilitação urbana” foi cunhado no 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana Lisboa, em Outubro de 1995 e divulgado no documento “Carta da Reabilitação Urbana Integrada”, mais conhecido como “Carta de Lisboa”, onde os princípios norteadores das intervenções em áreas urbanas são definidos e conceituados.
De acordo com a Carta de Lisboa (1995), reabilitação urbana é
“uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes” (2).
O documento também diz que esta estratégia demanda o melhoramento das condições físicas do ambiente construído, mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito. Trata-se de uma modernização que busca melhorar o desempenho funcional da cidade, próximo dos atuais níveis de exigência. Mas o que o Centro de Teresina precisa, segundo as definições da Carta de Lisboa, é de uma “revitalização urbana”.
“Revitalição urbana” não é o mesmo que “reabilitação”. É mais específica quando se trata do território. “Vitalizar” um espaço significa imprimir animação urbana aos espaços decadentes e obsoletos. No âmbito do urbanismo e do planejamento urbano (3), revitalização é a requalificação de áreas abandonadas ou semidestruídas da cidade, ou seja de áreas onde a ocupação residencial e ou comercial esteja inviabilizada ou dificultada. Consiste em ações que buscam atiçar a vida econômica e social de parte da cidade ora em decadência. Esta é a situação aparente do Centro de Teresina, de suas atividades econômicas, da conservação e utilização dos seus espaços.
Mas antes de continuar esta reflexão, me permitam um adendo. Não aprecio a utilização da partícula “re” nos conceitos mencionados. Ela remete à repetição ou reprodução de algo. Creio que seja mais adequado utilizar o termo “vitalização”. De pronto este termo sugere a devolução da animação urbana à área obsoleta. Como tal esta estratégia requer uma atuação voltada para a função habitacional e exige que as atividades sócio culturais sejam reforçadas e que as atividades econômicas sejam dinamizadas, especialmente o comércio. Convém lembrar que esta atuação deve considerar as necessidades atuais da população, que são bem diferentes daquelas de outrora e que não podem ser revividas. Afinal a arquitetura da cidade deve refletir a sociedade de cada período de tempo (4). Como se pode perceber, apesar de ser uma estratégia aplicada à uma área específica – aquela que está obsoleta e degradada, há necessidade de observar várias dimensões urbanas. A solução para o problema, a devolução da animação urbana à área, passa por uma visão coletiva e pela integração das questões sociais, físico-espaciais, ambientais, arquitetônicas, econômicas etc.
O Prefeito da cidade parece entender esta abrangência quando afirma que: “Como o Centro mexe com várias facetas, temos que criar um consenso mínimo sobre esses vários aspectos e, a partir disso, ter um embrião do nosso plano de ação” (5). Mas antes de se adotar esta estratégia como instrumento de uma política pública de desenvolvimento urbano, é preciso que a gestão faça um planejamento. Não se concretizam programas, projetos ou ações sem passar pelas diversas etapas de planejamento como gestação, formulação, decisão, implantação, avaliação e retroalimentação.
É certo que o planejamento urbano tende a se localizar na etapa de decisões das políticas públicas, mas não se descarta que a gestação e formulação de uma política pública seja resultado da necessidade de um plano. Daí que o conhecimento da realidade é fundamental para basear as opções, o que exige uma abordagem pluridisciplinar. No entanto, é essencial ter em conta que a complexidade das intervenções de vitalização urbana exige uma grande flexibilidade e que as soluções serão encontradas no contato com a realidade (6).
Solucionar as questões que ora afligem o Centro de Teresina demanda cuidados básicos, entre outros, com a ocupação do solo. A obsolescência da região passa pela necessidade de revisão da lei de uso do solo vigente. É seu principal problema. Resulta em áreas que ficam “mortas” por alguns períodos do dia e gera um processo de empobrecimento e abandono do bairro. Em conjunto e quando se trata de qualificação urbana sustentável, esses problemas incorrem na redução de investimentos na região, tanto públicos quanto privados, e na aparente oposição entre interesse público e privado. É como se a busca por uma cidade sustentável fosse incompatível com os interesses do mercado. Como não são interesses opostos, a atual gestão deve buscar um trabalho conjunto e refletir o significado e o alcance da ‘participação popular’.
O desenvolvimento sustentável (7) e duradouro da área central, necessariamente exigirá uma reformulação de nossa visão de cidade e de nossos padrões de urbanidade. Essa mudança de postura e de pensamento implica em considerar a região como um ecossistema que integra o estilo de vida urbano e o ambiente, e exige que se recorra à estratégias de solução diferenciadas e criativas. Entre estas, são aplicáveis à vitalização do Centro de Teresina: intervenções em micro escala, redução dos custos de projeto e ampliação dos impactos positivos, necessidade de planejamento estratégico quanto a aspectos como o adensamento populacional amplamente divulgado pelos defensores da “cidade caminhável”, incentivo à experimentação de novas formas de organização espacial e indução a novos hábitos de moradia, de transporte e consumo – neste último se inclui, por exemplo, o incentivo ao uso de transportes que produzem energia não poluente. Aqui cabe um alerta: - não é necessário a existência de ciclovias para que o modal seja incentivado. Mas é necessário que o sistema viário propicie uma convivência pacífica entre os diferentes modais de transporte. Um estudo prévio do fluxo associado ao do meio ambiente e ao levantamento geométrico da região pode produzir soluções de uso ordenado, vantajosas em termos de custos para a gestão e de bem estar para a população.
Convém destacar que o êxito destas soluções criativas é proporcional ao envolvimento da população no processo de qualificação da área. Será tanto maior quanto maior for a sensação de pertencimento proveniente da identificação com o espaço urbano. Boas soluções também requerem o entendimento que a decadência urbana (8) é um processo e não uma imagem fixa, e que, como processo, provoca ações.
A decadência não está em sincronia com o progresso, a modernização e com as narrativas características da sociedade ocidental moderna. É lícito supor que as estruturas em declínio, os lugares abandonados, os lotes abandonados e outras imperfeições urbanas de uma forma ou de outra provoquem reações e inspirem sensações. É que, como explica Bradley Garrett, em Explore Everything (9), as áreas urbanas podem estar em decadência, mas não estão mortas. Elas são plenas de possibilidades porque o espaço decadente tem ressonância - ele gera outro espaço e produz um acontecimento, um fato urbano. Portanto o planejamento para devolver a animação urbana ao Centro da cidade deve levar isso em conta.
Têm-se que o abandono de áreas urbanas e o seu decaimento mostram o colapso dos futuros do passado. Mas considera-se que a gestão de Teresina deve perceber a noção de decaimento urbano tal como a vê o arquiteto italiano Simone Pizzagalli: através da narrativa que os vazios proporcionam (10).
Pizzagalli escreve que na linguagem falada "o silêncio se torna um espaço mais que um vazio real, uma pausa que é ausência de som, mas enriquecida por uma tensão sentida em si mesma como silêncio ou como uma relação com o que era antes e o que vem depois". Considerando-se que os espaços da cidade são com página escritas, de sua leitura infere-se que a decadência é um silêncio na frase urbana. É um vazio real que contêm seus próprios significados e realidades. Portanto, no ambiente construído os vazios não são uma falta, um não nada. São elementos importantes que nos ajudam a interpretar o espaço à nossa volta. Eles contém em si todo o potencial do espaço, toda a relação não escrita e vivida. O espaço decadente é o lugar da tensão de algo que será. É o lugar onde a lembrança da realidade, a composição das partes e os fragmentos da vida podem acontecer. Donde se conclui que estes fragmentos, mesmo imperfeitos, incompletos, quebrados e ilusórios do ambiente construído, são componentes importantes na narração e relacionam pessoas, lugares, histórias e futuros. Seguramente têm sua importância no processo de planejamento para vitalização da área degradada. Que sejam inspiração para o bem comum!
Boa sorte à gestão de Teresina!
notas
1
Ver em: TERESINA, Prefeitura Municipal de. Projeto de reabilitação do Centro. Notícias, Semplan, 12 de Abril de 2017. Disponível em: <http://semplan.teresina.pi.gov.br/projeto-de-reabilitacao-do-centro-sera-pactuado-com-a-populacao>.
2
Carta de Lisboa sobre a reabilitação urbana integrada. 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana. Lisboa, 21-27 out. 1995. Disponível em: <www.culturanorte.pt/fotos/editor2/1995__carta_de_lisboa_sobre_a_reabilitacao_urbana_integrada-1%C2%BA_encontro_luso-brasileiro_de_reabilitacao_urbana.pdf>.
3
Sobre planejamento urbano, ver: DUARTE, Fábio. Planejamento urbano. Curitiba, Ibepex, 2007.
4
GIDEÓN, Sigfried. Espaço, tempo e arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo, Martins Fontes, 2004.
5
Apud: SEMPLAN – REUNIÃO. Projeto de reabilitação do Centro será pactuado com a população. Firmino Filho destacou que as propostas formatadas pelo grupo serão discutidas com a população. Prefeitura Municipal de Teresina, 12 abr. 2017 <www.portalpmt.teresina.pi.gov.br/noticia/Projeto-de-reabilitacao-do-Centro-sera-pactuado-com-a-populacao/14363>.
6
Carta de Lisboa sobre a reabilitação urbana integrada (op. cit.).
7
Sobre o planejamento sustentável, ver: BUARQUE, Sergio C. Construindo o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro, Garamond, 2002.
8
Sobre a decadência urbana, ver: MINKJAN, Mark. The Poetry of decay. Failed Architecture (FA), 2013 <www.failedarchitecture.com/the-poetry-of-decay>. Failed Architecture (FA) é uma plataforma de pesquisa que visa abrir novas perspectivas sobre o fracasso urbano – do que é percebido como sendo, o que realmente está acontecendo e como ele é representado para o público.
9
GARRETT, Bradley L. Explore Everythin: place hacking the city. Endiburgh, Weher Text Uk Ltda, 2013.
10
PIZZAFALLI, Simone; PRIVILEGGIO Nicolò; SCHOONDERBEEK, Marc. Spaces, Poetics and Voids: a prision. London, Editora Architectura/Natura Press, series from TU Delft, 2013.
sobre a autora
Angela Napoleão Braz é professor adjunto da UFPI, mestre em Desenvolvimento Urbano, doutora em Arquitetura e Urbanismo e coordenadora da pesquisa “Cidades Inteligentes”, cadastrada junto a Universidade Federal do Piauí.