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português
O estudo objetiva a discussão da saúde urbana: a influência do espaço urbano no bem estar humano. Apresenta metodologia utilizada em estudo com estratégias e diretrizes para atingir uma cidade saudável com aplicação em território da cidade do Recife.
BARRETTO, Natália Carneiro Leão Rego; CÂMARA, Andrea Dornelas. Saúde urbana em frentes d’água. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 221.03, Vitruvius, dez. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.221/7205>.
Este artigo foi elaborado a partir do estudo que investigou as relações entre a qualidade do espaço urbano e a saúde pública, ou seja, como o espaço urbano pode influenciar a nossa saúde (física e mental). O estudo desenvolveu-se a partir do entendimento da potencialidade de espaços públicos em frentes d’água e como estes podem ser oportunos para o aumento dos índices positivos de saúde pública. Como parte do desenvolvimento, além da revisão bibliográfica do tema da saúde urbana, foi realizado o diagnóstico urbano dos espaços públicos presentes na frente d’água do rio Capibaribe no Centro Expandido Continental da cidade do Recife. Através da metodologia que aqui será apresentada, o resultado reuniu uma proposta de diretrizes e estratégias urbanísticas para a melhoria destes espaços.
A saúde urbana diz respeito à saúde de uma população urbana e aos impactos que o ambiente construído causam, podendo incluir fatores como a poluição do ar, infraestrutura urbana, falta de bons espaços públicos para a prática de diferentes atividades, entre outros. Tais fatores contribuem para o aumento de taxas de mortalidade por doenças não transmissíveis, ou seja, doenças cardíacas e respiratórias, câncer, diabetes, doenças mentais, infecções, e outras. Saúde urbana trata-se de um conceito amplo, que vai além de estratégias urbanísticas, chegando nos campos políticos, médicos, econômicos e sociais. Neste trabalho, foi atrelada às questões urbanísticas, ou seja, como o espaço urbano pode estar contribuindo para a falta da saúde pública e como o mesmo pode diminuir os níveis de estresse e de doenças crônicas e aumentar o bem-estar da população.
O entendimento de que os espaços urbanos afetam os níveis da saúde pública é uma prioridade mundialmente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde – OMS (1). Diante dessa problemática, a disciplina do urbanismo interage com a saúde pública em várias escalas, desde o planejamento e desenho urbano à usabilidade do espaço, ratificando a importância deste estudo. Ao associar urbanismo com saúde, Henri Lefebvre assume que “o urbanismo saberia discernir os espaços doentes dos espaços ligados à saúde mental e social, geradores dessa saúde. Médico do espaço, ele teria a capacidade de conceber um espaço harmonioso, normal e normalizante” (2).
Em constante mudança e desenvolvimento, as cidades promovem interações, proporcionam memórias, incentivam atividades, articulam caminhos e provocam reações ao ambiente construído. O espaço urbano de uma cidade pode ser hostil, causar estresse e desconforto, mas também pode ser seguro, agradável e proporcionar uma boa qualidade de vida para seus habitantes. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas – ONU, 54% da população mundial vive em áreas urbanas e uma das pautas mais atuais e representativas para urbanistas do mundo todo é a questão da densidade populacional e habitacional nas grandes cidades e o que estas representam para a qualidade do espaço urbano (3).
Essa temática é um desafio que percorre a história e a evolução das cidades no mundo inteiro. Antes mesmo de 1800 o assunto da saúde em áreas urbanas já era conhecido devido à grandes acontecimentos, como por exemplo, o grande incêndio de Londres, ocorrido em consequência das condições precárias que encontrava-se a cidade. Entretanto, foi a partir do crescimento da população urbana, na era industrial, que a questão passou a ser mais emergente. A partir daí, diversos planos urbanísticos foram elaborados em busca de cidades melhores. Dentre eles, o Plano de Haussmann em Paris, que teve como objetivo principal a melhoria da circulação no tecido urbano e a adaptação da cidade aos conceitos higienistas. Atrelado à questão da rápida urbanização das cidades, está o aumento de mortes provocadas pelas doenças não transmissíveis, estimuladas principalmente pelo estilo de vida do indivíduo, que relaciona-se com a qualidade dos espaços urbanos, já que estes possuem capacidade de promover práticas saudáveis.
Três dimensões da saúde no espaço urbano são abordadas pelo estudo de Andrea Abraham, Kathrin Sommerhalder e Thomas Abel: o bem-estar físico, o bem-estar social e o bem-estar mental (4). Os autores mostram como cada um destes podem ser promovidos através da construção da paisagem e de bons espaços públicos. O bem-estar físico é associado ao incentivo às atividades físicas; calçadas acessíveis, espaços recreativos e esportivos, implantação de ciclovias, conectividade das vias e fachadas ativas promovem uma melhor qualidade da caminhabilidade e de mobilidade nos espaços urbanos, incentivando assim, um deslocamento e uso do espaço mais saudável. Para o bem-estar social, o espaço urbano cumpre a função de estruturador de relações, da interação social entre os habitantes. Espaços públicos abertos como parques por exemplo, promovem contato social, troca de experiências, construção de senso de lugar e níveis de segurança para a área. Ao bem-estar mental, estão associadas as experiências promovidas pela paisagem natural e pelos espaços verdes, os quais, segundo Rachel Kaplan e Stephen Kaplan, agem como restauradores da atenção cognitiva, estabelecendo poderes restaurativos para a mente, atraindo a atenção das pessoas sem causar exaustão (5).
Estas questões precisam ser foco de discussões e fazer parte do planejamento dos espaços urbanos. Segundo Patrícia Menezes e Ana Rita de Sá Carneiro, “Os rios integram uma paisagem de elementos naturais e também culturais que tem servido de referência para o homem ao longo de toda sua existência” (6). Este elemento vêm sendo pauta de discussão em várias cidades do mundo, que começaram a perceber que, como elementos naturais e culturais, os rios fazem parte da evolução histórica e geográfica das cidades e por isso devem ser mantidos ativos. Este é o caso da cidade do Recife, banhada por rios que obtiveram papel de importância para a evolução da malha urbana e para a construção da cultura recifense. Entretanto, em seu processo de urbanização, a cidade passou a negligenciar este elemento natural que atualmente tornou-se grande proliferador de doenças, fator que inibe seu potencial. Segundo Menezes e Carneiro (6), um dos grandes problemas ambientais que a cidade enfrenta é o despejo de lixo e esgoto e a ocupação irregular nas margens dos rios e canais, que desvaloriza esses elementos da morfologia da paisagem do Recife.
Além do potencial atrativo, as frentes d’água podem ser grandes articuladoras de atividades e espaços na cidade. A Project for Public Spaces (7) afirma que é perigoso privatizar tais áreas com apenas um tipo de atividade, seja ela comercial ou habitacional. Algumas cidades limitam estas áreas com usos não atrativos e muitas reservam o espaço de frente d’água para estacionamentos de automóveis. Esse tipo de prática, quando dominante, degrada a longo prazo o potencial que a frente d’água pode proporcionar.
Para obter-se cidades saudáveis, devem haver estratégias urbanas comprometidas com a saúde pública e uma estrutura configurada para atingi-las. Primeiramente, a cidade deve ser estudada, diagnosticada quanto seus índices de saúde e quanto a sua infraestrutura urbana.
Neste trabalho, tomou-se como estudo de caso, um território da cidade do Recife, que está diretamente ligado à discussão sobre a importância de espaços públicos com elementos naturais na cidade, já que estes ajudam a potencializar a saúde urbana. Por estar inserido em uma região bastante participativa na história e na evolução urbana da cidade, por abrigar importantes praças e edificações, por catalisar um grande número de pessoas diariamente, o centro do Recife torna-se uma área de relevância. A frente d’água do Centro Expandido Continental do Recife margeia os bairros da Ilha do Leite, Coelhos, Boa Vista e Santo Amaro. Ainda que tenha passado por algumas transformações ao longo do tempo, a margem do rio Capibaribe apresenta mau estado de conservação, com insuficiente iluminação noturna, guarda-corpos deteriorados, precariedades em áreas de lazer, falta de áreas com foco na prática de atividades físicas, entre outros. Porém, mesmo com a falta de infraestrutura, a frente d’água mantém-se ativa, graças à grandes equipamentos e algumas habitações existentes ao longo da margem.
O objetivo da metodologia aqui apresentada, é ser aplicada em diferentes porções e territórios de cidades distintas, quer já possuam, ou não, a presença de elementos naturais. Os diagnósticos urbanos devem levar em consideração os aspectos históricos e atuais, as características marcantes e os problemas e necessidades encontradas nos espaços públicos. Dessa forma, o diagnóstico mostrará de forma eficaz, a realidade de um território que poderá apresentar diferentes perfis ao longo de sua extensão, bem como foi o caso apreendido na área estudada. A elaboração de mapas, registros fotográficos, levantamentos in loco e questionários com os usuários dos espaços, fizeram parte da análise. A relação dos tipos de usos existentes na área, as edificações preservadas, a conectividade e integração da malha urbana e a densidade construtiva foram alguns dos dados levantados.
De acordo com Jan Gehl e Birgitte Svarre, são vários os métodos e ferramentas que podem ser utilizados para diagnósticos de espaços públicos, e é necessário saber quais análises devem ser feitas para cada espaço, e, além das ferramentas, devem ser determinadas as condições e parâmetros a serem avaliados (8). Ou seja, o diagnóstico deve ser realizado levando em consideração seu objetivo e a dimensão do território.
Com foco nos conceitos da saúde urbana primeiramente estudados, no entendimento do que torna uma cidade saudável e na realização do diagnóstico, foram elaboradas as estratégias e diretrizes para a melhoria da frente d’água. As estratégias visam o incentivo de atividades físicas, a promoção de atividades de lazer, juntamente com melhorias no espaço público viário, o aumento de áreas verdes e a interação dos usuários com todos esses elementos, incluindo o rio. De modo geral, uma cidade saudável comporta espaços urbanos de qualidade, com foco nas três dimensões do bem estar (físico, mental e social). Com base nestas três dimensões, foram elaboradas para cada uma delas, ambições e estratégias de melhoria. As primeiras, estão relacionadas aos desejos da população quanto ao que pensam sobre espaços públicos saudáveis (aferidas na etapa de diagnóstico). As segundas, direcionam as ambições através do desenho urbano. Por exemplo: ao bem estar físico, tem-se como uma das ambições o incentivo à práticas de atividades esportivas. Para isso, tem-se como estratégia a implementação de rotas verdes com percursos dinâmicos ao longo da margem de rio e ainda a inserção de quadras esportivas e locais definidos para este fim.
As ambições e estratégias traçadas para a concepção de um espaço urbano saudável não podem ser consideradas como diretrizes individuais e distintas, mas sim como diretrizes universais que juntas, promoverão as mudanças necessárias para melhorar a qualidade de vida nas cidades. Em suma, cada ambição complementa a outra, e cada estratégia deve ser feita em conjunto com as demais.
A temática da saúde urbana será cada vez mais emergente, uma vez que a população urbana cresce e as cidades demandam de uma infraestrutura capaz de promover um estilo de vida saudável. A abordagem aqui apresentada não se resume ao território estudado, mas serve para qualquer cidade e território que já possua em sua malha urbana áreas com potenciais, sejam eles advindos do contato com a natureza ou da localização histórica por exemplo. São diversos os benefícios que as estratégias focadas na saúde urbana podem trazer para o planejamento das cidades. Além do incentivo à uma população mais saudável, há também os benefícios sociais, econômicos, políticos, ambientais e culturais. Faz-se necessário que as novas políticas urbanas, os novos planos e projetos priorizem a qualidade do espaço público, para que as cidades possam colaborar com um estilo de vida mais adequado, sustentável e contemporâneo onde a vida urbana é mais ativa, confortável, segura e mais saudável.
notas
1
RYDIN, Yvonne; et al. Shaping cities for health: complexity and the planning of urban environments in the 21st century. Lancet, 2012. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3428861> Acesso em: 20 ago. 2017.
2
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5a edição. São Paulo, Centauro, 2001, p. 49.
3
UN HABITAT. Urbanization and development – emerging futures. World Cities Report 2016. Nairobi, United Nations Human Settlements Programme, 2016.Disponível em: <http://wcr.unhabitat.org/wp-content/uploads/sites/16/2016/05/WCR-%20Full-Report-2016.pdf>.
4
ABRAHAM, Andrea; SOMMERHALDER, Kathrin; ABEL, Thomas. Landscape and well-being: a scoping study on the health promoting impact on outdoor environments. Internacional Journal of Public Health, vol. 55, n. 1, set. 2009, p. 59-69. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/26825808Landscapeandwell-beingAscopingstudyonthehealth-promotingimpactofoutdoorenvironments>.
5
KAPLAN, Rachel; KAPLAN Stephen. The experience of nature: a psychological perspective. Cambridge, Cambridge University Press, 1989. Disponível em: <http://willsull.net/resources/270-Readings/ExpNature1to5.pdf> Acesso em: 17 out. 2017.
6
MENEZES, Patrícia C.; CARNEIRO, Ana Rita de Sá. Uma compreensão sistémica da paisagem do Recife: ordenamento da paisagem através dos corpos de água. Anais do 3o Colóquio Ibero-Americano: paisagem cultural, patrimônio e projeto. Belo Horizonte, 2014, p. 2. Disponível em: <www.forumpatrimonio.com.br/paisagem2014/artigos/pdf/284.pdf>. Acesso em: 12 set. 2017.
7
PROJECT FOR PUBLIC SPACES. The Global Waterfront Renaissance, 31 julho, 2008. Disponível em: <https://www.pps.org/article/theglobalwaterfrontrenaissance>.
8
GEHL, Jan; SVARRE, Birgitte. How to Study Public Life. Washington, Islandic Press, 2013.
sobre as autoras
Natália Carneiro Leão Rego Barretto é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (2018).
Andréa do Nascimento Dornelas Camera é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco, doutora em ordenamento territorial pela Universidade Politécnica da Catalunha. Professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Católica de Pernambuco, onde também desenvolve pesquisas sobre a cidade e faz parte do laboratório Humanicidades.