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português
Abilio Guerra comenta as rodas de choro em espaços públicos de São Paulo, Ouro Preto e Rio de Janeiro.
GUERRA, Abilio. Do choro – entre lágrimas e música. Crônicas de andarilho 17. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 212.04, Vitruvius, mar. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.212/6923>.
Nascemos chorando e ao morrer deixamos outros a chorar. Chorar, palavra que nos acompanha em toda a existência como verbo, mas também como substantivo. Substantivo deslizante, por sinal. Pode carregar em si a fatalidade da vida – “Eu sigo rumando, sem choro e nem vela”, diz a música –, mas pode ser um bom remédio para os males que ela nos traz, como sabe todo bêbado de botequim aguardando seu choro final na forma do aguardente benfazejo.
O choro significa lamento, lamúria, pranto no velório de entes queridos, mas chorão pode ser um marmanjo individualista que só pensa na causa própria. Os homens choram vertendo lágrimas, mas a natureza o faz através dos populares chorões ou salgueiros, com suas hastes cumpridas que escorrem como lágrimas.
Quem pratica com constância o choro, ou chororô, fica conhecido como choramingas. Isso quando a prática é literal, quando está em cena sua versão musical seus praticantes são conhecidos como chorões. Pesquisadores atribuem o nascimento do gênero, ocorrido no século 19 nas ruas do Rio de Janeiro, a uma fusão entre o lundu, ritmo de percussão com origem africana, e variações musicais europeias baseadas na melodia, tendo como base instrumental a flauta, o violão e o cavaquinho. Com o tempo, se juntaram à trinca outros instrumentos – bandolim, pandeiro, violão de 7 cordas, trombone, saxofone... – o último insinuando alguma conexão com o jazz norte-americano. Gênero popular, mas com ares eruditos, praticamente extinto, ao menos para quem acompanha música exclusivamente pela rádio e TV.
Hoje, caminhando para a universidade, vejo do alto da ladeira o início de uma reunião especial. Calculo meus passos para melhor observar os três garotos apresentando um aos outros seus instrumentos, um violão, um cavaquinho, um pandeiro. Um quarto personagem sem instrumento faz a liga, pode ser o empresário, provavelmente um amigo comum. Quando me aproximo, combinam uma música e começam a tocar com conhecimento de causa, ainda desentrosados, mas a reunião dos talentos promete. Por acaso me tornei testemunha ocular de fato histórico, quem sabe.
Deixo os meninos pra traz com o encantador sonho comum e me recordo do encontro de chorões que assisti há alguns anos, não muitos, no Parque Vale dos Contos em Ouro Preto, na ocasião recém reinaugurado após anos de abandono. Apoiador da iniciativa, com conhecimento e recursos, o Iphan – comandado na época por meu amigo Luiz Fernando de Almeida – incentivou uma excelente programação cultural, com direito à roda de choro aos domingos.
Passei por passar, mas fui seduzido pelos grupos que se sucediam no palco raso, com direito à transição especial, onde os instrumentistas dos grupos que terminava e que iniciava se misturavam por alguns instantes e nos brindavam com um “chorinho” de improviso, uma beleza. Alguns anos antes, quando estava produzindo o livro sobre o Ministério da Educação e Saúde de Roberto Segre, em uma das minhas constantes viagens ao Rio me hospedei em um apartamento em Laranjeiras, gentilmente cedido por uma amiga, professora da FAU UFRJ. Estendi minha permanência até sábado para visitar os espaços culturais da cidade, que tanto me agradam, mas ao passar pela rua General Glicério esbarrei em um encontro de chorões, e por lá fiquei.
Os dias foram passando e nada de eu voltar para São Paulo. A semana já ia avançada e, preocupada com o que se passava em terras incógnitas, minha mulher pegou o avião e deu uma incerta nas paragens cariocas. Me encontrou no apartamento nas Laranjeiras, trabalhando no livro, mas aguardando o sábado, para mais uma sessão de choro carioca.
[26 de outubro de 2017]
notas
NA – Décima sétima publicação da série “Crônicas de andarilho”, com textos originalmente publicados no Facebook. Artigos da série:
GUERRA, Abilio. Cinco cenas paulistanas. Crônicas de andarilho 1. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 179.01, Vitruvius, jun. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.179/5561>.
GUERRA, Abilio. Dez cenas paulistanas. Crônicas de andarilho 2. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 180.02, Vitruvius, jul. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.180/5595>.
GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: a velocidade nas marginais e outros assuntos. Crônicas de andarilho 3. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 181.03, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.181/5637>.
GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: caipirice, regionalismo, erudição, cidadania, obra pública e mobiliário urbano. Crônicas de andarilho 4. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 183.01, Vitruvius, out. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.183/5735>.
GUERRA, Abilio. Dez cenas paulistanas: bicicletas, escadarias, caminhadas, rios ocultos, escolas, resiliência, diálogo. Crônicas de andarilho 5. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 185.02, Vitruvius, dez. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.185/5830>.
GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: lixo, lixeiros, orelhão, quadro com vidro trincado, estátuas urbanas, praia de asfalto e Mario de Andrade. Crônicas de andarilho 6. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 187.03, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.187/5932>.
GUERRA, Abilio. Memórias do futuro: sobre a recusa de se ver o óbvio. Crônicas de andarilho 7. Drops, São Paulo, ano 17, n. 103.02, Vitruvius, abr. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.103/5982>.
GUERRA, Abilio. Oito cenas paulistanas: política, política cultural e urbanidade. Crônicas de andarilho 8. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 191.03, Vitruvius, jun. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.191/6050>.
GUERRA, Abilio. Do nome das coisas: qual o motivo para mudar o nome do Elevado Costa e Silva? Crônicas de andarilho 9. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 193.06, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.193/6167>.
GUERRA, Abilio. Do vizinho: como Jacques Tati e Michel Foucault podem explicar a boçalidade do novo-riquismo. Crônicas de andarilho 10. Drops, São Paulo, ano 17, n. 112.06, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.112/6383>.
GUERRA, Abilio. Do higienismo: sobre as práticas urbanísticas do século 19 em pleno século 21. Crônicas de andarilho 11. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 198.04, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.198/6385>.
GUERRA, Abilio. Do gênero na fala popular. Crônicas de andarilho 12. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 122.05, Vitruvius, maio 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.122/6540>.
GUERRA, Abilio. Do táxi. Crônicas de andarilho 13. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 202.05, Vitruvius, maio 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.202/6541>.
GUERRA, Abilio. Três crônicas sobre a arte e a vida. Crônicas de andarilho 14. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 206.05, Vitruvius, set. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.206/6712>.
GUERRA, Abilio. Do sadomasoquismo. Crônicas de andarilho 15. Drops, São Paulo, ano 18, n. 124.01, Vitruvius, jan. 2018 < www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.124/6820>.
GUERRA, Abilio. Do cordão de isolamento: ano novo, realidade arcaica. Crônicas de andarilho 16. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 129.06, Vitruvius, dez. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.129/6822>.
GUERRA, Abilio. Do choro – entre lágrimas e música. Crônicas de andarilho 17. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 212.04, Vitruvius, mar. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.212/6923>.
GUERRA, Abilio. Da cavalaria de hoje e de antigamente. Crônicas de andarilho 18. Drops, São Paulo, ano 18, n. 126.06, Vitruvius, mar. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.126/6926>.
GUERRA, Abilio. Da inveja infame: a trajetória histórica de Lula e a viagem pela metrópole de um casal qualquer. Crônicas de andarilho 19. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, abr. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.133/6953>.
GUERRA, Abilio. Do andaime. Crônicas de andarilho 20. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 134.04, Vitruvius, maio 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.134/6984>.
GUERRA, Abilio. Da dobradura. Crônicas de andarilho 21. Drops, São Paulo, ano 18, n. 129.05, Vitruvius, jun. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.129/7033>.
GUERRA, Abilio. Das estradas da vida. Crônicas de andarilho 22. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 136.05, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.136/7049>.
GUERRA, Abilio. Da ilha longínqua. Crônicas de andarilho 23. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 137.05, Vitruvius, ago. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.137/7079>.
GUERRA, Abilio. Dos sem teto. Crônicas de andarilho 24. Drops, São Paulo, ano 19, n. 134.02, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.134/7164>.
GUERRA, Abilio. Da casa prototípica. Crônicas de andarilho 25. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 140.05, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.140/7165>.
GUERRA, Abilio. Do Bilhete Único. Crônicas de andarilho 26. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 224.01, Vitruvius, mar. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.224/7285>.
sobre o autor
Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.