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my city ISSN 1982-9922

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No início dos anos 1950, um grandioso, moderno e arrojado empreendimento urbanístico, comandado por um homem com ideias revolucionárias, marca a história de uma cidade do Vale do Paraíba.

how to quote

CANETTIERI, Ana Cristina. Clube dos 500. Um patrimônio modernista em Guaratinguetá. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 265.01, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.265/8575>.


Hotel do Clube dos 500. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Nelson Kon, 2018


Clube dos 500, localizado às margens da rodovia Presidente Dutra, distante sete quilômetros do centro de Guaratinguetá, é um bairro planejado, criado a partir da Fazenda Vista Longa, adquirida por Orozimbo Roxo Loureiro, em 1949.

Orozimbo foi um importante financista e influente empresário do setor da construção civil e imobiliária, alcançando o auge do sucesso nos negócios entre 1945 e 1955. Era um homem que gostava do convívio social, apreciava música erudita e poesia, interessava-se por filosofia. Carismático, foi um líder incomum pela amizade que mantinha com todos por igual, pelo entusiasmo contagiante e fenomenal capacidade empreendedora. Considerado um homem avant la lettre simbolizou o pioneirismo e a inovação na década de 1950.

Com vista panorâmica para a Serra da Mantiqueira e localização privilegiada – a meio caminho das duas mais importantes capitais brasileiras –, a Fazenda Vista Longa mostrou-se ideal para materializar o propósito de Orozimbo de ali criar um elegante clube social. E para concretizá-lo reuniria 500 amigos, dentre um seleto grupo da elite paulista e carioca. Daí nasce o nome Clube dos 500, em 1951.

Neste mesmo ano a Fazenda Vista Longa é dividida ao meio pela nova rodovia Presidente Dutra. Diante deste fato, o plano de Orozimbo de criar um clube social deu lugar a outro empreendimento, moderno e arrojado para a época. Numa margem da rodovia, um luxuoso complexo hoteleiro, com piscinas, quadras de tênis, campo de golfe, restaurantes e confortáveis casas de veraneio para temporadas de famílias em férias, no outro, uma novidade trazida dos Estados Unidos: um loteamento de casas, considerado um jeito revolucionário de morar, pois ainda não havia surgido os condomínios residenciais, tão comuns hoje em dia.

Para começar a construção do Clube dos 500 Orozimbo convida notáveis figuras, sobretudo arquitetos e engenheiros, uma vez que também eram colaboradores nos projetos arquitetônicos de sua empresa: a construtora e incorporadora Companhia Nacional Imobiliária – CNI, sediada em São Paulo.

O início da transformação de São Paulo numa grande metrópole pode ser atribuído a Orozimbo, responsável por impulsionar fortemente a materialização de dezenas de prédios de grande porte, como os edifícios Califórnia, Nações Unidas, Triângulo, Montreal, Eiffel, dentre muitos outros, como o gigantesco e emblemático Edifício Copan – cartão postal da capital paulista.

O sucesso desses empreendimentos era atribuído, de um lado, aos financiamentos realizados pelo Banco Nacional Imobiliário – BNI, cujo sócio majoritário era Orozimbo; de outro, às memoráveis parcerias entre os renomados colaboradores da construtora CNI, como Prestes Maia, Toledo Piza, Roberto Monte, Oscar Niemeyer, Henrique Mindlin, Carlos Alberto Lemos, Abelardo de Souza, Roberto Zuccolo, Miguel Juliano, e notáveis artistas plásticos e paisagistas como Portinari, Di Cavalcanti e Burle Marx.

Nascido em Jaú, no ano de 1913, Orozimbo viveu boa parte de sua vida em Guaratinguetá. No seu livro autobiográfico, escrito em 1976, expressa com sensibilidade de alma seu imenso afeto pelo Clube dos 500, não à toa, deixa ali um legado de alto valor afetivo, arquitetônico e artístico, apresentado a seguir.

Na arquitetura e urbanismo: Abelardo de Souza, Oscar Niemeyer e Ricardo Menescal

Abelardo de Souza concebeu a planta urbanística do Clube dos 500. Numa área de 800 mil metros quadrados Abelardo distribuiu avenidas, ruas, praças e áreas comerciais às margens da via Dutra. A planta original, datada de 1952, encontra-se arquivada na Secretaria de Planejamento de Guaratinguetá.

No traçado urbanístico dos acessos ao Clube dos 500 e no arruamento das áreas que circundam o hotel e as residências de veraneio teve a colaboração do engenheiro Francisco Prestes Maia.

Os desenhos de uma igreja e da sofisticada sede para o Internacional Golfe Clube, com paisagismo de Miranda Magnoli não foram executados. Após o falecimento de Abelardo a família doou os projetos à Faculdade de Arquitetura da USP.

Oscar Niemeyer desenhou onze projetos para o Clube dos 500, entre os anos de 1951 e 1953. Seis obras permanecem preservadas e estão edificadas em áreas particulares dispostas em ambos os lados da rodovia Presidente Dutra.

Oscar Niemeyer, ao centro, em visita às obras
Foto divulgação, 1952 [Arquivo família Hildo Norat Guimarães]

No sentido Rio-São Paulo, no interior do Hotel Clube dos 500, há dois Blocos de apartamentos para hóspedes e um Restaurante, estampado na capa da revista Acrópole, em 1952.

Do lado oposto, no sentido São Paulo-Rio, há uma Residência no interior do bairro, uma Lanchonete e um Posto de Combustível.

Capa da revista Acrópole n. 174, out. 1952
Foto divulgação [FAU USP]

Três obras – Posto de Combustível, Lanchonete e Pilone – fazem parte do livro inteiramente dedicado ao trabalho de Oscar Niemeyer, publicado em Nova Iorque no ano de 1956, pelo arquiteto grego Stamo Papadaki. Um pouco antes, em 1952, o Posto de Combustível foi destaque da revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui numa edição especial sobre arquitetura moderna brasileira.

Lanchonete do Clube dos 500. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Nelson Kon, 2018

No início dos anos 1960 foram demolidos a Portaria de acesso ao Hotel Clube dos 500, o Pilone e a Piscina infantil e descaracterizados a Piscina adulto e um dos Restaurantes, nos anos 1990.

Em 1956, após Oscar Niemeyer passar a dedicar-se integralmente aos projetos arquitetônicos de Brasília, Orozimbo convida o arquiteto Ricardo Menescal para dar seguimento aos projetos do Clube dos 500.

Posto de combustível do Clube dos 500. Arquiteto Oscar Niemeyer
Foto Nelson Kon, 2018

Ricardo Menescal projetou um boliche, local de lazer muito em moda na época, três residências, uma capelinha e várias edificações para o Camping Clube dos 500, inclusive sua icônica marca representando três barracas de camping, utilizada, até os dias atuais, na comunicação visual de todos os campings do país.

Camping Clube dos 500, sede administrativa, 1966. Arquiteto Ricardo Menescal
Foto divulgação, 2018 [Acervo Ana Cristina Canettieri]

Das três residências, uma foi projetada para o próprio Orozimbo, outra para sua filha caçula e a terceira para Edmundo Monteiro, publicada na revista de arquitetura ABA.

Edmundo foi diretor-geral do gigantesco conglomerado de mídia fundado por Assis Chateaubriand, o famoso e controverso Chatô, mecenas do Museu de Arte de São Paulo -MASP. Homem de confiança de Chateaubriand, Edmundo foi ligado ao MASP por um longo período, de 1946 a 1993, e por mais de uma vez exerceu o cargo de presidente. Seu eficiente empenho contribuiu para tornar o acervo permanente do MASP um dos mais importantes do Hemisfério Sul, e nele constam catalogadas quatro obras de arte doadas por Orozimbo.

Em São Paulo, Edmundo presidiu o Nacional Clube e, em Guaratinguetá, o Internacional Golfe Clube, ambos fundados por Orozimbo.

Residência Edmundo Monteiro, 1967. Arquiteto Ricardo Menescal
Foto Nelson Kon, 2018

Na arte plástica e no paisagismo: Di Cavalcanti e Burle Marx

Nas artes plásticas destaca-se um mural pintado pelo artista plástico modernista Di Cavalcanti, numa das paredes do Restaurante projetado por Oscar Niemeyer, localizado no interior do Hotel Clube dos 500.

Restaurante, mural de Di Cavalcanti, 1951
Foto Nelson Kon, 2018

No início da construção do Clube dos 500 Di Cavalcanti foi hóspede de Orozimbo, quando então executa o monumental afresco de sete metros de comprimento por quatro de altura, durante o ano de 1951.

No colorido mural Di retrata cenas típicas das cidades do Vale do Paraíba da época: a prosa das comadres de lenço na cabeça, acomodadas em cadeiras postas na calçada, camponeses tocando viola sob a sombra do coqueiro, lavadeira com trouxa de roupa na cabeça, cachorro dormindo no chão, galo solto pelo quintal, pássaro na gaiola, pescador numa pequenina canoa, fachada de uma singela igreja e, no primeiro plano, uma moça de cintura fina, sapato de salto alto, chapéu de abas largas e uma curiosa bolsa em uma das mãos.

Restaurante, mural de Di Cavalcanti, detalhe, 1951
Foto Nelson Kon, 2018

Do paisagismo de Burle Marx, desenhado para os jardins do Hotel Clube dos 500 em 1953, restaram algumas árvores hoje também desfrutadas pelas garças brancas, tão numerosas no verão, fazendo jus ao nome Guaratinguetá, que em tupi significa muitas garças.

E mais, tendo em conta a oralidade dos moradores antigos do Clube dos 500, quatro frondosas árvores da espécie ficus virens, enfileiradas em frente ao Restaurante da Rede Graal foram plantadas pelas mãos de Burle Marx.

Árvores do jardim do Hotel Clube dos 500
Foto Nelson Kon, 2018

nota

NA – Este artigo é inteiramente baseado no livro No Meio do Caminho, Clube dos 500, de minha autoria, publicado em 2018. Durante mais de dois anos, fui atrás de documentos e fotografias, vasculhei arquivos e colhi relatos de inúmeras pessoas, visitei museus e bibliotecas, li dissertações acadêmicas, refiz anotações e acrescentei pormenores a cada leitura para preencher a escassez de informações sobre a construção deste icônico bairro e desvendar marcas indeléveis que pessoas extraordinárias sublinharam na sua história, quase totalmente desconhecida. Para fundamentar alguns elementos de minha escrita contei com a valiosa colaboração do especialista nos trabalhos de Oscar Niemeyer, arquiteto Rolando Figueiredo, que, paralelamente, desenvolvia pesquisa pela Universidade Mackenzie, com apoio da Fapesp, originando o trabalho científico As obras de Oscar Niemeyer para o Clube dos 500 em Guaratinguetá (1951-1953).

sobre a autora

Nascida em Guaratinguetá, Ana Cristina Canettieri morou em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, hoje divide seu tempo entre a capital paulista e sua cidade natal. Administradora, com pós-graduações na área da educação, trabalhou no Ministério da Educação, na Câmara Federal e há mais de duas décadas dirige consultoria especializada no assunto. Administra o perfil @fotoclubedos500 para preservar a memória e manter viva a história das pessoas e do lugar. Casada, mãe de três filhos e um neto.

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