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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
A pandemia evidenciou a centralidade do trabalho na organização das cidades. Pensar sobre as relações entre os trabalhadores e crianças é fundamental para construir cidades mais saudáveis.

how to quote

FUSCO, Regina Izzo; COELHO, Elis Maria Sanchez. Cidade, trabalhadores e infâncias. Grupo Amora. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 263.03, Vitruvius, jun. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/22.263/8501>.


Folhas coletadas na rua por crianças de sete anos, Vila Suzana, São Paulo SP
Foto Elis Coelho, jun. 2021


A pandemia evidenciou a centralidade do trabalho na vida contemporânea e na organização das cidades. Os movimentos e relações cotidianas foram planejados em torno desse tema: quem são os trabalhadores e trabalhadoras de atividades essenciais que seguirão circulando pela cidade? Qual a distância percorrida entre casa e local de trabalho? E em quais meios de transporte são feitos os deslocamentos?

As recomendações de evitar circulação desnecessária fez com que a sociedade refletisse sobre o que de nossos ofícios é possível ser realizado em home office, reduzindo o trabalho vivo e ampliando o uso das tecnologias como ferramenta de trabalho, o que consequentemente contribui com a desumanização das relações cotidianas. Muitas pessoas passaram a viver sem as trocas de olhares com os colegas de profissão, a imprevisibilidade proporcionada pelo encontro com desconhecidos e com o limite cada vez mais indistinto entre o espaço de casa e o ambiente de trabalho.

Essa desumanização já se estendia antes mesmo da pandemia, pois já vínhamos observando o aumento do uso de tecnologias e seus impactos nas cidades (1), bem como o crescimento de trabalhadores informais, do desemprego e da exploração e precarização das condições de trabalho nas grandes cidades (2).

Em diferentes sentidos temos visto o dia a dia ser dominado pelo espaço que o trabalho ocupa nas vidas e no planejamento dos centros urbanos. A cidade como organismo funcionalista é algo que vem sendo criticado por diferentes autores, Jan Gehl (3), já aponta a importância de planejarmos a vida urbana buscando um resgate da dimensão humana. Preocupado com tal cenário, Ricardo Antunes (4) trata sobre a urgência de elaborarmos um sistema que valorize o trabalho humano, livre, autodeterminado e que se preocupe com a preservação da natureza e com a própria humanidade, tarefa a ser aplicada pelos movimentos sociais e de trabalhadores. Além das possibilidades aventadas pelo autor, a educação também é uma ferramenta de luta nesse processo e o artigo propõe pensar a cidade como ambiente educador.

As relações profissionais e sociais da vida urbana estão se transformando e podemos supor que algumas das mudanças observadas durante a pandemia serão permanentes, como levanta Nabil Bonduki (5).

Pensar a cidade a partir da dimensão humana é fundamental se considerarmos seus elementos móveis, como as próprias pessoas e suas atividades, tão importantes quanto as partes físicas estacionárias. Dessa maneira, a cidade está constantemente em transformação, modificada nos detalhes e em seu dia a dia por seus cidadãos (6).

É comum, no entanto, esquecermos das crianças quando estamos planejando e pensando sobre o espaço urbano, mesmo elas sendo consideradas sujeitos de direitos pela constituição desde 1988 (7).

Na pandemia, as crianças deixaram de ir às escolas e, muitas delas, quando puderam, ficaram em suas casas, desabituando-se dos deslocamentos cotidianos e ficando cada vez mais esquecidas nas políticas públicas. Os espaços públicos foram esvaziados da presença delas, seus ruídos, suas cores, seus movimentos, à medida em que foram sendo ocupados mais e mais por pessoas que precisavam se locomover para realizar o que era verdadeiramente essencial, infelizmente, em muitos casos, para arranjar o que comer. Os encontros foram desestimulados e o distanciamento físico, recomendado. Na cidade de São Paulo, os parquinhos e áreas de lazer, já tão escassos, foram interditados (8).

Dentro de suas casas, passaram a observar, mesmo sem saber, como o trabalho e as pessoas que estavam deslocando-se pelas vias públicas, do lado de fora, afetam seus universos particulares, seja ao desaparecer da vista o saco de lixo ou ao aparecer compras e comidas na porta de casa.

A vida na cidade, muitas vezes, afasta as pessoas de processos essenciais para a sobrevivência, impessoaliza relações e aliena. É fundamental refletir sobre como envolver as crianças na construção de um cotidiano justo, humano e sustentável, engajando-se no desafio que é pensar sobre uma sociedade que está cada vez mais urbana (9).

Segundo Georg Simmel (10) viver nos centros urbanos convoca os cidadãos a experienciar, diferentemente da vida bucólica do campo, uma intensidade e velocidade de estímulo comum nos aglomerados urbanos. Essa velocidade vai automatizando nossas ações cotidianas, mecanizando as relações e contribuindo para um desencantar-se, conceito trazido por Luiz Antonio Simas (11) para explicar que o contrário da vida pode não ser somente a morte, mas também o desencanto.

Como educadoras que convivem com crianças cotidianamente há muitos anos, percebemos que elas têm uma forma específica de estar no mundo, que muito nos inspira e é manifestada sobretudo no brincar e no encantamento. Presença que abrange os sentidos, é investigativa, imaginativa, gráfica, criativa, não utilitária e se manifesta em múltiplas linguagens, como a corporal.

Ao caminhar a pé com crianças pelo bairro, se nos permitirmos acompanhar o ritmo delas, reduzimos a velocidade e somos convidados a olhar atentamente para o que acontece ao nosso redor, enxergando linhas, desenhos, texturas, cores e elementos da natureza.

Linhas urbanas, Vila Suzana, São Paulo SP
Foto Elis Coelho, jun. 2021

Linhas urbanas, Vila Suzana, São Paulo SP
Foto Elis Coelho, jun. 2021

Linhas urbanas, Vila Suzana, São Paulo SP
Foto Elis Coelho, jun. 2021

Em pesquisa recente, o Metrópole Um pra Um e Sampapé (12) coletaram dados sobre a relação das pessoas com os espaços públicos durante a pandemia, entre os principais desejos de mudança para a cidade, está o aumento do uso de transporte público e não motorizado, bem como frequentar o pequeno comércio do próprio bairro.

Pensar em percursos que podem contribuir para uma transformação da cidade, passa pela redução de velocidade e pela presença curiosa e investigativa, como nos convidam as crianças. O mesmo ocorre quando pensamos nas relações dentro dos estabelecimentos e nos trabalhadores que mantêm a cidade em funcionamento. Quem são essas pessoas? Quais são seus nomes e suas histórias? Onde está sua família? Quem abre e fecha a porta? Quem acende e apaga a luz?

Ter tempo para viver as tarefas do cotidiano ao lado de crianças modifica a relação das pessoas umas com as outras, melhorando a qualidade do trabalho para quem está em serviço, incluindo as crianças nas práticas sociais, gerando a possibilidade de deixar marcas no entorno e ser marcado por ele, atravessado por histórias, ampliando vivências, criando vínculos com as pessoas e com o território, podendo assim transformar e ser transformado pelo mundo.

Ao mesmo tempo em que se faz necessário lutar por melhores condições de trabalho e repensar a organização da cidade para melhor acolher as pessoas considerando as transformações que estão ocorrendo, repensar as relações a partir da perspectiva das infâncias, estabelecendo novos vínculos com os sujeitos do território, reconhecendo e valorizando-os como fundamentais para o dia a dia da cidade, torna a cidade mais humana.

D., quinze anos, ajuda seu amigo na borracharia todas as tardes, Butantã, São Paulo SP
Foto Elis Coelho, jun. 2021

Ir ao mercado, borracharia, costureira ou a qualquer outro serviço local com crianças pode ser uma oportunidade para restabelecer a criação de um espírito de vizinhança (13), gerando um equilíbrio entre vida pública e privada, ao exercer a cidadania e a convivência com pessoas diversas, criando uma rede de respeito e confiança mútuos.

notas

1
FUJITA, Gabriela. Heróis ou vilões? Qual o impacto que aplicativo de transporte têm no trânsito das grandes cidades. UOL, São Paulo, 25 fev. 2018 <https://bit.ly/2EU8RfU>.

2
DIAS, Tiago. Até a pornografia tem: o que é a uberização, como surgiu e outras dúvidas. TAB UOL, São Paulo, 7 ago. 2020 <https://bit.ly/39tAAIK>.

3
GEHL, Jan. Cidade para as pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2015.

4
ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo, Boitempo, 2020.

5
BONDUKI, Nabil. Os impactos da pandemia no futuro das cidades. Da revalorização das moradias à segregação. Minha Cidade, São Paulo, ano 21, n. 249.05, Vitruvius, abr. 2021 <https://bit.ly/3Qb56YF>.

6
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2011.

7
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição Federal, artigo 227. Brasília, Congresso Nacional, 1988 <https://bit.ly/3xqJ5fE>.

8
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Decreto n. 59.290, de 19 de março de 2020 [revogado pelo Decreto n. 59600/2020]. Determina o fechamento dos parques municipais, sob a gestão da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, bem como do Parque das Bicicletas e do Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador — Ceret. São Paulo, Câmara Municipal de São Paulo, 2020 <https://bit.ly/3xqoqZm>.

9
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Rio de Janeiro, IBGE, 2010 <https://bit.ly/3xrbGRZ>.

10
ANTUNES, Henrique Fernandes. O modo de vida urbano: pensando as metrópoles a partir das obras de Georg Simmel e Louis Wirth. Pontourbe — Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, n. 15, São Paulo, LAbNAU USP, 2014 <https://bit.ly/3xGRnSa>.

11
SIMAS, Luiz Antonio. O corpo encantado das ruas. Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2019.

12
METRÓPOLE 1:1; SAMPAPÉ. Relatório da pesquisa: acesso aos espaços públicos na pandemia. Etapa 1. São Paulo, Metrópole 1:1 e Sampapé dez. 2020 <https://bit.ly/3xIUzg5>; METRÓPOLE 1:1; SAMPAPÉ. Relatório da pesquisa: acesso aos espaços públicos na pandemia. Etapa 2. São Paulo, Metrópole 1:1 e Sampapé dez. 2020 <https://bit.ly/3Qh98yF>

13
JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2009.

sobre as autoras

Regina Izzo Fusco é co-fundadora do Grupo Amora e Coletivo Trilhares. É pedagoga (USP), formadora de professores e professora de educação infantil, pós-graduada em Gestão e Formação de Educação Infantil (Vera Cruz) e em Escutas antropológicas e poéticas das infâncias (A Casa Tombada).

Elis Coelho é co-fundadora do Grupo Amora. É pedagoga (FE USP), professora de Educação Infantil e formadora de professores (Centro de Formação da Vila). Pós-graduada em Gestão e Formação de Educação Infantil (Vera Cruz) e co-criadora do podcast e editora Escuta Aqui Bem-Te-Vi.

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