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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O desenvolvimento do Soledade, bairro da zona norte da cidade de Aracaju, se inicia a partir da implantação de uma lixeira pública e mesmo após a sua retirada a população que ali reside até os dias atuais sofrem com os fatores da exclusão urbana.

english
The Soledade's development, a neighborhood in the north of the city of Aracaju, begins with the implementation of a public dump and even after its removal, the population that resides there until the present day suffers from the factors of urban exclusion

español
El desarrollo de Soledade, barrio ubicado en el norte de la ciudad de Aracaju/SE, comienza con la implementación de un basurero público y aún después de su remoción, la población que allí reside hasta el día de hoy sufre los factores de exclusión urbana.

how to quote

ESTEVÃO, Eric de Sousa. Um olhar sobre o bairro Soledade. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 265.02, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.265/8576>.


Bairro Soledade, Aracaju SE
Foto divulgação


O processo de urbanização no Brasil deu um grande salto em meados do século 20, aumentando o número e o tamanho das cidades, consequentemente o número da população urbana atingiu a taxa de 81,25% do total (1) e sua maior característica, e motivo, foi o aumento do processo de metropolização. Com esse processo de crescimento desenfreado das cidades alguns pontos melhoraram e isso é notado a partir do aumento da diminuição da taxa de mortalidade infantil e do aumento da taxa de esperança de vida ao nascer. Entretanto, esses indicadores não melhoram de forma homogênea, pois em áreas como o Nordeste do país, que são regiões mais pobres, ocorre a melhoria, mas de forma mais lenta se comparado com o resto do país.

Segundo Erminia Maricato,

“Dos 169.544.443 de habitantes brasileiros em 2000, aproximadamente 30% moram em nove metrópoles. Duas delas estão entre as maiores cidades do mundo, Rio de Janeiro (10,5 milhões de habitantes) e São Paulo (16,7 milhões)” (2).

Os dados acima evidenciam o crescimento desenfreado das cidades, entretanto com esse inchaço populacional não foi possível se desenvolver para abrigar e oferecer empregos, com isso acaba acontecendo também um fator negativo do desenvolvimento urbano, que é a criação de áreas marginalizadas, locais onde estão alguns indicadores como baixa renda, baixa taxa de escolaridade, piores condições de moradia e urbanísticas. Como consequência, é possível encontrar um alto índice de criminalidade, fator que não está ligado à questão da pobreza que permeia essas áreas, mas sim à desigualdade social e ao desemprego.

A desigualdade social é a diferença existente entre as diferentes classes sociais, levando-se em conta fatores econômicos, educacionais e culturais. Esses dois últimos fatores estão intrinsecamente ligados com a questão da segregação urbana, pois a separação da cidade leva bastante em conta a questão econômica, evidenciando a desigualdade existente no arranjo urbano.

O local de análise está inserido na Zona Norte da cidade de Aracaju, devido ao fato de que as comunidades mais periféricas estão concentradas nessa região. Por ter essa abundância, também é possível encontrar um grande número de pessoas pretas, analfabetas, trabalhadores informais, desempregados, entre outros. Essas pessoas estão em zonas periféricas em razão da construção das cidades brasileiras terem sido planejadas e pensadas por homens, brancos, de renda média/alta ao longo dos anos – grande fator responsável pela segregação espacial e exclusão social.

Histórico e identidade do bairro Soledade

A ocupação do Bairro Soledade se inicia a partir de sítios que pertenciam a família de Antônio Ayres Garcia, onde segundo antigos moradores, existiam somente uma pequena escola; uma capela, que tinha como padroeira Nossa Senhora da Glória; e um pequeno porto, onde desembarcavam o sal que era retirado das salinas que ali existiam.

Em meados do século 20, grande parte desses terrenos foram comprados por Carlos Marques de Oliveira, que dividiu as terras em duas partes e loteou uma delas, pois não conseguiu evitar que houvesse uma diminuição no tráfego existente na estrada que fazia a ligação entre Aracaju e Laranjeiras. Em 1969 o Sr. Carlos Marques começou a vender esses lotes e doou um terreno para a construção de uma escola, pois a que existia anteriormente, juntamente com a capela e o porto, foram desativados. No governo do Dr. Lourival Batista foi construída ali a Escola Rural Saco, tendo somente uma sala para lecionar as aulas.

No início do Governo Paulo Barreto de Menezes, ocorreu a ampliação da Escola Rural Saco, sendo construída uma cantina, uma secretaria e mais uma sala, passando agora a ser chamada de Escola Rural Serapião Pereira. Em 1976 a professora-catequista Maria José Souza Santos, conhecida pelos populares como Dona Mariquinha, que ensinava catequese e dava aulas pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, utilizando candeeiros e velas devido a falta de energia elétrica na região durante esse período, sentiu a necessidade de lutar pelo desenvolvimento urbano do bairro e juntamente com Dona Edite, no governo de Augusto Franco, conseguiram, após dois anos de luta, levar água encanada, energia elétrica e asfalto para o Bairro Soledade.

Outra conquista dos moradores do Bairro Soledade, juntamente com associações de moradores, foi a retirada de uma grande lixeira que ali existia, local onde era depositado todo o lixo da cidade de Aracaju, devido a proliferação de doenças contagiosas. Sendo assim, podemos notar que o bairro desde a sua formação até os dias atuais vem sofrendo com o descaso das autoridades e com os atenuantes da exclusão urbana.

Aspectos geográficos e socioespaciais

A ocupação urbana do bairro se inicia a partir dos loteamentos Pousada Verde, Jardim Santa Madalena e Santa Catarina, em torno de uma pequena capela que ali existia. Um fator que contribuiu para o adensamento populacional na região foi a instalação de uma lixeira pública, o que fez com que os catadores de lixo que trabalhavam lá começassem a procurar terrenos e construir suas moradias naquela região, ocupando áreas inóspitas, principalmente os manguezais.

Segundo um levantamento feito pela Prefeitura Municipal de Aracaju, no ano de 2010, existia um total de 877 imóveis, sendo eles: 360 lotes vazios, 2 públicos, 9 comerciais, 3 estabelecimentos industriais, 1 institucional e 502 unidades residenciais. Em um segundo levantamento feito em 2016 foram cadastrados 2.327 imóveis, onde 842 eram terrenos vazios, 1350 habitações, 114 estabelecimentos comerciais, 5 institucionais, sendo 4 de ensino e 1 religioso; 5 estabelecimentos desativados e 11 para outros serviços. Dessa forma é possível notar o desenvolvimento existente na região e também a falta de outros serviços essenciais na região, como por exemplo cultura e saúde; além do baixo número de instituições educacionais.

Constituído, em grande parte, por uma população de baixa renda, tendo como rendimento nominal mensal em torno de 1 a 2,9 salários mínimos e, aproximadamente, 20% dos moradores com renda abaixo de 1 salário mínimo, sendo um total de 606 moradores, segundo o Censo 2010 realizado pelo IBGE. A densidade média por moradia é de 5 pessoas e, nessas mesmas famílias, somente uma pessoa é responsável por prover e se responsabilizar pela renda (3).

Com grande deficiência na sua infraestrutura básica, como ruas sem pavimentação ou rede de esgoto; falta de equipamentos urbanos, serviço de abastecimento de água precário, chegando até a faltar água por mais de 3 dias; transporte público de péssima qualidade, por causa da má conservação das vias e do próprio veículo; o serviço de coleta de lixo ainda é carente, tendo regiões onde a população descarta os resíduos em terrenos baldios ou na própria maré; sendo assim é possível notar as necessidades e anseios dessa população que há muito tempo é menosprezada pelo Governo.

Conclusão

A falta de equipamentos públicos e sociais, infraestrutura precária, as condições das habitações, renda e escolaridade se faz presente no bairro devido a forma como as cidades brasileiras se desenvolveram, e se desenvolvem até os dias atuais, pois as mesmas estão seguindo um padrão de urbanização dentro de um sistema de classes da sociedade capitalista, servindo como ambientação para a luta de classes e como um fator comprovador das desigualdades sociais (4).

Com o aprofundamento desse tema e as pesquisas realizadas, tanto em bibliografias (5) quanto presencialmente em visitas de campo no bairro Soledade, foi possível alcançar os objetivos definidos para a produção desse estudo, mesmo com as dificuldades enfrentadas devido a pandemia do Covid-19; além de visualizar de forma bastante brutal e concreta as condições que muitos moradores que vivem nas zonas periféricas da cidade de Aracaju enfrentam.

Sendo o direito à cidade uma luta dentro deste contexto urbano segregado e contemporâneo, se tornou imprescindível a abordagem do tema no universo acadêmico e urbanístico. Quando em “Duas Cidades”, da banda soteropolitana Baiana System, o cantor e compositor Russo Passapusso traz a frase “Em que cidade você se encaixa?” é gerado um questionamento que vai além da segregação dentro do espaço urbano, mas também sobre como é fundamental refletir para qual lado dessas “Duas cidades” é necessário voltar a atenção.

Ao estudar o Bairro Soledade, tanto a partir da análise de dados recolhidos na Prefeitura Municipal de Aracaju quanto com as vivências no complexo tecido urbano dessa região, foi possível delimitar um conceito final para o complexo, que foi o Afrika, devido a maioria da população inserida no bairro se autodeclarar como preta ou parda; e também quais as principais carências desta população, definindo assim os usos e setores que seriam inseridos no anteprojeto. Esse estudo teve como finalidade principal trazer para um ambiente acadêmico ainda bastante colonizado uma observação sobre a realidade marginalizada da população que mora em zonas periféricas, além de apontamentos sobre a grandiosidade da cultura africana e sobre processos identitários.

Portanto, é imprescindível que se alcance a democratização das oportunidades dentro do contexto urbano, mas para que isso seja possível é necessário criar-se uma consciência coletiva acerca do direito à cidade e das lutas de classes dentro das zonas urbanas, pois enquanto for mantido o sistema capitalista e o processo de urbanização seja feito com foco nos lucros, as cidades irão se manter crescendo de forma desordenada e colocando a maioria de seus habitantes, integrantes da classe operária, em áreas periféricas.

notas

1
IBGE. Censo demográfico. Brasília, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000 <https://bit.ly/3UeppXh>.

2
MARICATO, Erminia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. São Paulo, Vozes, 2001, p. 24.

3
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Aracaju, PMA, 2000.

4
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século 21. 8a edição. Rio de Janeiro, Record, 2005.

5
Ver: CARVALHO, Lygia Nunes. As políticas públicas de localização da habitação de interesse social induzindo a expansão urbana em Aracaju SE. Orientadora Marly Namur. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2013 <https://bit.ly/3Uepk5V>; DINIZ, Dora Neuza Leal. Aracaju: a construção da imagem da cidade. Orientador José Eduardo de Assis Lefevre. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 2009 <https://bit.ly/3QuYQKh>; FRANÇA, Vera Lúcia Alves. Relatório final do diagnóstico da cidade de Aracaju: diagnóstico da cidade de Aracaju. 3a edição. Aracaju, Prefeitura Municipal de Aracaju, 2013; LOUREIRO, Kátia Afonso Silva. A trajetória urbana de Aracaju, em tempo de interferir. Aracaju, INEP, 1983; PORTO, Fernando F. A cidade do Aracaju 1855-1865. Aracaju, Livraria Regina, 1945.

sobre o autor

Eric de Sousa Estevão é arquiteto-urbanista pela Universidade Tiradentes. Membro do Trapiche – Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFS. Militante da União da Juventude Comunista e do Movimento por uma Universidade Popular. Pesquisador e militante no campo do Direito à Cidade e Habitação, com foco em Assentamentos Populares Urbanos e Segregação Etnico-Racial.

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