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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
A proposta de um cidadão em remover moradores de favelas para a região de Guaratiba serve de mote para Luiz Fernando Janot apresentar a necessidade de discussão pública para os planos urbanísticos.

how to quote

JANOT, Luiz Fernando. Violência e segregação. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 212.01, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.212/6905>.


Vista aérea da Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro
Foto Diego Baravelli [Wikimedia Commons]


Logo após ter sido decretada a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, um engenheiro militar aposentado me procurou para apresentar sua estratégia para dar fim à bandidagem em nossas favelas. Diante do meu espanto, ele esclareceu que a proposta não possuía caráter militar e que a sua meta era acabar com as favelas nos morros da cidade. Algo como na história do cara que mandou tirar o sofá após saber que estava sendo traído na sala da própria casa.

Seu plano inusitado consistia em transferir os moradores dessas favelas para um conjunto de terras, maior que Copacabana, na região de Guaratiba. Segundo ele, trata-se de um imenso território alagadiço passível de ser desapropriado e urbanizado por meio da construção de canais de drenagem e de aterros sucessivos com os resíduos da demolição das próprias favelas. É curioso observar como algumas pessoas falam sem a menor inibição de assuntos que mal conhecem a sua complexidade.

Todavia, existem estudos teóricos que consideram valiosas essas manifestações espontâneas da sociedade. Quando trabalhei na França, no início da década de 1970, ouvi de um urbanista conceituado a recomendação para ouvir dez poetas antes de iniciar um projeto de urbanização. Os poetas, nesse caso, simbolizavam pessoas sem compromisso com a ortodoxia racionalista que predominava entre os arquitetos e urbanistas naquela época.

Nesse entendimento, pergunto por que razão os projetos urbanos não são submetidos previamente à avaliação crítica da sociedade? Deve haver alguma razão que a própria razão desconhece. Não se pode esquecer que a maioria das audiências públicas destinadas a esse fim se perdem em discussões ideológicas estéreis e articulações políticas para defender interesses das mais diferentes espécies.

Espera-se que os responsáveis pelos projetos urbanos deem mais atenção às demandas da população e maior transparência na divulgação dos projetos. Planejar é preciso, sobretudo, para evitar que obras inconsequentes comprometam o desenvolvimento sustentável da cidade. Concursos públicos de projetos de arquitetura e urbanismo para selecionar os melhores trabalhos vêm sendo realizados com êxito pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Essa prática precisa ser retomada com maior frequência e exigida nas licitações de obras públicas.

Infelizmente, ainda persiste entre as autoridades governamentais e a própria sociedade a cultura de não dar importância aos espaços urbanos de qualidade. O estado deplorável em que se encontram as nossas ruas e calçadas não me deixa mentir. Enquanto as cidades no exterior investem pesado na valorização dos seus ambientes urbanos, no Brasil eles são relegados ao abandono.

Nossos centros históricos refletem esse processo de degradação progressiva, agravado pela inexistência de políticas capazes de alavancar um desenvolvimento sustentável e duradouro. Há que se reconhecer a dificuldade para atrair novos empreendimentos quando não se oferece uma urbanização qualificada e condições de segurança que permita às pessoas circularem pela cidade, a qualquer hora do dia e da noite, sem sobressaltos.

Não podemos desconsiderar que nos países mais desenvolvidos os contrastes sociais não são tão acentuados quanto os nossos. Modelos de ocupação do solo que permitem a construção de condomínios residenciais fechados e shoppings luxuosos em áreas pobres e sem infraestrutura acirram os conflitos sociais e a violência urbana. O resultado é a consolidação de uma cidade segregada que contradiz a cultura do cidadão carioca.

Para reverter essa realidade, em médio prazo, teremos que ter a convicção de que o caminho a ser trilhado deverá estar livre dos radicalismos de ocasião – à direita e à esquerda – que alimentam ódios, violência e segregação de toda espécie. A proximidade das eleições de outubro poderá significar uma oportunidade singular para reavivar o debate democrático e recuperar a dignidade perdida nos últimos anos pela má condução política da nossa nação. Esta é uma tarefa que diz respeito a todos nós.

nota

NE – Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Violência e segregação. O Globo, Rio de Janeiro, 10 fev. 2018.

sobre o autor

Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.

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