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As enchentes constantes em São Paulo são resultados do desastroso modelo de seu desenvolvimento urbano, onde se observa a prioridade para o automóvel, por loteamentos e condomínios, estratégias que impermeabilizam o solo urbano.
BONDUKI, Nabil. Sem planejamento, as catástrofes se repetirão. Sobre as enchentes em São Paulo. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 224.04, Vitruvius, mar. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.224/7293>.
As chocantes imagens de segunda-feira, 11 de março, expuseram o desastre da urbanização de São Paulo e abrem uma oportunidade para debater a necessidade de mudança do modelo de desenvolvimento urbano insustentável do século 20.
A Folha mostrou que nos últimos três anos das gestões municipal e estadual foram executados 41% do orçamento previsto para o combate às enchentes. Isso é grave, mas é apenas uma pequena parte do problema.
Construir mais piscinões é necessário frente aos equívocos do passado, mas, se não for alterada a lógica da urbanização, as enchentes se repetirão, pois o problema é estrutural e exige mudanças mais profundas.
São Paulo cresceu sem respeitar o meio físico. O solo foi excessivamente impermeabilizado e áreas verdes, destruídas. A arborização urbana foi negligenciada em meio a ruas estreitas e repletas de fiação aérea.
As faixas de 30 metros ao longo de córregos e rios, que deveriam ser preservadas, foram ocupadas por avenidas, na lógica da prioridade para o automóvel, por loteamentos e condomínios, na lógica imobiliária, e por favelas, inevitáveis frente ao pequeno número de moradias produzidas para os mais pobres.
Assentamentos precários junto aos córregos ou em encostas íngremes tornam-se áreas de risco, onde 6 dos 13 mortos foram soterrados em desabamentos. Os outros se afogaram, tragados pela correnteza em áreas que nunca deveriam ter sido urbanizados.
A drenagem é insuficiente para absorver os altos índices pluviométricos, agravada pela impermeabilização do solo e falta de arborização, que ampliam e aceleram a chegada da água nos fundos de vale.
Causa espanto a afirmação de que choveu mais do que se esperava. É normal, periodicamente, ocorrerem picos de alta precipitação. E as águas de março são tão comuns que foram eternizadas pela voz de Elis Regina. As mudanças climáticas e a expansão urbana da macrometrópole, que amplia a ilha de calor da região metropolitana, tornam as tempestades mais fortes.
Enfrentar o problema de modo sustentável e permanente requer mudanças estruturais no modelo de desenvolvimento urbano, implementando medidas previstas no Plano Diretor de São Paulo, a saber:
1. ampliar a permeabilidade do solo e do subsolo, implementando a cota ambiental, implantando parques e ampliando a arborização urbana, com adequado manejo;
2. implantar tanques de retenção nos lotes, para retardar a chegada das água ao sistema de drenagem, solução mais sustentável do que os custosos piscinões;
3. conter a expansão horizontal da área urbanizada, fortalecendo a zona rural, já adotada em São Paulo e que precisa ser estendida para toda a região metropolitana;
4. produzir moradias em escala, para remanejar os moradores em áreas de risco e em fundo de vale, retomando os investimentos subsidiados do Estado e da União para atender a baixa renda;
5. reduzir a geração de resíduos sólidos e melhorar a manutenção e limpeza das ruas, para evitar o acúmulo de lixo que reduz a vazão do sistema de drenagem e gera assoreamento de córregos;
6. criar um sistema de alerta em áreas de risco para situações de emergência.
A tragédia deve servir de alerta para que a opinião pública se conscientize de que o planejamento urbano é indispensável e que apenas medidas estruturais podem garantir resultados permanentes e sustentáveis para a segurança dos cidadãos.
nota
NE – publicação original: BONDUKI, Nabil. Sem planejamento, as catástrofes se repetirão. Folha de S. Paulo, 13 mar. 2019 <https://bit.ly/2EZoHav>.
sobre o autor
Nabil Bondunki, arquiteto, mestre, doutor e livre docente pela FAU USP, onde é professor titular de Planejamento Urbano. Foi Superintendente de Habitação Popular (1989-1992), vereador (2001-2004; 2013-2016), relator do Plano Diretor (2002 e 2014), secretário de Cultura da cidade de São Paulo (2015-2016). Foi Secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (2011-2012). Fulbright Visiting Scholar na Universidade da Califórnia, Berkeley.