In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
português
O arquiteto Luiz Fernando Janot comenta o conservadorismo político e moral dos novos governos eleitos nas três instâncias – municipal, estadual e federal – cujos princípios e valores nos aproximam ao “tempo das diligências” dos filmes de faroeste.
JANOT, Luiz Fernando. Agora é pra valer. Trio de governantes e a vanguarda do atraso. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 221.01, Vitruvius, dez. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.221/7195>.
A partir do próximo ano teremos um presidente obstinado na defesa dos valores morais da família brasileira, da ortodoxia religiosa cristã e da luta contra uma imaginária conspiração pseudocomunista que, segundo ele, interfere na formação das novas gerações.
Ao desprezar outras maneiras de pensar, fortalece o maniqueísmo ideológico que vem alimentando ódios difíceis de reverter. Pelo que se deduz dos pronunciamentos do futuro governador do Rio de Janeiro, ele também é um fiel seguidor dessa cartilha. Se agregarmos o prefeito do Rio, teremos um trio de governantes identificados culturalmente com a vanguarda do atraso.
Não podemos deixar de refletir sobre o fato de eles terem sido eleitos folgadamente. No caso do presidente, não há dúvida de que predominou uma forte rejeição ao PT, causada pelos desvios praticados durante os seus governos e pela arrogância de suas lideranças. Quanto ao governo do Rio de Janeiro, certamente, a indignação com as roubalheiras da cúpula estadual do PMDB acabou resvalando nos políticos identificados com esse partido.
Pesou também o fato de o governador eleito possuir formação de juiz de direito e um discurso afinado com o do futuro presidente. Na questão da segurança pública, ele jamais hesitou em divulgar propostas imediatistas. Entre elas, a de colocar atiradores de elite nas favelas para liquidar os bandidos armados com fuzis. Qualquer semelhança com os xerifes do tempo das diligências do oeste americano não é mera coincidência.
Outra proposta anunciada sem medir as consequências refere-se à abertura aleatória de vias nas favelas para possibilitar a circulação de viaturas policiais. Talvez ele não saiba que existem várias comunidades implantadas em terrenos planos e com ruas demarcadas onde o Estado, mesmo assim, não consegue deter a criminalidade. Intervir urbanisticamente em favelas é bem mais complexo do que sua excelência imagina.
Apesar de a maioria das intervenções urbanas serem atribuições das prefeituras municipais, caberá ao governo do Estado a tarefa de promover o planejamento urbano da Região Metropolitana. Afinal, mais de um milhão de pessoas circulam diariamente entre o Rio e os municípios vizinhos em condições precárias. Esse dado já seria suficiente para colocar a mobilidade urbana como um dos principais programas para melhorar a qualidade de vida da população.
Por acaso alguém sabe qual o modal de transporte coletivo que ele pretende privilegiar em seu governo? Acredito que a falta de conhecimento do problema dificulte a formulação de uma proposta consistente. Espero, contudo, que ele privilegie o transporte sobre trilhos e se empenhe em integrar a rede ferroviária e metroviária aos demais meios de transporte coletivos.
Com relação à saúde pública, infelizmente, nenhuma proposta inovadora foi anunciada. Seria bom informa-lo da necessidade de incluir nesse programa a questão da coleta e tratamento do esgoto sanitário. Quanto à assistência médica, tudo ainda parece ser uma grande incógnita. Ganha uma viagem a Cuba quem apresentar um programa que atenda as camadas pobres da população com a dignidade que elas merecem.
O fato de o governador eleito ser um outsider na política e na administração da coisa pública, o obriga a formar uma equipe de profissionais competentes para assessorá-lo. Na formação do Secretariado e das metas de governo, será preciso atentar para que não despontem os curiosos e muito menos as indefectíveis propostas populistas que atrapalham o bom funcionamento da máquina pública.
Como agora é pra valer, afinal o início do próximo ano está chegando, toda atenção é pouca diante do que esses novos governos se propõem realizar. Felizmente, possuímos instituições democráticas sólidas e capazes de impedir eventuais desvios ideológicos comprometedores de importantes conquistas da nossa sociedade. O jeito será pagar para ver.
nota
NE – Publicação original: JANOT, Luiz Fernando. Agora é pra valer. O Globo, Rio de Janeiro, 08 dez. 2018.
sobre o autor
Luiz Fernando Janot, arquiteto urbanista, professor da FAU UFRJ.