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Diante dos boatos da demolição do edifício sede Secretaria Municipal de Obras e Viação – SMOV em Porto Alegre, de autoria dos arquitetos Helton E. Bello e Sérgio M. Marques, é necessário explicar os motivos de sua preservação.
MARQUES, Sergio Moacir. Secretaria Municipal de Obras e Viação – SMOV. Entre a preservação e a destruição. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 221.04, Vitruvius, dez. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.221/7206>.
Após série de rumores de demolição, o Sindicato de Arquitetos do Rio Grande do Sul, com o apoio do Docomomo Brasil, Docomomo Nucleo RS e IAB/RS, protocolou requerimento com instrução de tombamento do edifício sede da Secretaria Municipal de Obras e Viação – SMOV (1) para a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, elaborado pelos arquitetos Helton E. Bello e Sérgio M. Marques (2).
A SMOV, projeto de Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, então funcionários públicos do Município, de 1966, é produto de larga tradição de planejamento urbano no sul do país e emblemático da manifestação do movimento moderno na região, em particular no urbanismo, cuja disseminação foi expressiva. Fruto de movimento liderado por Edvaldo Pereira Paiva, os técnicos da então Divisão de Urbanismo almejaram a construção de edifício sede para o urbanismo na cidade. Sendo edifício institucional pioneiro no uso de peças de fachada pré-moldadas em concreto, a SMOV foi premiada em Salão de Arquitetura organizado pelo IAB/RS.
A Secretaria
Projetos para prédios públicos emblematizam a arquitetura moderna brasileira como imagem denotativa da identidade desejada pelas representações do governo. Palácios, centros administrativos, prefeituras, secretarias e ministérios compreendem boa parte da historiografia da arquitetura moderna no Brasil e, em circunstâncias extraordinárias, foram o ato inaugural do movimento moderno nacional e local, bem como a propulsão mediante a opinião pública. O Ministério de Educação e Saúde é o protótipo transcendental dessa relação e em Porto Alegre, senão por questões cronológicas, por monumentalidade tipológica, o Palácio da Justiça de Fernando Corona e Carlos M. Fayet (3) reúne a carga simbólica e genética em questão. A Secretaria Municipal de Obras e Viação assim como a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, seguem as vias laterais desse caminho, em uma circunstancia mais comezinha por um lado, mais próxima à frequência emanada pelo diapasão local, por outro.
O Planejamento Urbano em Porto Alegre teve certa relevância na evolução urbana da capital desde as primeiras décadas do século 20. Tanto no Plano “Moreira Maciel” de 1914, dirigido essencialmente ao sistema viário, como no Plano Gladosh de 1945, de caráter mais prospectivo em relação à morfologia da expansão urbana, com denso viés figurativo, a política pública municipal creditava ao planejamento técnico a ideia de ferramenta administrativa estrutural, como principio. O fortalecimento do planejamento nos anos 1950, como importante agente gestor da cidade, e a reunião de nomes como Edvaldo Pereira Paiva, Ubatuba de Farias, e a seguir, Roberto Félix Veronese, Carlos M. Fayet e Moacyr Moojen Marques alinha-se, de maneira ainda pouco reconhecida, à formação da Faculdade de Arquitetura, do IAB/RS e das obras inaugurais, como um dos grandes expedientes de afirmação do Movimento Moderno no sul e em termos de urbanismo, no Brasil (4).
Na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, o planejamento urbano tradicionalmente era tratado na Secretaria Municipal de Obras e Viação. Administrativamente, era uma divisão entre outras, como as de execução de obras, loteamentos, aprovação e fiscalização, todas subordinadas à SMOV. Com o Plano Diretor de 1959, e os conceitos de interdisciplinaridade do planejamento urbano moderno, a atividade ganhou complexidade, volume, expressão administrativa e passou, por sua vez a se subdividir em secções como, planejamento, loteamentos etc. Por outro lado, a valorização da cidade moderna como imagem idealizada pelos prefeitos, pela própria sociedade e o incremento do planejamento urbano técnico como ação política, davam ao corpo da área do Planejamento um status que não cabia mais dentro da Secretaria de Obras, de caráter executivo. O espaço destinado às secretarias no quinto andar do edifício chamado de Prefeitura Nova, junto ao Paço Municipal, não comportava a infraestrutura necessária. Primeiramente o corpo técnico liderado por Edvaldo Pereira Paiva e a seguir a secretaria passou, através dos funcionários e do secretário Moses Ribeiro do Carmo, a reivindicar ao então prefeito, Célio Marques Fernandes (1965-1969) a construção de uma sede nova destinada às secretarias do planejamento e obras, recebendo estas as condições, importância e representatividade devidas.
A estratégia do corpo técnico foi de tomar a iniciativa na realização de um projeto para a sede e convencer o secretário à realizar pelo menos as fundações e parte da estrutura, como forma de garantir a continuidade do projeto em administrações futuras. Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva, os três arquitetos envolvidos na iniciativa, e designados para a tarefa, escolheram um terreno próprio municipal na Av. Borges de Medeiros, próximo a Av. Ipiranga, no tecido urbano mais representativo do ideário associado à tradição moderna do planejamento urbano em Porto Alegre: o aterro da Praia de Belas. Área conquistada ao rio, após sucessivos aterros, expansão natural do centro a partir dos anos 1940, o aterro da Praia de Belas expressava, através dos projetos realizados pelo planejamento urbano, a cartilha do urbanismo moderno, interpretado e praticado, de acordo com as influencias locais.
Segundo depoimento de Moacyr Moojen Marques, naquele momento a área do Centro Administrativo Estadual, Municipal e Federal, prevista pelo plano de 1959, junto à Primeira Perimetral, onde está hoje a Câmara de Vereadores, ainda não estava aterrada; se estivesse, a nova sede com certeza estaria ali. O projeto – realizado em 1966 para um terreno de setenta metros de frente – foi desenvolvido e licitado para a primeira fase da construção, já que não havia recursos para toda a obra. Neste ínterim assumiram o prefeito Telmo Thompson Flores (1969-1975) e, na SMOV, o secretário Plínio Almeida, arquiteto, que deram continuidade às obras, cuja conclusão se deu na mesma administração. O Planejamento ocupou o edifício conjuntamente com a SMOV, SMIC e o GERM. Gradativamente o Planejamento e a SMOV novamente cresceram e ocuparam integralmente o edifício, fazendo que SMIC e GERM, assumissem outras localizações, sendo que na década de 1970, no governo do Prefeito Guilherme Socias Vilella (1975-1983), foi criada a Secretaria do Planejamento Urbano de Porto Alegre – SPMPA.
Moacyr Moojen Marques participou do projeto da Secretaria, concomitantemente com a finalização dos projetos da Petrobrás (5). Como encarregado de coordenar os projetos da SMOV, adotou os princípios conceituais com os quais estava imbuído, como a modulação, racionalidade construtiva e pré-fabricação. Expõe que na antiga sede da secretaria, os salões já não tinham divisórias de alvenaria e sim tabiques de madeira que vivia tendo adaptações com muitos problemas em termos de vigas, pilares, pontos de luz e infra estrutura. Como também não havia clareza na futura composição das secretarias, a concepção geral era de pavimentos, térreo, mais salões livres, dentro do gabarito da legislação, retirando a estrutura de dentro do edifício para não condicionar a planta com exceção de quatro pilares, que por razões estruturais não puderam ser evitados.
O projeto dá vazão e seguimento ao uso do concreto, como determinante de estratégias espaciais, utilizado ad referendum a partir da Petrobras, mas dentro de princípios reticulares mais afetos as investigações modulares de Aldo Van Eick. Todo o projeto é rigorosamente modulado em 1,25m x 1,25m – forros, luminárias, fachadas, esquadrias, vidros, peitoris, obedecem ao sistema modular (o forro com 2,50m x 2,50m, possuía luminárias de acrílico com desenho idêntico aos peitoris de fachada, mais tarde substituídas). O arranjo geral em planta compreende, nos pavimentos tipo, circulação vertical e dois blocos de sanitários no centro, permitindo a ocupação, com salas, na periferia, em uma faixa de cinco metros (4 x 1,25m) junto às aberturas no perímetro de cada pavimento e espaços maiores nas cabeceiras do edifício (7 x 1,25m), o que permitiu a colocação de pequenos auditórios, mais uma faixa de circulação interna. Toda a rede elétrica e telefônica estava instalada na periferia, junto à fachada, em um rodapé tubular, sendo que o sistema de divisórias permitia um duto para as redes a partir do perímetro, cinco metros para dentro de cada pavimento. Desta forma, as instalações continham a flexibilidade necessária. Os interruptores por sua vez, estavam localizados todos no núcleo central, fora das salas, permitindo flexibilidade na modificação dos layouts.
Durante a construção, com a definição da divisão das secretarias, foi determinada a distribuição espacial dos pavimentos, ficando ao cargo do arquiteto Bruno Franke, funcionário da secretaria, o projeto das divisórias. Franke desenvolveu um sistema modular, com estrutura de madeira aparente e painéis de compensado pintado, dentro da regra dimensional geral (1,25m), que permitia a colocação de fechamentos, balcões de apoio, armários, balcões de atendimento, portas, aberturas e outros elementos no sistema. As divisórias completavam o ambiente modulado tridimensionalmente, bem como a boa qualidade do desenho e execução do sistema, atribuía ao espaço a noção de leveza e versatilidade pretendidas pela planta livre dos pavimentos. Os painéis leves e a composição neoplasticista determinada pelos planos das divisórias, conjuntamente com a expressão modular da estrutura, dos elementos de forro e os painéis de fachada, dotam o projeto de um sistema integrador, de elementos industrializados articulados dimensional, espacial, funcional e plasticamente, como em obras do De Stijl. Visão que casava com a imagem moderna e técnica pretendida à secretaria, bem como a flexibilidade pretendida para a evolução da secretaria de planejamento no município.
Por razão de custos, em relação aos disponíveis no mercado, o sistema de divisórias foi fabricado no Paraná e resistiu bravamente durante muitos anos (em alguns locais até hoje), apesar da falta de manutenção. A estrutura fora do corpo do edifício favorecia a integridade interna da modulação. Os pilares, de concreto armado à vista, de dimensão considerável para a expectativa dos arquitetos, receberam sulcos para torná-los de aparência mais leve, como na Petrobras, e para permitir formalmente a expressão externa das vigas, que os cruzam, em balanço no vazio. Com o esqueleto exteriorizado da epiderme do edifício, como prenunciava Perret, a caixa sustentada, solta no térreo e na cobertura por recessos, organiza-se formalmente em bandas horizontais, ora caixilharia, ora placas pré-fabricadas em concreto, estritamente moduladas pela malha tridimensional que rege o edifício. Essa caixa, suspensa por estruturas distantes dos ângulos da caixa, articuladas a planos superiores e inferiores, bem como a horizontalidade da caixilharia e a superfície ornamentada pela textura dos elementos de fachada, remete à expressão wrigthiana da arquitetura moderna de viés classicizante. Os painéis de concreto pré-fabricado, pintados de branco, foram ajustados em sua textura acentuando os ângulos da forma, e introduzindo uma figura quadrangular no centro da pirâmide rasa original, já que segundo Moojen, os primeiros painéis colocados, criaram uma sombra desagradável ao olhar.
A organização formal do edifício, com composição tripartite, remete à tradição clássica, e assim como nos palácios em Brasília, em escala reduzida, com gestos discretos, sem grandes espaços de transição e acessos monumentais, faz jus ao teor representativo da obra pública congregando composição acadêmica, simetria e preceitos modernos. O último pavimento e o térreo foram recuados para criar a composição de base, corpo e cobertura sendo que todo conjunto está pousado sobre um entablamento mais alto que o passeio. Originalmente para a biblioteca, restaurante, auditório e salão de exposições, a cobertura, permitia o recesso com adequação, já que as condições de proteção solar e uso das varandas eram favoráveis. Planos de alvenaria, revestidos com pastilha cerâmica escura, tanto no térreo como na cobertura, otimizam a noção de profundidade do recuo em relação ao plano de fachadas, acentuado dramaticamente pela sombra. O plano superior, de concreto aparente, dessa maneira sobrevoa o conjunto, coroando e arrematando a composição.
A construção da secretaria transcorreu com serenidade. A racionalidade do projeto e a concatenação da concepção arquitetônica com a modulação e o sistema construtivo propiciaram um projeto arquitetônico com poucos detalhes e uma obra com baixos imprevistos. A sequência da construção teve primeiramente o esqueleto com vigas, pilares e lajes. Em seguida perfis metálicos chumbados no topo das lajes de cima a baixo, onde os peitoris de concreto pré-fabricado e esquadrias eram fixados, sistema de fixação de fachadas de concreto ainda inédito em Porto Alegre.
Moojen expõe que sob o ponto de vista estético, naquela oportunidade, havia a influência de projetos publicados na revista norte-americana Progressive Architecture, com soluções de coroamento interessantes, escapando do modelo adotado por edifícios modernos que terminavam abruptamente. Manifesta também que durante os projetos da Petrobras, nos projetos em que se envolveu diretamente, como o refeitório, ao contrário do interpretado por outros autores, a filiação com Mies van de Rohe não era deliberada nem intencional. Provavelmente intuitiva pela arquitetura que estava no “ar”. Chama atenção que o sistema de pilares e vigas aparentes, com gárgulas também não era algo eminentemente miseano. Naquela época identificava-se mais com Richard Neutra e Frank Lloyd Wright, que acredita estar mais presente na secretaria do que Mies. Em qualquer hipótese, está o desejo veemente pelo público e coletivo, a razão como determinantes da composição e a arquitetura moderna como produto do ofício. Concepção, em essência, mais voltada à natureza e conteúdo construtivo, onde o concreto era a pedra chave, do que à imagem formal, nestes casos, consequente. Em administrações públicas posteriores, nos anos 1990, apesar do protesto formal dos autores, foram trocadas as esquadrias pivotantes de ferro originais, por basculantes de alumínio, fora da modulação e a base do edifício cercada por grade metálica com moirões de concreto.
A arquitetura ainda resiste.
notas
1
Ficha técnica do projeto: Secretaria Municipal de Obras e Viação – SMOV, Avenida Borges de Medeiros 2244, Praia de Belas, 90110-150 Porto Alegre RS. Projeto arquitetônico de 1966, desenvolvido dentro da divisão de Urbanismo da Secretaria de Obras e Viação. Autoria dos arquitetos Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva. Construção e projetos complementares mediante concorrência da Construtora Christiane Nielensen. Fiscalização da execução pelo arquiteto Oscar Trindade (SMOV). Promoção da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Divisão de Urbanismo da SMOV. Secretário responsável Moses Ribeiro do Carmo e, posteriormente, arquiteto Plinio Almeida. Prefeito engenheiro Telmo Thompson Flores.
2
O requerimento elaborado pelos arquitetos Helton E. Bello e Sérgio M. Marques – com instrução de tombamento do edifício sede da Secretaria Municipal de Obras e Viação, de autoria de Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva – é base para campanha pública de preservação do edifício a ser desenvolvida em 2019
3
Sobre o Palácio da Justiça de Porto Alegre, ver no portal Vitruvius: MARQUES, Sergio Moacir. Carlos Maximiliano Fayet. Arquitetura moderna brasileira no Sul. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 105.03, Vitruvius, fev. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.105/74>; CORONA, Marilice. Em defesa de uma ausência. Drops, São Paulo, ano 06, n. 015.04, Vitruvius, jun. 2006 www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/06.015/1686>.
4
Sobre os planos urbanísticos no século 20 para Porto Alegre, ver: MARQUES, Sérgio Moacir. Cidade moderna, cidade mutante. Praia de Belas, 1752-2016. Minha Cidade, São Paulo, ano 12, n. 134.03, Vitruvius, set. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.134/3955>.
5
Sobre projetos para Petrobras, ver: COMAS, Carlos Eduardo Dias. Arquitetura gaúcha: história de família, história de uma escola. Resenhas Online, São Paulo, ano 16, n. 176.04, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/16.176/6148>.
sobre o autor
Sérgio Moacir Marques é arquiteto e urbanista, doutor em Arquitetura (Propar UFRGS – Etsab UPC), professor na FA UFRGS. É autor do livro FAM – Fayet, Araújo & Moojen – arquitetura moderna brasileira no sul – 1950/1970. Porto Alegre, ADFAUPA, 2016.