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português
Relato mostra a situação atual do Centro Cívico de Miguelópolis, projeto de José Luiz Leporace Silva na cidade localizada às margens do Rio Grande na divisa com Minas Gerais, construído na região central pela prefeitura local.
english
The report shows the current situation of the Civic Center of Miguelópolis, a project by José Luiz Leporace Silva in the city located on the banks of the Rio Grande on the border with Minas Gerais, built in the central region by the local city hall.
español
El informe muestra la situación actual del Centro Cívico de Miguelópolis, un proyecto de José Luiz Leporace Silva en la ciudad ubicada a orillas del Río Grande en la frontera con Minas Gerais, construida en la región central por el ayuntamiento local.
FERREIRA, Mauro. O centro cívico de Miguelópolis. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 263.04, Vitruvius, jun. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/22.263/8504>.
Miguelópolis é uma pequena cidade localizada no Nordeste paulista às margens do Rio Grande, divisa com Minas Gerais. Tem sua economia baseada no turismo e na agricultura com destaque para as culturas de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, sorgo e café, com Índice de Desenvolvimento Humano — IDH 0,741, considerado médio. Sua população atinge, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, 22.480 mil habitantes em 2013 (1).
A história do seu povoamento iniciou-se por volta de 1895, quando alguns desbravadores aí se fixaram, embora precariamente, até que em torno de 1910, Jacinto Felizardo Barbosa e o capitão Hilário Alves de Freitas resolveram doar quinze alqueires de terra para formação de um patrimônio e construção de uma capela em louvor a São Miguel Arcanjo. A povoação ficou conhecida como patrimônio de São Miguel até outubro de 1927, quando lei estadual criou o Distrito de Paz com o nome de Miguelópolis, ainda pertencente ao Município de Ituverava. Foi elevado à categoria de município pelo Decreto-lei Estadual n. 14.334, de 30 de novembro de 1944, em território desmembrado de Ituverava.
Nos últimos anos, o município tem sido objeto de intensa publicidade negativa na mídia em função das sucessivas notícias sobre malfeitorias perpetradas por seus administradores, tanto no Executivo como no Legislativo. José Civis Barbosa Ferreira, ex-prefeito de Miguelópolis, foi preso em 2011 em Manaus AM por agentes da Polícia Federal. Ferreira estava foragido desde setembro 2006, quando foi decretada sua prisão preventiva pela prática de crimes contra a administração pública. Contra ele também havia outros dois mandados de prisão, um deles por condenação definitiva em processo por apropriação de renda e desvio de dinheiro público. Já o prefeito de Miguelópolis Juliano Mendonça Jorge (do Partido Republicano Brasileiro — PRB) foi preso em 2016 pela Operação Cartas em Branco, realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado — Gaeco, grupo do Ministério Público — MP que atua contra fraudes em licitações. Além do prefeito, outras doze pessoas, entre vereadores, empresários, funcionários e ex-funcionários do departamento de licitações da Prefeitura também foram detidos durante a operação (2).
Essa situação de descontrole da administração municipal fez com que desaparecessem muitos arquivos e documentos da prefeitura, motivo pelo qual não obtivemos cópias do projeto original dos arquivos da municipalidade. O acervo com os desenhos e projetos do próprio arquiteto foi destruído quando desfez seu escritório no início dos anos 2000, motivo que impediu também a confirmação do autor do cálculo estrutural dos edifícios.
A topografia do sítio onde se estabeleceu a zona urbana de Miguelópolis possui suaves declividades, que permitiu um desenho em malha ortogonal do arruamento, com quadras retangulares longas e lotes regulares, com um traçado basicamente organizado a partir do eixo formado pela avenida Leopoldo Carlos de Oliveira, a principal via comercial da cidade, que é uma sequência da rodovia que dá acesso a Ituverava e à Via Anhanguera (a 33 km de distância), a principal ligação rodoviária a Miguelópolis. A topografia plana permite o uso intensivo de bicicletas para os deslocamentos, que ainda hoje são bastante utilizadas pela população.
No final dos anos 1970, durante a gestão do prefeito Pedro Alexandrino de Castro, certamente dada a insuficiência de espaços para a administração municipal na antiga sede da Prefeitura e da Câmara Municipal, foi contratado o arquiteto José Luiz Leporace Silva para elaborar o projeto de um Centro Cívico que abrangesse as novas sedes das duas principais instituições municipais.
José Luiz Leporace Silva nasceu em Franca em 1935, cidade próxima a Miguelópolis e formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU USP em 1962, onde foi aluno de João Batista Vilanova Artigas. Recém-formado, retornou a Franca, onde montou seu escritório de projetos e execução de obras, que se tornou um dos mais importantes da cidade à época. O volume de trabalho que desenvolveu ao longo das décadas de 1960 a 1990 é enorme, são milhares de projetos e construções em Franca SP e em toda a região. O desenvolvimento e uso de um sistema construtivo modular próprio, que utilizou em muitos de seus projetos, facilitou a elaboração de centenas de habitações para a emergente classe média urbana da cidade. Destacam-se em sua obra, além do Centro Cívico de Miguelópolis, a Sede do Clube de Campo de Franca, a loja Perdiza & Villas Boas em Ribeirão Preto, o Terminal Rodoviário de Igarapava e as residências Rafael Puglia e Hélio Vissotto em Franca SP (3).
O local escolhido para as obras em Miguelópolis foi um amplo terreno em quadra dividida com a igreja católica, uma espécie de esplanada em local próximo à antiga praça da capela de Nossa Senhora da Aparecida e ao comércio central da localidade. A igreja católica construiu uma nova matriz, um amplo templo em meio a uma praça (Vovó Mariquinha) e defronte à Prefeitura e a Câmara ergueram seus novos edifícios, constituindo um Centro Cívico para a cidade e um novo polo de atração para a região.
A solução dada ao edifício do Executivo foi inusitada para a pequena cidade, com forte impacto visual na paisagem urbana, além de mostrar pleno domínio técnico sobre a construção em uma pequena cidade do interior. Uma grande cobertura em concreto armado foi erguida com o uso de solução possivelmente inspirada nos pilares guarda-chuvas, uma solução que o arquiteto argentino Amancio Williams havia desenvolvido desde 1939 (4). Conforme Belén Maiztegui, “o ‘pilar guarda-chuva’ é um sistema de concreto armado projetado por Amancio Williams (Buenos Aires, 1913-1989) que, em virtude de sua forma, é capaz de suportar cargas extraordinárias e de se manter em equilíbrio de forma autônoma — ou seja, não precisa de outras peças para se sustentar além de sua própria coluna —, oferecendo, ainda, pouquíssima resistência ao vento” (5).
O conjunto de oito pilares guarda-chuva de concreto armado com pé-direito duplo foi, diferente das soluções de Williams, disposto lado a lado no projeto, configurando uma ampla cobertura isolada dos espaços de trabalho. Com isso, permitiu excelente ventilação e sombra numa região onde as temperaturas são bastante altas, sob a qual surgiu uma espécie de edifício-praça que procurou integrar a praça ao edifício, onde abrigou o programa de atividades da prefeitura. Para isso, criou espaços limitados por paredes sinuosas, orgânicas, iluminadas e ventiladas por óculos que se abrem para o entorno. Nas áreas livres, criou jardins, espaços de convivência e de espera para os serviços que eram atendidos por guichês externos. As mudanças administrativas e a necessidade de modernização de alguns serviços públicos, além da precária situação interna do edifício atualmente requerem uma atualização que ainda não ocorreu no Paço Municipal, inaugurado em 1981.
Já o edifício circular da Câmara Municipal inaugurado em 1982 lembra, guardadas as proporções, a solução que o arquiteto Félix Candela deu à cúpula em concreto armado do prédio do Restaurante Los Manantiales na Cidade do México, com um conjunto de paraboloides hiperbólicos idênticos construídos em concreto armado, interseccionados em seu centro (6). Com isso, forma-se em planta um desenho simétrico ocupado de um lado pelo plenário semienterrado e do outro pelos compartimentos administrativos e sanitários. Com espaços insuficientes para os novos tempos após a redemocratização do país, a Câmara construiu em 1994 um anexo (com projeto de outro profissional) que, mesmo procurando dialogar com o edifício original, não tem a mesma força e acaba por interferir na sua visualização, reduzindo seu forte impacto visual na paisagem. Apesar disso, o prédio está mais bem conservado que o do Executivo.
De qualquer modo, as duas obras são uma expressiva mostra da qualidade das soluções propostas pela arquitetura elaborada por José Luiz Leporace Silva (falecido em Franca em 2017), inseridas na cidade com inventividade, elegância e respeito à escala local. Mostram ainda como uma boa arquitetura pode elevar a qualidade dos espaços de vida e trabalho das pessoas, por isso mesmo deveriam ser melhor preservadas, até em respeito ao patrimônio e ao erário público.
notas
1
Estimativa populacional em 2021 a partir de censo realizado em 2010 pelo IBGE.
3
FERREIRA, Mauro. Vila Franca d´el Rey — 200 anos de arquitetura e urbanismo. Franca, Laboratório das Artes, 2021.
4
MAIZTEGUI, Belén. Os pilares guarda-chuva de Amancio Williams: resistência, autonomia e versatilidade em 10 projetos. ArchDaily Brasil, São Paulo, 6 set. 2020 <https://bit.ly/3xItYj2>.
5
Idem, ibidem.
6
HOLANDA, Marina de. Clássicos da Arquitetura: Restaurante Los Manantiales / Félix Candela. ArchDaily Brasil, São Paulo, 14 abr. 2012 <https://bit.ly/3OfRKsp>.
sobre o autor
Mauro Ferreira é arquiteto (FAU Braz Cubas, 1974), doutor em arquitetura (IAU USP, 2007), professor do Programa de Mestrado em Análise e Planejamento de Políticas Públicas da Unesp Franca e trabalha com projetos de arquitetura e planejamento urbano. É ficcionista, com contos e romances publicados e um dos dirigentes do movimento cultural Laboratório das Artes de Franca.