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my city ISSN 1982-9922

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Mudanças recentes no uso do Bilhete Único no sistema de transporte público de São Paulo são altamente danosas para as camadas mais baixas da população, que são obrigadas a permanecer por horas dentro de ônibus e ainda pagar mais caro pelo transporte.

how to quote

GUERRA, Abilio. Do Bilhete Único. Crônicas de andarilho 26. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 224.01, Vitruvius, mar. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.224/7285>.


Carregador de créditos em Bilhete Único situado dentro dos coletivos
Foto Abilio Guerra


Quando se coloca a questão de mobilidade urbana é necessário começar o raciocínio com uma premissa: quem decide onde será instalada a infraestrutura de transporte público é – ao menos até esse momento – o poder público. Uma decisão desse tipo é sempre “política” – estamos falando em beneficiar determinados contingentes em detrimento de outros –, mas quase sempre são “vendidas” à sociedade civil como decisões “técnicas”. Raramente se ouve a comunidade ou os grupos mais carentes do serviço. São decisões autocráticas, não raro autoritárias, muitas vezes com suspeitas de corrupção (qual teria sido o motivo – na já longínqua década de 1970 – da linha azul de metrô em São Paulo ter seu ramal sul desviado do Largo 13, com dezenas de indústrias nas imediações, para o desértico bairro do Jabaquara, coincidentemente terra de oportunidades?).

Em uma sociedade atravessada de cabo a rabo pela desigualdade, quando nas mãos de gente traiçoeira o poder pode ser exercido de forma tirânica e alcançar a inumanidade, esfacelando eventuais melhorias conseguidas às duras penas, como podemos verificar em sintético histórico da situação na cidade de São Paulo.

Até os anos 1970, a situação do morador da periferia da grande metrópole paulista era dramática, pois sua condição econômica já o obrigava a morar depois de onde Judas perdeu as botas e a ficar horas a fio ruminando dentro de um coletivo precário.

Com a modernização e melhoria do sistema ao longo do tempo – metrô, corredores de ônibus, bilhetes integrados etc. – um tiquinho de seu sofrimento foi mitigado. Mas para parte grande deles uma injustiça sempre existiu, mesmo com o advento do bilhete de interligação metrô-ônibus nos anos 1970, pois já naquela ocasião era necessário um complemento, aumentando o valor dispendido com passagens. A conquista social do bilhete único melhorou muito a situação, mas quem usa metrô e ônibus continua a pagar mais caro comparado a quem usa exclusivamente ônibus ou metrô, ambos beneficiados por uso sequencial não tarifado.

Do ponto de vista econômico há argumentos razoáveis – são empresas diferentes, vinculadas a esferas distintas do poder público. Mas, do ponto de vista do cidadão, dos direitos democráticos de igualdade, trata-se de um absurdo enorme. Não foi ele quem decidiu que o Estado faria metrô (na fundação da empresa, a municipalidade detinha a maioria acionária da empresa) e a Prefeitura se ocuparia dos ônibus. Não foi ele quem decidiu onde estariam as linhas do metroviário, muito menos os corredores exclusivos de ônibus.

O azarado, que não foi sorteado com uma estação de metrô ou corredor de ônibus nas proximidades de sua casa e um emprego bacana no outro lado da linha, se vê diante de duplo infortúnio: horas a mais no transporte e valor maior a ser sacado de sua carteira. Em suma, a perversidade de nosso sistema econômico coloca grande parte da população morando em péssimas condições de habitabilidade em locais remotos, as obriga a horas perdidas em sistema de transporte e ainda cobra a mais a passagem de parcela desse contingente.

No início deste ano resolveram colocar nome e fotografia no Bilhete Único para combater a fraude – talvez até seja verdade –, mas fazer com celeridade, sem a SPTrans estar preparada, gerou filas quilométricas nos raros postos de atendimento na cidade. A aglomeração é decorrente, segundo os responsáveis, pelo não uso do serviço na internet por parte da maioria, ou seja, novamente a culpa é dos incompetentes, que não têm computador ou não sabem usá-lo.

Duas novidades divulgadas nesta semana pioraram ainda mais a situação. A primeira delas é que os créditos inseridos no cartão de Bilhete Único passam a ter validade máxima de um ano; como se trata de adiantamento de receita – o usuário paga antes de usar o serviço, portanto o dinheiro pode ser aplicado das mais variadas maneiras, inclusive no mercado financeiro –, temos uma situação indefensável, provavelmente inconstitucional (eu me recordo de ter encontrado nos anos 1990 um bilhete de metrô em uma gaveta pelo menos dez anos depois de adquiri-lo; enfiei na catraca e funcionou perfeitamente, como se espera nestas situações). A segunda novidade é que a partir de amanhã, sábado, o passageiro terá direito a dois embarques em ônibus no período de três horas pagando uma única tarifa, quando até hoje o mesmo passageiro podia embarcar em até quatro ônibus no período de duas horas (parece pouco tempo, mas o usuário experiente passa na catraca no final da primeira viagem e logo no embarque da última, possibilitando o uso do sistema por até três ou mais horas).

Ou seja, temos um ônibus muito mais caro do que o metrô para quem é obrigado a usar três ou quatro embarques para chegar no trabalho ou voltar para casa, pois as conexões subterrâneas gratuitas continuam permitidas, enquanto as no chão de asfalto se reduziram a duas (sem nos esquecermos que as tarifas atuais de metrô e ônibus são, respectivamente, R$ 4,00 e R$ 4,30).

Quando governantes à direita estão no poder os problemas relativos ao transporte público ficam mais agudos, pois na equação de múltiplos fatores o passageiro se torna uma abstração, dentro de um coletivo nomeado “carregamento”. Seu conforto e seu bem-estar estão abstraídos (ao contrário do seu bolso e de sua carteira, devidamente rapinados). No caso específico de São Paulo, coibir, dificultar e encarecer o uso do ônibus para os mais necessitados – ou alguém acha que as camadas médias e altas da sociedade vão perder horas de sua vida apinhados em ônibus? –  em um momento de crise econômica grave, quando legiões de desempregados precisam correr de um lado para outro atrás de colocação, é um crime hediondo.

Mesmo sabendo ser palavras ao vento, afirmo que a integração total dos meios de transporte coletivo é um direito dos cidadãos e uma obrigação do poder público.

[01 de março de 2019]

notas

NA – Vigésima sexta publicação da série “Crônicas de andarilho”, com textos originalmente publicados no Facebook. Artigos da série:

GUERRA, Abilio. Cinco cenas paulistanas. Crônicas de andarilho 1. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 179.01, Vitruvius, jun. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.179/5561>.

GUERRA, Abilio. Dez cenas paulistanas. Crônicas de andarilho 2. Minha Cidade, São Paulo, ano 15, n. 180.02, Vitruvius, jul. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.180/5595>.

GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: a velocidade nas marginais e outros assuntos. Crônicas de andarilho 3. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 181.03, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.181/5637>.

GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: caipirice, regionalismo, erudição, cidadania, obra pública e mobiliário urbano. Crônicas de andarilho 4. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 183.01, Vitruvius, out. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.183/5735>.

GUERRA, Abilio. Dez cenas paulistanas: bicicletas, escadarias, caminhadas, rios ocultos, escolas, resiliência, diálogo. Crônicas de andarilho 5. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 185.02, Vitruvius, dez. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.185/5830>.

GUERRA, Abilio. Sete cenas paulistanas: lixo, lixeiros, orelhão, quadro com vidro trincado, estátuas urbanas, praia de asfalto e Mario de Andrade. Crônicas de andarilho 6. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 187.03, Vitruvius, fev. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.187/5932>.

GUERRA, Abilio. Memórias do futuro: sobre a recusa de se ver o óbvio. Crônicas de andarilho 7. Drops, São Paulo, ano 17, n. 103.02, Vitruvius, abr. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.103/5982>.

GUERRA, Abilio. Oito cenas paulistanas: política, política cultural e urbanidade. Crônicas de andarilho 8. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 191.03, Vitruvius, jun. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.191/6050>.

GUERRA, Abilio. Do nome das coisas: qual o motivo para mudar o nome do Elevado Costa e Silva? Crônicas de andarilho 9. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 193.06, Vitruvius, ago. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.193/6167>.

GUERRA, Abilio. Do vizinho: como Jacques Tati e Michel Foucault podem explicar a boçalidade do novo-riquismo. Crônicas de andarilho 10. Drops, São Paulo, ano 17, n. 112.06, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.112/6383>.

GUERRA, Abilio. Do higienismo: sobre as práticas urbanísticas do século 19 em pleno século 21. Crônicas de andarilho 11. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 198.04, Vitruvius, jan. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.198/6385>.

GUERRA, Abilio. Do gênero na fala popular. Crônicas de andarilho 12. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 122.05, Vitruvius, maio 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.122/6540>.

GUERRA, Abilio. Do táxi. Crônicas de andarilho 13. Minha Cidade, São Paulo, ano 17, n. 202.05, Vitruvius, maio 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/17.202/6541>.

GUERRA, Abilio. Três crônicas sobre a arte e a vida. Crônicas de andarilho 14. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 206.05, Vitruvius, set. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.206/6712>.

GUERRA, Abilio. Do sadomasoquismo. Crônicas de andarilho 15. Drops, São Paulo, ano 18, n. 124.01, Vitruvius, jan. 2018 < www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.124/6820>.

GUERRA, Abilio. Do cordão de isolamento: ano novo, realidade arcaica. Crônicas de andarilho 16. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 129.06, Vitruvius, dez. 2017 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.129/6822>.

GUERRA, Abilio. Do choro – entre lágrimas e música. Crônicas de andarilho 17. Minha Cidade, São Paulo, ano 18, n. 212.04, Vitruvius, mar. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/18.212/6923>.

GUERRA, Abilio. Da cavalaria de hoje e de antigamente. Crônicas de andarilho 18. Drops, São Paulo, ano 18, n. 126.06, Vitruvius, mar. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.126/6926>.

GUERRA, Abilio. Da inveja infame: a trajetória histórica de Lula e a viagem pela metrópole de um casal qualquer. Crônicas de andarilho 19. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 133.03, Vitruvius, abr. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.133/6953>.

GUERRA, Abilio. Do andaime. Crônicas de andarilho 20. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 134.04, Vitruvius, maio 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.134/6984>.

GUERRA, Abilio. Da dobradura. Crônicas de andarilho 21. Drops, São Paulo, ano 18, n. 129.05, Vitruvius, jun. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/18.129/7033>.

GUERRA, Abilio. Das estradas da vida. Crônicas de andarilho 22. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 136.05, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.136/7049>.

GUERRA, Abilio. Da ilha longínqua. Crônicas de andarilho 23. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 137.05, Vitruvius, ago. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.137/7079>.

GUERRA, Abilio. Dos sem teto. Crônicas de andarilho 24. Drops, São Paulo, ano 19, n. 134.02, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.134/7164>.

GUERRA, Abilio. Da casa prototípica. Crônicas de andarilho 25. Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 140.05, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.140/7165>.

GUERRA, Abilio. Do Bilhete Único. Crônicas de andarilho 26. Minha Cidade, São Paulo, ano 19, n. 224.01, Vitruvius, mar. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/19.224/7285>.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

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