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Nabil Bonduki, arquiteto e professor da FAU USP, alerta que ao reduzir a frota de ônibus em São Paulo, a Prefeitura de São Paulo prioriza os interesses econômicos dos donos das empresas em detrimento dos riscos à saúde de funcionários e passageiros.
BONDUKI, Nabil. Redução da frota de ônibus na capital paulista. Prefeitura agrava o risco de contaminação durante a semana crítica da pandemia. Minha Cidade, São Paulo, ano 20, n. 237.01, Vitruvius, abr. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/20.237/7697>.
Só quem desconhece que a Covid-19 se transmite pelo contato humano e também desconhece a superlotação do transporte coletivo, sobretudo nos horários de picos e nas linhas que atendem as periferias, pode ter tido a infeliz ideia (para não falar, a criminosa) de reduzir as frotas de ônibus, como foi feito em várias cidades brasileiras. Ou quem só enxerga cifrões!
Em São Paulo, na semana crítica para estancar a transmissão do coronavírus, a SPTrans reduziu a frota em circulação em 60%. O equívoco gerou veículos superlotados e filas, aglomeração e longas esperas nos terminais e nos pontos de ônibus. A mesma prefeitura que, na saúde, não tem medido esforços e recursos para atenuar os efeitos da pandemia, criou as melhores condições de propagação da Covid-19 em direção à periferia, onde seus efeitos serão contundentes.
A gestão Bruno Covas levou quatro dias para perceber o erro e apenas na sexta-feira, dia 3 de abril, elevou para 44% a quantidade de ônibus em circulação, aumento ainda insuficiente. Promete um pouco mais para essa segunda, 6 de abril, mas o estrago já foi feito: por vários dias, ônibus superlotados e aglomerações em terminais se transformaram ambientes propícios para a contaminação.
É certo que ocorreu uma forte queda no número de passageiros nas últimas semanas. Levantamento do Google mostrou uma queda de 62%, em média, no uso do transporte público no país. O aplicativo de mobilidade urbana Moovit, que monitora o impacto do coronavírus no transporte nas principais cidades do mundo, revela uma redução média de 63% no transporte coletivo das dez maiores cidades brasileiras. São Paulo e Rio de Janeiro, onde os casos confirmados de coronavírus são os maiores do país, tiveram redução de 63% e 59%, respectivamente.
Ônibus em São Paulo ficam sem álcool e higienização
Os dados da prefeitura de São Paulo apontam para uma queda de 73% no uso dos ônibus. Mas não é porque a demanda caiu que a frota deve ser reduzida. Pelo contrário, as recomendações sanitárias exigem uma significativa redução do número de passageiro por veículo e da aglomeração nos terminais e não a redução da frota, que mantém a lotação e aumenta o intervalo entre os veículos numa mesma linha.
O regime de isolamento social em vigor recomenda que se “fique em casa”, mas autoriza o funcionamento de vários setores essenciais: hospitais, centros de saúde, supermercados, feiras livres, farmácia, correios, policia, serviços de limpeza, postos de gasolina, entre outros serviços.
Os trabalhadores desses setores e os que dele se servem precisam usar o transporte público, convivendo com os funcionários dos serviços de saúde, mais expostos à Covid-19. Não só médicos e enfermeiras, face mais visível dos hospitais, mas também atendentes, faxineiras, cozinheiras, funcionários de manutenção e almoxarifado etc. Como qualquer pessoa infectada pode, durante 14 dias, transmitir o vírus sem apresentar sintomas, o risco de transmissão no transporte lotado é enorme. Nesse aspecto, se verifica mais um corte de caráter social: são os mais pobres, que não tem carro, que ficam mais sujeitos à contaminação.
Em São Paulo, em períodos normais, são geradas 17,1 milhões de viagens do transporte coletivo por dia (8,3 milhões sobre trilhos e 8,8 milhões em ônibus). Mesmo com a redução de 63% (estimado pelo Moovit), nada menos que 6,3 milhões de viagens estão sendo realizadas por dia no transporte coletivo. De acordo com a redução estimada pela prefeitura (73%), estão sendo feitas 2,5 milhões de viagens de ônibus por dia. É muita gente circulando, e com elas, a Covid-19!
Em períodos normais, nos horários de pico e nas linhas periféricas, tanto o sistema de ônibus como o de trens e metrô apresentam altíssima lotação, chegando a inacreditáveis 8,1 passageiros por m2– índice auferido na Linha 11 da CPTM. São Paulo tem três das dez linhas sobre trilhos mais lotadas de transporte público do mundo, segundo o ranking do Google Maps.
Segundo dados de SPTrans, as principais reclamações feitas pelos 19,9 mil usuários, em 2019, são o tempo de espera excessivo, superlotação e desrespeito às paradas. Todos esses problemas são decorrentes do número reduzido de ônibus circulando nas linhas.
O controle de transmissão da Covid-19 recomenda uma forte redução do número de passageiros por veículo, sobretudo nas linhas mais lotadas, para garantir o distanciamento entre os usuários. Por outro lado, o tempo de intervalo entre os veículos de uma mesma linha precisa ser mantido mesmo com poucos passageiros, porque esse é um requisito básico de um serviço público.
A redução da frota atende apenas aos interesses econômicos das empresas concessionárias, sobretudo nas cidades onde o custo do sistema é inteiramente coberto pela tarifa, e dos governos, nos locais onde o custo do sistema é parcialmente coberto por subsídio público, caso de São Paulo.
A redução da frota atende apenas aos interesses econômicos das empresas concessionárias, sobretudo nas cidades onde o custo do sistema é inteiramente coberto pela tarifa, e dos governos, nos locais onde o custo do sistema é parcialmente coberto por subsídio público, caso de São Paulo.
Como em vários outros setores, os aspectos econômicos não podem prevalecer sobre a vida. As próximas semanas serão de transmissão descontrolada, como alertou o Ministério da Saúde. Ao conectar pessoas e regiões contaminadas com outras que ainda não tiveram contato com a doença, o transporte público pode se tornar um perigoso agente de transmissão do coronavírus. Descuidar nesse aspecto, pode ser fatal.
nota
Publicação original do artigo: BONDUKI, Nabil. Reduzindo a frota de ônibus, prefeitura agravou o risco de contaminação durante a semana crítica da pandemia. Folha de S.Paulo, São Paulo, 09 mar. 2020 <https://bit.ly/2Xfi6U8>.
sobre o autor
Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP.