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português
A partir da polêmica entre o jornalista Chico Sant’anna e o diplomata Rômulo Neves sobre o adensamento do Setor de Mansões Park Way, Sergio Jatobá trata o adensamento do Distrito Federal a partir das ideias presentes no projeto do urbanista Lúcio Costa.
JATOBÁ, Sergio. Brasília DF. Sobre densidades e meias verdades. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 203.04, Vitruvius, jun. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.203/6580>.
Recente polêmica envolvendo o diplomata e ex-BBB Rômulo Neves e o jornalista Chico Sant’anna trouxe à tona interessante discussão sobre as densidades urbanas do DF. Chico Sant’anna publicou em sua coluna semanal “Brasília Capital” matéria repercutindo supostas declarações de Rômulo Neves em seminário no qual afirmava que o projeto urbanístico do Setor de Mansões Park Way – SMPW foi um erro e que o bairro deveria ser adensado. Esta avaliação teria causado arrepios nos moradores do Park Way, de acordo com Chico Sant’anna, pois os mesmos acreditam que somente com a manutenção da baixíssima densidade seria garantida a preservação ambiental das suas nascentes, cursos d´água e outras áreas de preservação permanente (1). Rômulo Neves respondeu, argumentando que foi mal compreendido e que o que quis dizer é que o erro urbanístico foi a criação do Park Way afastado do Plano Piloto, que a área onde o Setor foi implantado não deveria ser residencial e seria mais preservada se sua população estivesse concentrada no Plano Piloto.
Em tese nem os moradores do Park Way estão totalmente equivocados em relacionar baixa densidade com preservação ambiental nem Rômulo Neves está falando absurdos quando relaciona preservação ambiental com áreas urbanas mais adensadas e cidades compactas. De fato, desde que Ebenezer Howard, no século 19, propôs o modelo de Cidade-Jardim com a boa intenção de reverter o quadro de insalubridade e degradação social e ambiental da cidade industrial, as urbanizações suburbanas, como o Park Way, passaram a ser vistas como sinônimo de “cidades amigas da natureza” em função da baixíssima densidade e da grande proporção de áreas verdes. Ocorre que junto com isso as urbanizações suburbanas, em sua maior parte de alta renda, implicaram no espraiamento excessivo da mancha urbana, o chamado urban sprawl, no uso intensivo de transporte individual e na subutilização das infraestruturas urbanas. Portanto, áreas verdes e baixa densidade não compensaram o alto custo ambiental deste tipo de ocupação tornando-o um modelo comprovadamente insustentável. Quem primeiro apontou isso foi Jane Jacobs em Morte e vida das grandes cidades, publicado em 1961, mas atualmente já há um consenso crescente entre urbanistas de que o modelo urbano mais próximo do que seria sustentável é o da cidade compacta e adequadamente adensada, o contrário da Cidade-Jardim e, portanto, do que é o Park Way hoje.
O Park Way, contudo, não nasceu errado. Foi proposto pela Novacap em 1958, com a aprovação de Lúcio Costa, que já previu no item 18 do Relatório do Plano Piloto uma tipologia similar de ocupação residencial, inicialmente adotada nos Lagos Sul e Norte. A ideia na época era que esses setores compusessem uma espécie de cinturão periurbano, mesclado com áreas rurais, destinado a manter o Plano Piloto livre de uma futura expansão conurbada em modelo polinucleado de ocupação, a exemplo das News Towns inglesas. Essa idealização não se materializou e a cidade, a exemplo de outros centros urbanos, expandiu sua malha urbana, em grande medida de forma desordenada, para atender a necessidade de abrigar um crescimento populacional que extrapolou em muito o previsto inicialmente.
Na situação atual, portanto, adensar a cidade de forma planejada e não deixar que ela se espalhe excessivamente é reconhecidamente a melhor solução técnica. Porém, é preciso alertar que adensamento não significa automaticamente verticalização. Cidades adequadamente densas como Paris e Barcelona, por exemplo, não são verticalizadas e uma Unidade de Vizinhança, que reúne quatro superquadras do Plano Piloto com seus edifícios de 6 pavimentos + pilotis, tem densidade comparável a dessas cidades. Além disso, se o Poder Público altera o gabarito de lotes, aumentando o seu potencial construtivo, deve fazê-lo mediante a outorga onerosa do direito de construir, reinvestindo os recursos arrecadados em melhorias urbanas, ampliação das infraestruturas e contrapartidas ambientais e sociais.
A discussão sobre densidades é necessária para se pensar uma melhor gestão urbana, mas deve estar isenta de paixões e ser feita em termos técnicos. Também não deve ser desvirtuada para atender a interesses específicos, sejam eles imobiliários ou de grupos mais preocupados em manter privilégios elitistas do que com a melhoria da qualidade do ambiente urbano.
notas
1
SANT'ANNA, Chico. Park Way. Ex-secretário BBB defende prédios mais altos no centro de Brasília. Blog Brasília Capital, Brasília, 18 jun. 2017 <https://www.bsbcapital.com.br/de-arrepiar-2>.
sobre o autor
Sérgio Jatobá é arquiteto e urbanista (UnB, 1981), doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006), gerente de Estudos Urbanos da Codeplan/GDF, pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA.