"A arquitetura provém do vazio, do espaço encerrado, do espaço interior em que os homens andam e vivem. O espaço interior é o protagonista do espaço arquitetônico”
Bruno Zevi
A intenção
O projeto surge do desejo de manter o espaço interno do edifício criando uma grande Ágora [Do gr. agorá < s.f. 1. Praça das antigas cidades gregas, na qual se fazia o mercado e onde se reuniam, muitas vezes, as assembléias do povo] contemporânea: o real espaço da unicidade.
Da Sedução
A sedução desperta o desejo para aquilo que não é nosso interesse. É uma força que nos impele para outra direção. É tão forte que é capaz de mudar o sentido das coisas. Seduzir é desviar o outro da verdade. E ao nos desviar produz à força de um enigma a resolver. É um poder tão forte como qualquer outra forma de poder, ou mesmo mais forte que os demais, uma vez que queremos ser seduzidos. Poder de atração e de distração, poder de absorção e de fascinação, poder de destruição do real, um lance de graça e violência velada. O marketing domina perfeitamente o poder da sedução, sua qualidade iniciática está no não dito, sabe que nesse jogo não existe sujeito e objeto, apenas uma incompletude. Não existe interesse para com a realidade.
Da mesma forma que a magia de um mágico reside no segredo de suas ilusões, que se reveladas perdem o encanto. A arquitetura perdeu muito da sua força, racionalizada, sistematizada e lógica, ela foi despida. Algumas obras são elegantes e belas de serem apreciadas mesmo na sua nudez, mas a grande maioria não passa de um trambolho desajeitado. Leonardo da Vinci também conhecia o poder da sedução e afirmava que o bom arquiteto é aquele capaz de exprimir o sorriso de uma mulher na sua obra. Tal sedução é expressa pelo sorriso enigmático da Monalisa, que até hoje seduz o mundo. O shopping deve ser o espaço da sedução, muito diferente de um espaço sedutor. Aqui não há nem ativo, nem passivo, ela atua nas duas direções, e ninguém as limita ou separa. Ser seduzido é a melhor forma de seduzir. Não deve apenas absorver as pessoas, mas também ser absorvido por elas. Na realidade as pessoas não vão ao shopping simplesmente pelo conforto e praticidade, ou ainda para ver e serem vistas, de forma passiva, estão lá para seduzir e serem seduzidas.
A essência
Volumes
Para atender ao programa de necessidades e também como forma de se preservar o espaço central para uma grande praça/Ágora, criamos novos volumes que ocupam parte dos limites externos definidos pela organização do concurso, onde se encontram mais destacadamente o volume dos cinemas, do supermercado e da loja âncora.
Superfícies
Toda a vedação do shopping, tanto interna como externa será feita com blocos estruturais de concreto, recebendo um revestimento simples, a base de reboco e pintura com tinta acrílica. Limitamos a presença do vidro no exterior, de forma a criarmos nas pessoas a vontade de entrar e descobrir o interior do shopping, seus espaços, suas lojas, suas cores, luzes, suas mutações. Além disso, o vidro está presente nas vitrines, ocupando toda a frente das lojas, bem como na grande cobertura que fecha a Ágora, trazendo para dentro, de forma controlada, a luz natural do sol.
Cobertura
A grande cobertura que se sobressai sobre o shopping, possui duas camadas de vidros, sendo que entre ambas foram colocadas uma seqüência de brises horizontais que controlam e filtram a entrada direta da luz solar para dentro da Ágora. Toda a cobertura de vidro está apoiada em perfis metálicos em forma de treliça espacial que descarregam todos os esforços sobre quatros enormes pilares de concreto. O encontro da nova cobertura com o telhado original é feito por placas de vidros verticais que se ajustam ao desenho triangular do telhado “plisado”, sendo que parte destes painéis possuem mecanismos de abertura pivotante automática para criar um sistema de ventilação forçada.
Espaço excêntrico
A “Coisa”
Ao se adentrar ao espaço da Ágora, no centro do shopping, a primeira vista, deslocado do centro deste espaço encontramos um corpo estranho, um objeto de formas não definidas ao gosto geométrico, no qual se encontram o restaurante e a área de lazer. A “coisa” como carinhosamente o apelidamos é propositalmente uma excentricidade, na medida certa da duplicidade do termo, pois se encontra fora do centro do espaço da Ágora, deslocado no canto da vista de quem chega como se quisesse ser descoberto por um relance, e é excêntrico em sua forma, algo indefinido, não euclidiano, algo ao mesmo tempo estranho e engraçado para aquele espaço, estando lá pousado para ser descoberto, percorrido e tocado. Uma forma estranha dentro de uma organização espacial de um shopping e se definir na imaginação de cada um, que incita a curiosidade e desejo de conhecê-lo.
As nuvens
Sob a estrutura treliçada da cobertura de vidro da Ágora, penduramos alguns “móbiles” em forma de nuvens, construídos com perfis tubulares de aço e lona que flutuam recriando um céu fantasioso e colorido, além de sua função como elementos de controle acústico.
A topografia
O piso da Ágora se apropria da simbologia de um espaço natural ao adotar elementos geológicos artificiais como forma de composição espacial. Rochas, precipitações, pequenos lagos e montinhos recriam a visão de algo que quer se aproximar do mundo exterior sem nunca sê-lo verdadeiramente e nem copiá-lo. São elementos que remontam imagens de uma paisagem exterior, mas são descaradamente artificiais. Um grande tapete de grama sintética recobre uma grande área deste espaço, acompanhando as ondulações e imperfeições do piso; um outro piso monolítico marca alguns caminhos e trajetos que recortam a agora, e a água, em seu estado natural, esta presente em pequenas lâminas formando lagoas rasas o bastante para se molhar o pé.
A marquise
Uma grande marquise se estende do terminal rodoviário indo até a entrada principal do shopping. Sua forma sinuosa surge para quebrar a grande extensão da cobertura, protegendo e orientado o acesso e os olhares ao shopping. Formada de perfis de aço calandrado e chapas metálicas de fechamento, apoiadas em pilares de desenho irregular a grande marquise conduz as pessoas por um percurso que se contrapõe entre um piso plano e de pouca inclinação para vencer o relevo existente e a sinuosidade da cobertura que se movimenta como uma ondulação. Com este mesmo desenho, a marquise se estende até o terminal rodoviário criando um elemento que ampara as pessoas desde sua chegada.
Diretrizes projetuais
Levando em conta o orçamento disponível, a realidade construtiva e cultural brasileira e o conceito de “pegada ecológica”, nosso projeto conscientemente abre mão do uso de tecnologias inovadoras, não se fazendo valer desses recursos como fim.
Adotamos para a estrutura dos anexos a alvenaria estrutural que é largamente difundida podendo utilizar mão-de-obra local. Ou até mesmo, formar mão-de-obra especializada através de cursos ministrados pela UNISINOS, criando condições para que a população das redondezas se beneficie do empreendimento de maneira direta, garantindo assim a sustentabilidade econômica da região.
Devido às limitações de pé-direito, as instalações foram dispostas de forma a serem sempre facilmente acessadas e mantidas, por isso seguem pelas galerias técnicas e pelo piso suspenso do mall subindo e descendo através de shafts.
Instalação elétrica
A instalação elétrica é alimentada a princípio pela concessionária local e por geradores à gás natural, transformadores existentes ou novos a seco e gerador de emergência.
A iluminação foi pensada não só para economizar energia mas também para não aumentar a carga térmica desnecessariamente. Adotou-se luminárias de alta eficiência e rendimento com lâmpadas fluorescente e reatores eletrônicos de alto fator de potência controladas por sistema com controle fotoelétrico. O ganho com este sistema é progressivo uma vez que tende a diminuir o gasto com energia e aumenta a vida útil das lâmpadas.
Instalação Hidrossanitária e Pluvial
A instalação hidráulica é composta de dois grandes reservatórios de água potável abastecidos pela concessionária com reserva técnica para os sprinklers e hidrantes e duas cisternas localizadas no subsolo para a água de reuso.
O esgoto sanitário e a rede de águas pluviais são conectadas a uma central de tratamento localizada no subsolo.
Condicionamento natural
Analizando os dados bioclimáticos para São Leopoldo, se percebe a grande variação climática ao longo do ano caracterizado por estações bem definidas.
Em 22% das horas do ano haverá conforto térmico, enquanto que no restante (78%) o desconforto se divide entre 26% gerado pelo calor e 52% gerado pelo frio.
A partir disso tomamos algumas medidas construtivas e arquitetônicas visando garantir o conforto dos usuários a maior parte do tempo possível, como por exemplo, o uso de alvenarias isolantes nas paredes externas dos volumes, o uso de vidros com alta trasitância de luz diurna, baixa absorção térmica e controle adequado de raios UV, a garantia da ventilação cruzada no verão e o isolamento do edifício no inverno.
Climatização / Aquecimento
Como já foi dito o edifício foi pensado racionalmente para evitar a entrada da luz e do calor direto do sol. Apesar das medidas arquitetônicas para minimizar a carga térmica, o volume a ser climatizado/aquecido é muito grande. Por isso, foi adotado o sistema de água gelada com a utilização de chillers por absorção alimentados pelo calor gerado pela queima do gás natural.
Poderiam se realizar estudos junto ao Departamento de Engenharia Elétrica da UNISINOS para a utilização de aparas de madeira, uma vez que o parque moveleiro é muito forte no Rio Grande do Sul. Em países árabes, há uma versão que utiliza captadores solares para a geração do calor.
Diretrizes de sustentatibilidade
Apesar dos nossos estudos e propostas, acreditamos que seja fundamental o diálogo e a participação,principalmente, dos Departamentos de Engenharia. A idéia é que este empreendimento tanto na etapa de projeto como na etapa de execução se transforme num grande “laboratório” da UNISINOS.
Materiais
A partir do conceito de “pegada ecológica” foram levados em consideração três aspectos: transporte, perdas e manutenção.
A maioria dos materiais empregados são facilmente encontrados no sul do país.
O concreto utilizado na obra é do tipo CPII-E ou CPIII feito de escória de alto forno siderúrgico com agregado reciclado de concreto proveniente de demolição. A própria UNISINOS poderia gerenciar estas soluções, uma vez que faz parte do Projeto Reciclar para Construir.
O piso interno das circulações é de borracha feita a partir da reciclagem das sobras de fábricas de chupetas.
Água
Além do abastecimento proveniente da concessionária, equipamos o shopping para reutilizar a água do esgoto sanitário e da chuva. Apesar do uso para consumo demandar equipamentos muito caros que inviabilizariam o empreendimento, essas águas serão tratadas e armazenadas em cisternas específicas para rega de jardim, lavagem de pisos e esquadrias, descarga dos vasos sanitários, abastecimento dos espelhos d'água e do sistema de ar condicionado / aquecimento.
O esgoto sanitário será lançado num sistema composto por filtros anaeróbicos que conseguem eliminar de 90 a 96 % da DBO (demanda bioquímica de oxigênio).
A água da chuva será captada pelas calhas e lajes do shopping. Após o descarte da “primeira água”, ácida e cheia de impurezas, ela será lançada num filtro autolimpante e finalmente será armazenada e clorada.
Estão previstos dois reservatórios superiores para a água potável abstecidos pela concessionária e duas cisternas para a água tratada de reuso.
Energia
Após vários estudos chegamos a conclusão de que as tecnologias alternativas de produção de energia são caras (eólica) e/ou limitadas (fotovoltaica) para um empreendimento deste porte e localizado dentro do perímetro urbano.
Apesar do relativo alto custo inicial, acreditamos que a melhor solução a médio e longo prazo é a co-geração aliada a um sistema de climatização por absorção.
A co-geração é um sistema que gera energia elétrica e a vapor, de forma simultânea e em série, a partir de um único combustível, no caso o gás natural. O processo é simples. Motores movidos a gás natural geram energia elétrica e os gases de escape são ligados a uma caldeira de recuperação de calor. Essa caldeira é usada para alimentar máquinas de refrigeração pro absorção, que transformam calor em frio.
O combustível utilizado é o gás natural. Seu fornecimento é estável e trata-se de uma energia limpa, não poluente, pois o gás natural queima totalmente, sem deixar resíduos na atmosfera. Além disso, representa uma economia em torno de 50% no gasto com energia elétrica.
Atualmente, a utilização da co-geração vem crescendo substancialmente entre os grandes consumidores de energia, como indústrias e shoppings.
A idéia é que a princípio o shopping utilize a co-geração nos horários de pico quando as tarifas são excessivamente elevadas. Estudos se fazem necessários para um gradual aumento da relação concessionária x co-geração visando no futuro uma possível auto-suficiência energética e a possibilidade de venda do excedente. O empreendimento ficaria assim livre do racionamento e teria um ganho progressivo na economia via preço.
ficha técnica
Arquitetos
Heraldo Ferreira Borges, André Victor de Mendonça Alves, Fabiano Vieira Dias e Fabrício Sanz Encarnação
Escritório
Universo paralelo
Colaboradora
Ana Dieuzeide Santos Souza
Equipe técnica
Marco Romanelli (conforto ambiental), Mindszenty José Garozi (sustentabilidade), Carlos Augusto Nogueira da Gama (estrutura), Wattson Lima Muniz Júnior (instalações), Multifrio (ar condicionado), Fabrício Sanz Encarnação (programação visual), André Victor de Mendonça Alves (maquete eletrônica)