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Como em muitas cidades do interior do país, a paulista Presidente Prudente abriu mão de seu patrimônio construído na área central da cidade em prol da modernização voltada para o automóvel e seus derivados, como ruas largas e áreas para estacionamento.
ALVIM, Angélica Benatti. Saudades de uma praça que não existe mais. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 221.02, Vitruvius, dez. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.221/7204>.
Depois de muitos anos, fui à Praça da Matriz, uma das praças principais de Presidente Prudente, minha terra natal. Fiquei desolada com o que vi...
A praça Monsenhor Sarrion, onde localiza-se a catedral de São Sebastião, é parte de um conjunto arquitetônico e paisagístico que integra também a Praça 9 de Julho (praça maior em continuidade à praça da catedral, separada pela avenida coronel José Soares Marcondes) que constitui a principal referência da cidade.
Nesta praça, além da catedral que ficava ao fundo, havia um belo coreto onde a banda municipal fazia concertos periódicos, um abrigo de ônibus (cuja cobertura era uma grande marquise com capacidade para 4 a 5 ônibus), o carro do caldo de cana, o pipoqueiro, bancos, árvores e diversas espécies de flores. O piso era de pedra portuguesa. Lembro-me que o caldo de cana e o pipoqueiro eram paradas obrigatórias daqueles que usavam o transporte público com origem no centro em direção aos bairros ou que passeavam na praça aos domingos após a missa da manhã ou do fim da tarde. Parte da praça era um pequeno estacionamento destinado a quem frequentava a igreja. Mas este não interferia no cotidiano da praça e no seu caráter de espaço público.
Hoje, a praça perdeu um trecho importante em sua testada principal, aproximando a catedral da avenida Coronel José Soares Marcondes. A principal via de ligação da cidade por sua vez ganhou uma faixa de rolamento a mais, para dar maior vazão ao transporte individual.
Grande parte da praça transformou-se em estacionamento ou sistema viário de acesso ao estacionamento, com direito a “cancela” de entrada e saída de veículos. Aos fins de semana o estacionamento é gratuito. Durante a semana, paga-se para estacionar na praça da matriz.
O coreto, o ponto de ônibus “marquise”, o caldo de cana e o pipoqueiro desapareceram. Como parte do mobiliário urbano colocaram algumas bancas de jornal com padrão bem aquém do que havia antes. Nas calçadas que circundam a praça, foram dispostos vários pontos de ônibus, que a meu ver sobrecarregam vias de menor capacidade.
A imponente catedral de estilo art decô, tombada pelo Condephaat em 1983, foi “destombada” no final da década de 1990 “para que a igreja pudesse assumir suas reformas”, substituindo o poder público municipal e estadual que não fora capaz de manter o monumento. Apesar de a igreja internamente estar “revitalizada”, e bem conservada com seus vitrais afrescos e pinturas recuperadas, esta ganhou nos anos 2000 um gradil que a “protege” de moradores de rua, e a isola da sua praça.
Do outro lado da avenida, a grandiosa Praça 9 de Julho, desenhada no estilo de um jardim francês e que abriga a histórica fonte luminosa da cidade, sofreu importante revitalização em 2013. Não tive tempo de visitá-la, mas me chamou a atenção a inclusão de grades entre a avenida e o passeio público, e a substituição da antiga revistaria/tabacaria “O Jardineiro” por um posto da base da polícia militar, cuja edificação pesada impacta a paisagem da praça e simboliza a tão “necessária” segurança da contemporaneidade.
Enfim, o caráter das intervenções na praça da matriz em Presidente Prudente indica o quão alinhada à uma pretensa e falsa modernidade a cidade está: o pedestre perdeu o espaço público da praça para os automóveis; artifícios de grades e edifícios voltados à segurança enquadram monumentos e se tornam porta de entrada do espaço público; os singelos ambulantes de nossas memórias desapareceram...
No centenário da cidade comemorado o ano passado, o conjunto arquitetônico e paisagístico da área central foi exaltado em diversas reportagens. No entanto, com certeza, não é mais o belo conjunto que minha memória guarda... e sim a descaraterização do patrimônio da cidade.
Algumas fotos antigas e outras recentes ilustram a história e como o poder público prudentino vem tratando seu patrimônio e espaços públicos.
sobre a autora
Angélica Aparecida Tanus Benatti Alvim é arquiteta e urbanista, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo – FAU/USP (1996, 2003) e professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 1991, onde atualmente exerce o cargo de diretora (2016-2019).