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PORTAL VITRUVIUS. Congresso Nacional de Iniciação Científica em Arquitetura e Urbanismo – CICAU 2002. Projetos, São Paulo, ano 02, n. 024.01, Vitruvius, jan. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/02.024/2197>.


Medo como mercadoria

Este trabalho faz parte de um conjunto de reflexões parciais sobre os primeiros resultados materiais da pesquisa Arquitetura da Violência, financiada pela Faperj – Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, desde julho de 2000.

Este trabalho corresponde à segunda das principais vertentes da pesquisa cuja análise foi desenvolvida a partir da publicidade imobiliária que utiliza apelos diversificados e relacionados à representação simbólica da casa, como “sonho da casa própria”, “bom negócio/investimento”, “projeto de vida”, “conforto e lazer” e ainda se apropria da insegurança e do medo trazendo a “segurança total”, “segurança máxima”, como características necessárias ao “morar bem”.

A presente análise parte da compreensão de que, nas sociedades capitalistas, a casa é uma mercadoria.

A modernidade trazida pela consolidação do modelo econômico capitalista desenvolve tecnologias que agilizam a produção de materiais e modificam a arquitetura, ampliando seus componentes de valor.

Como afirma Marx (1), “a mercadoria é, antes de qualquer coisa, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza...”. Neste sentido, a casa precisa ser fetichizada e, assim, precisa ter agregados e/ou incorporados novos significados que constituirão seus valores de uso e de troca.

Para entender este processo na contemporaneidade, é possível recorrer à Rouanet (2) quando analisa “a verdade e a ilusão do pós-moderno”:

“a pós-modernidade se manifestaria, inicialmente, no plano de mundo vivido (Lebenswelt), através de um novo cotidiano, qualitativamente diferente do que caracterizava a modernidade. É um cotidiano em que a máquina foi substituída pela informação, a fábrica pelo shopping center, o contato de pessoa a pessoa pela relação com o vídeo. A estética impregna os objetos, para que eles se tornem mais atraentes. O apelo da publicidade estetizada envolve a personalização e a erotização do mundo das mercadorias...” (grifo nosso).

É necessário, portanto, entender primeiro a “casa” na sua essência, ou natureza. Em Bachelard, por exemplo, a casa é reconhecida não somente como um objeto, mas também por seus significados e particularidades que a tornam única. “... a casa é, evidentemente, um ser privilegiado, sob a condição, bem entendido, de tornarmos, ao mesmo tempo, a sua unidade e a sua complexidade, tentando integrar todos os seus valores particulares num valor fundamental” (3).

Gradativamente, na última década, os valores de segurança e proteção têm sido equiparados publicitariamente aos valores essenciais da casa, como sonho, felicidade, tranqüilidade. Ou equiparados a valores decorrentes das novas formas de parcelamento e ocupação da cidade, como condomínios fechados, edifícios em centro de terreno, uptowns, condomínios clubes, apart hotéis, os quais oferecem lazer, serviços residenciais, comércio interno, proximidade da natureza, entre outros benefícios.

Juntamente com os novos significados, ao patrimônio valorizado, preservado e defendido, estão sendo incorporados outros valores de troca, que fetichizam a “casa”, como mercadorias agregadas, elementos justapostos como torneira ou fechaduras de ouro, que são junto com equipamentos de segurança apropriados como apelos imobiliários, já que se transformam em “investimento certo!”.

O trabalho, nesta perspectiva, tem a finalidade de mostrar como esse quadro tem servido à especulação imobiliária, promovendo alterações importantes no campo dos significados da habitação, de modo que a casa tem agregado significados referenciados ao investimento e ao lucro.

As alterações são resultantes da agregação de apelos sempre novos de serviços, espaços de lazer como academias ou fitness center e de novos modos de habitar pela incorporação dos lofts, que se transformaram em qualidades notáveis com o objetivo de conquistar o consumidor. As ofertas desenvolvem novas linguagens e representações que podem ser observadas nas propagandas, como por exemplo, pela utilização de termos estrangeiros garantindo ao anúncio uma sofisticação que não é acessível a qualquer tipo de consumidor.

O quadro social e habitacional nas metrópoles, trazido diariamente pelo discurso jornalístico, consolidando as relações entre miséria e violência, constrói o sentido e a sensação constante do pânico das classes mais abastadas em relação às classes baixas, principalmente os moradores de favelas. Esta relação produz conflitos e, inclusive, oscilações no valor dos imóveis pela proximidade com estas áreas consideradas perigosas, ou ainda, áreas de risco contra integridade física. O clima de insegurança aumenta a desvalorização e causa impacto no mercado imobiliário como aponta matéria publicada no jornal O Globo, de 20/01/02.

Segundo a matéria, numa análise realizada em diversos pontos do Rio, constatou-se que imóveis localizados na mesma rua tem seus valores de locação e venda diferenciados pela distância da favela. As estatísticas da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) revelam que, “há cinco anos os valores do aluguel de imóveis numa mesma rua variavam até 20% dependendo de estarem próximos ou distantes das favelas”. (4) Os dados da Associação Brasileira de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) revelam na mesma época “que a variação do metro quadrado para venda era de até 30%. Hoje, tanto para a locação quanto para a venda, a diferença pode ultrapassar os 50%” (5).

A partir do exposto, é possível quantificar o reflexo, no mercado, do clima de insegurança. Ao mesmo tempo, a mídia aponta “o novo sonho de consumo” (6), ou ainda, indica métodos para deixar a “casa sob controle” em matéria do jornal O Globo, de 05/08/01 onde mostra a “nova arma contra a violência”: cerca eletrificada. Segundo a reportagem, “cães ferozes, grades, circuitos de TV e alarmes já não são proteção bastante para moradores do Rio assustados com a violência. Instalar cercas eletrificadas ou cercas de choque, tem sido a solução encontrada.” Esse tipo de equipamento parece novidade no Rio de Janeiro, porém, basta percorrer os bairros nobres de São Paulo e observar que esse dispositivo é tão usual, que quase passa despercebido, ou causa espanto quando não está instalado.

Embora presente na “paisagem” desde a metade da década passada, os moradores das áreas nobres de São Paulo se viram definitivamente obrigados a incorporar tais recursos, como uma das imposições de empresas de segurança patrimonial, que somente firmam contrato, após sua instalação. Essa necessidade de proteção se deve ao fato São Paulo ser o maior centro econômico e financeiro do país. É lá que se concentram as grandes empresas e empresários, havendo portanto, necessidade de segurança.

As constantes reportagens sobre o aumento da violência urbana seguramente contribuem para o crescimento da sensação de insegurança. Grades, gradis, guaritas, além de uma parafernália eletrônica tem sido utilizados em larga escala, como itens determinantes na escolha da casa própria. É preciso “vender!” o medo pra vender a segurança.

Para o encaminhamento da análise, o material trabalhado se refere aos dois maiores centros metropolitanos do país, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os anúncios publicitários publicados nos últimos dez anos foram divididos em dois períodos, que se referem, respectivamente, ao início(1992-1993) e ao final do período (2000-2001).

O material foi analisado de modo a identificar, organizar e compreender o discurso publicitário, dessa forma e necessário entender que a mensagem publicitária está sendo considerada como:

“... o lugar discursivo onde o sujeito da enunciação-enunciador (promotor imobiliário), anuncia para um receptor (consumidor em potencial). A partir do custo do imóvel, o enunciador identifica o receptor como aquele cuja renda lhe permite adquirir o produto (imóvel). Neste sentido, o anunciante-promotor, deve imaginar a auto imagem que faz de si mesmo o receptor, ou a imagem que gostaria lhe fosse imputada. Esta imagem está relacionada fundamentalmente com seu modo de vida, sua visão de mundo. Para tanto, os signos da mensagem são escolhidos e organizados de forma denotativa, de maneira a construírem referências conotativas àquela imagem” (7).

Esse conjunto que engloba 190 anúncios analisados foi subdividido em duas categorias: anúncios com elementos e anúncios sem elementos de proteção representados graficamente. Para o melhor entendimento e desenvolvimento do trabalho, outras categorizações foram realizadas, considerando por exemplo, a localização, os parcelamentos de terrenos, a variedade, as relações entre propriedades do empreendimento, tipos de referências às propriedades, o nível de oferta de equipamentos, o padrão etc.

Em uma análise localizada, foi possível constatar que, em São Paulo, os bairros que aparecem com maior número de lançamentos imobiliários são Morumbi e Moema. O Morumbi é ocupado pela população de alta renda, portanto, oferece vizinhança notável, com muitos moradores famosos. O bairro de Moema é caracterizado pela renovação dos usos das construções. “São Paulo é o mercado mais ativo do país. Há muito dinheiro circulando, e muita gente circulando com situação econômica para morar em condomínio de luxo e alto luxo” (8). Estes dois bairros concentram 23,39% das propagandas dos lançamentos imobiliários do material de trabalho. No Rio de Janeiro, apesar de menor número de anúncios publicados, a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, são líderes absolutos em número de novos empreendimentos habitacionais, o que pode ser explicado por se tratar de área de expansão urbana, com ofertas de médio e alto custo, e valorização certa, seguido somente de Botafogo. Só a Barra detém 48,84% das publicidades. O Rio está crescendo em sua direção.

Este estudo comprova a relação direta entre a concentração de renda dos bairros nobres de São Paulo e do Rio de Janeiro e os seus lançamentos imobiliários. Estas áreas valorizadas na cidade pelo poder aquisitivo dos moradores, demonstra o direcionamento dessas ofertas, estabelecendo áreas de interesse do mercado imobiliário.

Num direcionamento mais centrado na questão “segurança”, foi possível perceber que os primeiros anúncios publicitários da amostra, quando fazem referência à oferta de “segurança”, uma série de elementos seguem como desdobramento. A leitura permite compreender que, segurança é o conjunto de equipamentos e artifícios que constam (ou constarão) no empreendimento. Numa leitura atual é fácil perceber como estes elementos foram suprimidos do discurso, ou seja, naturalizados como implícitos, bastando simplesmente a menção segurança, não sendo necessária a descrição dos mesmos. Sobre esse aspecto, segurança seria, por exemplo, igual a portões automáticos, gradis, identificação de visitantes, controle de acesso, guaritas de segurança, monitoramento por circuito fechado de TV, entre outros.

A necessidade de garantir segurança traz algumas ambigüidades em um mesmo anúncio. Os edifícios são apresentados com localização em bairro tranqüilo ao mesmo tempo em que é oferecido ao morador um sistema completo de segurança, incluindo guarita com vidros à prova de bala. Este contra-senso vai de encontro do que se define como lugar tranqüilo, que, segundo o Dicionário Aurélio, se refere ao lugar “em que reina a calma, a ordem, o equilíbrio, que é de natureza calma, serena, estável”.

Aumenta, portanto, a necessidade de “revestimento” das habitações de uma certa aparência (linguagem) como representação de “status de segurança”, o que pode amenizar a paranóia coletiva; ainda que funcione, principalmente, como fator inibidor e não como barreira definitiva. Apesar das publicidades afirmarem o contrário nenhum sistema é 100% seguro, pois há sempre a possibilidade de uma falha humana. Segurança total é diferente da segurança máxima. A segurança total inexiste. A máxima é aquela possível, embora muitas vezes a publicidade faça crer ao consumidor de que eles a oferecem como absoluta e total. Um exemplo desta ineficiência é o Edifício Vila América em Moema. Considerado o imóvel mais seguro de São Paulo com seu sofisticado sistema de proteção, foi notícia em todos os meios de comunicação, por ter 15 de seus 28 apartamentos de alto luxo assaltados em uma única invasão.

 Esta segurança dita total, está constantemente associada a um tipo específico de parcelamento de terra: condomínio fechado. Essa noção de “lugar seguro” é diariamente construída pela mídia, a partir da sua repetição, associada à “segurança”, sendo possível estabelecer relações interativas.

Na medida em que as pessoas buscam proteção, também desenvolvem processos de auto exclusão, transformando os condomínios fechados em centros isolados na cidade. E, como afirma Churchil: “Primeiro moldamos nossos prédios, depois eles que nos modelam” (9).

Na mesma perspectiva, encontra-se a afirmação de Caldeira: “o ideal de um condomínio fechado é a criação de uma ordem privada na qual os moradores possam a evitar muitos problemas da cidade e desfrutar um estilo de vida alternativos com pessoas do mesmo grupo social” (10).

Seguindo esta ótica, podemos estabelecer relações entre sensação de insegurança, vulnerabilidade e outros males associados à dita violência urbana, que alteram as relações de convivência nos espaços coletivos fora da residência, fazendo com que as pessoas se voltem para o interior de suas habitações, valorizando então, as áreas de recreação incorporadas aos condomínios, que se transformaram em verdadeiros clubes, oferecendo todo tipo de equipamentos de lazer.

Em 1986, uma publicação sobre segurança dizia: “Deve-se esclarecer que as condições para a instalação de sofisticados aparelhos de segurança e lazer nos condomínios fica por decisão dos moradores e independe do tamanho do conjunto de apartamentos...” (11). É fácil constatar que pouco depois, no início da década de 90, esses equipamentos e serviços já estão incluídos nas publicidades, como parte dos imóveis.

Desta forma é possível compreender essas ofertas conjugadas. Enzensberger e de Masi apontam, em diferentes perspectivas, o crescimento desses valores.

Segundo Enzensberger, a segurança é um dos luxos do fim de século. Sobre isto ele afirma:

“A segurança, ela é provavelmente o mais precário de todos os bens de luxo. Na medida em que o Estado não pode garanti-la, cresce a demanda privada e os preços disparam. Guarda-costas, serviços de vigilância, dispositivos de alarme, tudo que promete segurança integra hoje o estilo de vida dos privilegiados, e o ramo pode contar, no futuro, com altas taxas de crescimento” (12).

Sobre a mesma questão, de Masi diz que “...até agora a família e a escola se preocuparem em preparar os jovens para o trabalho, no futuro deverão se preocupar em prepara-los para o tempo livre...” (13), considerando que apenas uma parcela privilegiada da sociedade poderá usufruir desse tempo.

Os anúncios publicitários revelam ainda, o valor da equivalência da segurança e do lazer nas duas cidades.

Há que se destacar também, como apelo e oferta de segurança a apropriação do mercado imobiliário paulista por um certo tipo de saudosismo do passado. Não há quem não relembre com saudades dos tempos em que as pessoas podiam se deliciar com o sossego e a tranqüilidade da rua, ou simplesmente ter mais contato com os vizinhos, como numa cidade interiorana. Aparentemente nesta perspectiva, o mercado, apropriando-se desse imaginário, promove lançamentos com a tipologia própria de vilas ou chácaras, trazendo o morador para outro lugar na cidade, fora do tempo atual ou fora do urbano violento.

No Rio de Janeiro, as poucas vilas existentes, ainda conservam o charme e o estilo de “morar como antigamente” e “representam valorização de 30% sobre o valor de suas construções” (14), embora, não ofereçam status como condomínios, “ao contrário de antigamente, quando as vilas eram abertas, elas ganharam guaritas de segurança, áreas de lazer e portões eletrônicos”. (15) No entanto, ao contrário de São Paulo, essa tipologia não aparece com destaque na publicidade.

Assim como a apropriação das vilas e outros aspectos relacionados ao lazer, a propaganda faz uso de “marcas” ou “assinaturas” garantindo ao consumidor um produto de primeira linha.

O anúncio publicado na Folha de São Paulo de 25/09/93, traz o empreendimento “Actual Home” com uma assinatura “Casa Vogue”. E qual o significado desta assinatura? A inclusão desta griffe, que reúne os melhores estilos de arquitetura e decoração em suas publicações, exclui a necessidade de maiores explicitações sobre o empreendimento, visto que estaria implícito se tratar de algo de qualidade, isto é, a “marca” é apenas um elemento simbólico garantidor de qualidade e status, da mesma forma que outros produtos como, louças e metais Deca, cerâmica Portobello, elevadores Atlas, fechaduras La Fonte, box Blindex, agregam tais valores. A assinatura pode ser analisada no campo do mercado a partir da constatação de que:

“... recentemente promotores imobiliários de apartamentos de alto luxo, no mercado internacional, tem agregado aos predicados dos imóveis em lançamento, uma assinatura relevante, uma griffe. Se de um lado a griffe por sua autoridade tem o sentido de credibilidade, de outro tem o da exclusividade” (16).

Da mesma forma, tal artifício é utilizado em relação à estrutura de segurança, que tem como principal representante a empresa Graber, empresa de renome e líder no segmento, significando para os edifícios que utilizam seus equipamentos de segurança, uma referência de confiabilidade, representando um diferencial na oferta de segurança.

A composição do anúncio passa a valorizar símbolos e logotipos das marcas presentes no edifício diminuindo a explicitação textual do elemento comercializado. A análise permitiu perceber que os elementos de proteção foram gradativamente passando do enunciado para a representação gráfica. Este quadro mostra a consolidação da inclusão da segurança, e, portanto do medo, como apelo a ser utilizado pelo mercado imobiliário, à medida que os novos lançamentos apresentam cada vez mais a inserção de elementos de proteção, como gradis e guaritas. Essa inclusão é, aparentemente, a tentativa de corresponder às expectativas do morador em potencial, embora tais artifícios sejam apenas simbólicos do ponto de vista de proteção, já que sua eficácia na pode ser totalmente garantida ou comprovada.

A oferta de serviços de segurança nos prédios de luxo e alto luxo está diretamente associada ao crescimento do mercado de segurança. Na medida que novos equipamentos são lançados como alternativa de proporcionar “segurança máxima”, estes são absorvidos como apelo de venda e valorização do empreendimento. Mas estaríamos analisando apenas uma vertente desse mercado se nos limitarmos a segurança patrimonial.

O conjunto de anúncios analisado mostra a exploração pelo mercado da sensação de insegurança provocada pelo medo “vendido” pelo noticiário jornalístico.

Essa exploração pode ser percebida pelo uso intenso e quase exclusivo da palavra “segurança” na publicidade imobiliária, relacionando-a somente a um tipo de violência, o que a torna detentora de apenas um sentido.

Assim, é difícil, imaginar que, diante das dificuldades na concepção de um projeto arquitetônico, por todas as suas implicações e face aos problemas a serem resolvidos, apenas a segurança patrimonial se torna relevante. Dentre os aspectos da segurança abordados em qualquer projeto estão a segurança contra incêndio e a relacionada às instalações de gás, rede elétrica, de elevadores, de tubulações em geral, no isolamento e dimensionamento de escadas, de materiais empregados, das varandas (pára-peito), dimensão das vidraças, espessura de vidro, segurança de acessibilidade, dentre muitas outras.

Portanto, diante da infinidade de necessidades inerentes ao objeto-moradia, é interessante notar que somente alguma delas são destacadas na publicidade, como se as outras não fossem imprescindíveis para garantir a qualidade da habitação. Assim, a raridade da abordagem de outro tipo de “segurança” que pode fazer com que o leitor pouco atento e apressado não identifique outros sentidos que lhe são oferecidos esporadicamente como na propaganda que oferece “playground seguro”, que faz pensa em guarita, portão de ferro, alarme etc., embora se trate apenas de “brinquedos seguros”.

O quadro construído revelado pela publicidade atende, através da segurança que transforma em fetiche, o imaginário do consumidor com medo e que procura a melhor oferta no mercado. O medo continua, portanto, mantendo certos níveis do apelo publicitário, provavelmente, porque oferece ainda bons resultado.

Estas análises provocam algumas reflexões e algumas questões:

  • Realmente existe esta necessidade de autoproteção nos níveis identificados, ou esta é uma necessidade decorrente, principalmente, da dimensão da sensação de pânico construída pela mídia?
  • As pessoas precisam realmente se proteger tanto, ou a “proteção” seria a construção que corresponde à construção mediática do medo?

As mesmas análises podem ser relevantes, ainda, por serem também capazes de mostrar a propaganda imobiliária como local da representação simbólica e como materialização das imposições da sociedade de mercado, na medida em que estas imposições acabam, de certa forma, imprimindo determinações no trabalho de projetação e produção arquitetônica.

bibliografia complementar

BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Ensaios críticos III. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1990.

BERGER, Peter L. A perspectiva sociológica. O Homem na sociedade. In: Perspectivas Sociológicas. Uma visão humanística. Vozes, Rio de Janeiro.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro. PUC-RJ, 1996. 127p.

Folha de São Paulo. Edições publicadas entre setembro de 1993 e setembro de 2001.

Revista Veja. Edições publicadas em junho de 1996 e junho de 2001.

notas

1
MARX, Karl. O capital. Livro 1. Ed. Civilização Brasileira. 5ª ed. Rio de Janeiro, 1980, p. 41.

2
ROUANET, Sergio Paulo. As razões do iluminismo. Cia. das Letras. São Paulo, 1987.

3
BACHELARD, G. A poética do espaço. Coleção Os Pensadores. Ed. Nova Cultural, 1988. p. 111.

4
O Globo
, 20/01/02 (foram pesquisadas edições publicadas entre agosto de 1992 e outubro de 2001).

5
ibid

6
Jornal do Brasil, 29/11/92 (foram pesquisadas edições publicadas entre março de 1991 e outubro de 2001).

7
FERRAZ, Sonia M. T. Publicidade imobiliária: A casa mercadoria. Trabalho apresentado na disciplina Problemas Teóricos da Significação II. ECO – Escola de Comunicação. UFRJ. 1993, p. 3.

8
Jornal do Brasil
. 26/05/2001. Caderno Imóveis.

9
Churchill. Apud Construção Civil, nº 335, 09/86, p. 10.

10
CALDEIRA, Teresa P. do Rio. Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. Edusp. 1ª ed. 2000.

11
Condomínios: tranqüilidade, segurança e conforto; Morar com segurança, preocupação constante; A opção pelo conforto e tranqüilidade. Construção Civil, nº 335, 09/86, p. 10-13.

12
ENZENSBERGER, H. M. Luxo de onde vem para onde vai. Folha de São Paulo. Caderno Mais! 30/03/97.

13
MASI, Domenico de. O paraíso e o inferno aqui na terra. Folha de São Paulo. Caderno Folha Equilíbrio. 11/05/2000. p. 19.

14
Jornal do Brasil. 08/09/2001. Caderno Imóveis.

15
Jornal do Brasil. ibid.

16
FERRAZ, Sonia M. T. Op. cit.

créditos

Co-autores: Fabiana Cabral, Geisa Lages e Priscila Soares, alunos do Curso de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense e bolsistas PIBIC/CNPQ

Orientadora: Sônia Maria Taddei Ferraz, professora do Depto de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense.

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