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Segundo a arquiteta Laura Belik, as administrações municipais mais recentes têm flexibilizado as restrições da Lei da Cidade Limpa, abrindo espaço para as marcas de empresas invadir os espaços públicos através de dribles às normativas.
BELIK, Laura. Cidade limpa, cidade suja. Reflexões sobre propaganda, privatizações e campanha eleitoral. Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 265.04, Vitruvius, set. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/23.265/8594>.
Os inúmeros porta-estandartes eleitorais espalhados pela cidade nesta reta final de campanha trazem à tona diferentes questões sobre a ocupação dos espaços da cidade, subemprego e lei cidade limpa. Nos últimos anos, privatizações de espaços públicos ajudaram a abrir brechas maiores para incluir anúncios, publicidade e outras formas de ocupação privada e comercial em áreas coletivas. A Lei Cidade Limpa, aprovada em 2006, trouxe mudanças significativas na paisagem da Cidade de São Paulo, mas desde sua implementação já previa certas licenças. Enquanto grandes outdoors foram imediatamente removidos, revelando fachadas e horizontes esquecidos, equipamentos públicos aceitavam concessões à publicidade, ainda que de forma controlada.
O argumento da privatização sempre vem atrelado a um discurso de ajuda a subsidiar e manter equipamentos públicos. Segundo essa premissa, um anúncio vendido e alocado em um relógio de rua ajudaria a manter aquele acessório urbano, por exemplo. Espaços destinados à publicidade em pontos de ônibus servem a mesma lógica. Redes de proteção de edifícios tombados podem vender seu espaço para custear restauros. Canteiros centrais podem receber pequenas sinalizações indicando quem banca e mantem o jardim em dia... dentre outros exemplos. Em uma escala maior, vemos grandes concessões à parques e aeroportos que acabam inclusive mudando as regras internas uso destes espaços, uma vez apesar de públicos, agora são administrados por iniciativas privadas. O grande ponto de embate entre aqueles pro ou contra tais movimentos é: até que ponto não cabe ao estado simplesmente bancar e manter certos equipamentos, e quão importante é que estes equipamentos se mantenham públicos, para um usufruto efetivamente coletivo.
Outro fenômeno criativo burlando a necessidade de uma licença especial para atuar são as publicidades e anúncios moveis. Esta técnica já antiga dos homens e mulheres-placa ganha novas e criativas versões em espaços antes inexistentes ou não identificados. Se já não é mais possível fazer publicidade na parte de trás de ônibus municipais, as mochilas de entregadores e motoboys chamam a atenção no trânsito e nas ruas tanto quanto (ou até mais). Bicicletas urbanas e a ciclofaixa de lazer aos domingos e feriados existem graças às parcerias publico-privadas. A impermanência da ciclofaixa, por exemplo, já indica uma flexibilidade de regulamentação tanto referente à anúncios, o que significa um grande chamativo para possíveis empresas que assumirem essa concessão (1), mas também levantam a bandeira para a complicada contratação e regimento de funcionários temporários, neste caso pagos através de diárias, e usufruindo de poucos direitos (2).
A lei de 2006 nasce com o intuito de proteção, recuperação e valorização do patrimônio cultural e paisagístico da cidade. Além disso, ao restringir e regulamentar a publicidade, a lei tem como objetivo o fácil acesso às informações, ajudando cidadãos a se guiar melhor pela cidade (3). Mas as brechas encontradas pela publicidade são incontáveis, e podem muitas vezes justamente ofuscar ou obstruir placas e sinalizações existentes de apoio ao transeunte. Além das placas móveis carregadas por pessoas distribuindo panfletos ou anexadas atras de motos e bicicletas, estabelecimentos também encontram jeitos de chamar atenção para seus imóveis de outras formas. Vídeos e telas colocadas dentro de vitrines, ainda que nas fachadas, direcionam o olhar do cidadão ao brilho da imagem, e não mais para a cidade ao seu redor. Se um dia os grandes outdoors e placas de neon chamavam a atenção dos carros em movimento nas grandes avenidas (4), hoje grandes telas de televisão dentro de estabelecimentos aproveitam do congestionamento para prender a atenção do espectador. Mas o passo-a-passo da manicure colocando unhas de fibra de vidro em uma cliente não só distrai o motorista, como compete com a tela do GPS e a luz do farol de trânsito. Mesmo dentro do transporte público, estações inteiras do metrô são encapadas em publicidade, e todo o trabalho de sinalização visual para segurança e apoio à possíveis emergências dos usuários se perde no meio da comunicação sobre o último lançamento do canal de streaming. Recentemente, a liberação da venda dos nomes das estações às marcas em forma de propaganda (modelo já adotado no Rio de Janeiro) também contribui para discussões sobre poluição da comunicação destes espaços (5).
A distribuição de santinhos e grupos segurando faixas e bandeiras de candidatos em época de eleição não é nenhuma novidade. Seja com a lei da cidade limpa ou não, essas práticas existem há anos. Mas a agressividade publicitaria de certas campanhas também nos levam a refletir sobre quanta sujeira aquele candidato está fazendo mesmo antes de seu possível mandato, o que estão escondendo atras de seus cartazes e placas, e quanto pretendem ajudar ou ofuscar os cidadãos.
notas
1
G1 SP. Uber deixa de patrocinar ciclofaixa de lazer de SP e Prefeitura abre edital para interessados. Globo.com, São Paulo, 1 jul. 2022 <http://glo.bo/3qJZwAU>.
2
POMAR, Marcos Hermanson. “Bandeirinhas” da Ciclofaixa trabalham nove horas, ganham R$ 100 por dia e não têm pausa para refeição. O Joio e o Trigo, São Paulo, 14 out. 2021 <https://bit.ly/3eTa1zb>.
3
GESTÃO URBANA SP. Manual Ilustrado de Aplicação da Lei Cidade Limpa e normas complementares – Lei n. 14.223, de 26 de setembro de 2006, Decreto n. 47.950, de 5 de dezembro de 2006. São Paulo, Prefeitura de São Paulo, 2006 <https://bityli.com/FPkzXjBH>.
4
VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Learning from Las Vegas. Cambridge, Mass, MIT Press, 1972.
5
MEIER, Ricardo. Metrô lança concessão de “naming rights” de seis estações. Metrô CPTM, São Paulo, 1 mai. 2021 <https://bit.ly/3Uh8Slg>.
sobre a autora
Laura Belik é doutoranda em Arquitetura na University of California, Berkeley, Mestre em Design Studies pela Parsons – The New School (Nova York, 2016), e formada como arquiteta e urbanista na Escola da Cidade (São Paulo, 2013).