Considerações
O complexo construído da SANASA é urbano. Seu entorno consolidado paulatinamente se verticaliza e se adensa, dentro de um processo conseqüente das políticas urbanas.
A requalificação da área prevê a construção de espaços distintamente públicos e privados. Esses espaços, ora francos e fruitivos, ora controlados e resguardados em suas atividades autônomas, devem se conectar harmonicamente com a cidade.
Fluidez de percursos, transparência, visibilidade e perspectivas devem estar presentes no contorno de seus edifícios, nos seus módulos de cheios e vazios, filtrando o movimento e estabelecendo o fluxo entre arquitetura e paisagem, trabalho e tempo livre.
Lugar
A retirada dos edifícios passíveis de demolição libera uma grande área frontal e paralela à rua Álvaro Ribeiro. Este vazio criado permite que a contígua cobertura do reservatório desativado se transforme em seu espaço contínuo e conseqüente. O local indicado para o auditório de múltiplo uso, junto à avenida da saudade, conclui o percurso dessas ligações.
Faceando três ruas da quadra, essa seqüência de espaços, livres e diretamente relacionados com o tecido urbano, potencializa sua ocupação pública.
O local indicado para o novo edifício da micromedição, ao longo da rua Vitorino dos Anjos, conforma a inteira quadra. Esta área, juntamente com os reservatórios em atividade e seus espaços envoltórios de trabalho, de estacionamento e de futura ampliação, se define como de ocupação privada.
Propomos a separação clara entre os espaços públicos e privados através de muros demarcadores, que intendem não isolar o território, mas sim, definir ocupações e garantir a operacionalidade das partes.
Espaços públicos
A água, elemento primário das atividades da SANASA, alinhava um percurso público denso de acontecimentos, tanto previstos, como não programados.
São propostos, como uma seqüência de espaços variados que se sucedem e se interpolam: a praça das águas, o centro cultural SANASA e o deck de ligação.
Praça das águas
Ágora retangular definida por quatro linhas estruturadoras, paralelas ao sentido da rua Álvaro Ribeiro:
- Linha da sombra – massa de árvores. Vegetação frondosa que, acrescida às árvores já existentes, sombreia e recebe os espaços urbanos sem obstruir o chão – transposição e permeabilidade.
- Linha de estar – bancos em pedra. Sombreados, seus comprimentos diversos em espaçamentos modulares, dão ritmo aos percursos da praça – descanso e deleite.
- Linha das fontes – fontes d’água que brotam do chão. Seguindo o mesmo espaçamento modular dos bancos em pedra, se perfilam em rigoroso alinhamento – movimento e ludicidade.
- Linha do espelho d’água – água tranqüila. Longo e sinuoso, define o limite da praça e desimpacta a presença do muro demarcador entre os espaços públicos e privados – placidez e contemplação.
A praça das águas se configura como espaço franco, desobstruído, convidativo e não monumental. Oferece, na imutabilidade da pedra e no movimento da natureza – água, vegetação, luz e sombras – caminhos livres e variados, que filtram os percursos da cidade.
Centro Cultural Sanasa
O Centro Cultura Sanasa, frontal à rua da abolição e encravado entre o reservatório em atividade e aquele destinado ao centro cultural, distribui-se em três pavimentos:
- Térreo – corpo transparente que convida o visitante e distribui os fluxos. No seu centro, uma ponte metálica sobre um vazio, conduz ao corpo de circulação vertical, ao setor administrativo e de serviços e ao bar/cafeteria, que se abre generoso ao deck de ligação e á praça das águas.
- Superior – caixa maciça metálica alçada em oito pilares que avança em balanço sobre os dois reservatórios semi-enterrados. Abrigando o auditório múltiplo uso, tem seu peso tectônico interrompido e negado pela permeabilidade das perspectivas visuais que a transparência do térreo possibilita. Seu foyer, de grande altura, envidraçado e protegido por brises horizontais, se abre à paisagem do deck de ligação, da praça das águas e da cidade circundante.
- Inferior – sob o vazio do pavimento térreo se instala o local multimídia, destinado ao convívio e à informação e entretenimento que os meios eletrônicos de comunicação proporcionam. A esse local se agrega um pequeno auditório para palestras e “workshops”.
Na continuidade desses ambientes, o reservatório semi-enterrado se transforma em espaço multifuncional, destinado a exposições, laboratórios culturais e oficina para atividades diversas.
Coração e memória do conjunto, o reservatório se mantém íntegro na sua arquitetura. São preservados e recuperados os pilares com sapatas afloradas, a cobertura abobadada em tijolo aparente e as duas linhas de aberturas de respiro nas calotas dessas abóbadas.
A iluminação e ventilação natural dos ambientes acontece por dois fossos junto às paredes de arrimo lateral do reservatório, para onde se abrem portas envidraçadas. Um desses fossos, limitado à divisa do passeio da rua da abolição, recebe um jardim contínuo. O outro, transformado em espelho d’água, se confronta com o muro demarcador entre os espaços públicos e privados, de onde desce uma grande cortina d’água – o brilho e o som da água em movimento se irradiam, protagonizando sensações.
Na cobertura, os respiros se transformam em lanternas envidraçadas que afloram no piso do deck de ligação. De dia, filtram a luz para o interior do reservatório e de noite, como corpos lúdicos luminosos, destacam o centro cultural.
Deck de ligação
A cobertura do reservatório semi-enterrado se transforma no deck de ligação.
Junto ao centro cultural, comporta um terraço que, sob a caixa maciça do auditório, se oferece como extensão do bar/cafeteria. Uma lâmina de pérgulas atirantadas à caixa, dá escala e protege esse terraço. Na outra extremidade, por degraus generosos, recebe o fluxo da praça da águas.
As duas linhas transversais e transparentes das lanternas envidraçadas, assim como, a grande cortina d’água que desce junto ao muro demarcador, dinamizam e dão movimento ao deck de ligação.
A casa de bombas, preservada, passa a ser utilizada como banca de jornais. Ao absorver atividades cotidianas, mantém e reforça, através do uso, a memória do lugar.
O deck de ligação, em madeira, se apóia sobre perfis metálicos. Distribuindo seus esforços nos pilares existentes do reservatório, a estrutura metálica não toca os pontos frágeis da cobertura em abóbadas, viabilizando, assim, sua construção e uso.
Espaços privados
O controle de acessos, a funcionalidade do sistema de percursos internos, assim como, a segurança dos ambientes de trabalho, são determinantes fundamentais do programa distributivo.
Micromedição
Ocupa toda a extensão da rua Vitorino dos Anjos. Sem as barreiras limitadoras de muros ou gradis, o edifício tem sua circulação interna voltada para as vistas da rua.
Panos envidraçados contínuos e protegidos por delgado beiral, explicitam, para a cidade, a dinâmica e o movimento das atividades de trabalho que o edifício contém.
Dois corpos metálicos com rasgos de abertura controlados concluem as extremidades desse edifício, que se integra aos espaços públicos sem perder sua condição privada.
A torre d’água, corpo metálico e esguio, com seu topo iluminado, sinaliza e destaca a presença da Sanasa no espaço urbano.
ficha técnica
Arquitetos
Renato Dal Pian e Lilian Dal Pian
Colaboradores
Pablo Chakur, Cristina Pereira, Amaury Sakakibara, Gabriel Arruda Bicudo, Mário Sérgio Ferreira Lotfi, Filomena Piscoletta.