O problema das Águas
Vítima de um processo de urbanização acelerado e irresponsável, caracterizado pela ocupação de áreas impróprias e pela redução de áreas verdes, a Zona Leste da capital paulista apresenta desequilíbrios ambientais graves, como o aumento expressivo de temperatura e o agravamento das cheias fluviais. A carência de áreas verdes nesta zona da cidade é um problema de inquestionável preocupação.
Nos arredores do Aricanduva, região conhecida pelas recorrentes enchentes que freqüentemente assolam os bairros adjacentes, esse mesmo processo de urbanização foi responsável pela ocupação do leito maior do rio, assim como pela excessiva impermeabilização do solo. Em uma várzea tão generosa como a do Aricanduva, que alcança em alguns trechos até um quilômetro de largura, esses fatores são ainda mais preocupantes. A cidade, que hoje se encontra a 100 metros do rio, é invadida freqüentemente por um volume de água anormal. O trânsito metropolitano da avenida Aricanduva é paralisado. Essa situação torna esses trechos de cidade ineficientes e precários como cidade. A desvalorização imobiliária e a instalação de revendas estranhas aos bairros vizinhos desenham os arredores da avenida Aricanduva hoje.
Sendo assim, as enchentes, além de consistirem um problema de saúde pública grave, determinam uma situação urbana indesejável, de uma qualidade de vida e de espaço precária e ineficiente. A gravidade desse problema é perceptível nos esforços dos planos de ação estadual de combate às enchentes. Conjuntamente com o Pirajussara, o rio Aricanduva é prioridade nesse tema. O projeto mais recente propôs onze piscinões de contenção, sendo que nove já foram implantados. As enchentes excessivas ainda continuam e a população se mostra resistente à colocação de tais obras nas proximidades de suas residências. O que se propõe aqui é uma outra abordagem de projeto para o mesmo problema.
Recuperar o leito do Rio
Propõe-se a implantação de um parque linear de oito quilômetros de extensão, completamente inserido na área da mancha de alagamento atual. Busca-se a naturalização do rio, reencontrar seus meandros e desenhar alguns alagados. Aqui, o processo das cheias é compreendido como um movimento natural e desejável do rio. O leito é o espaço seu espaço de movimento e ele ocorrerá exatamente lá, dentro dos limites do parque.
Para isso, optou-se pela desapropriação de uma ou duas quadras adjacentes ao rio, compondo uma faixa contínua de, aproximadamente, 200 metros de largura em cada margem. A justificativa de tal ação não é somente o ganho óbvio de área permeável para diminuição da intensidade das enchentes, a isso se associa também a vontade de reestruturar a várzea do Aricanduva, de transformar seu comércio dependente da avenida, de modificar suas residências reféns das cheias e de aproximar duas margens que se encontram interrompidas por um espaço estranho à escala do pedestre e ao cotidiano dos bairros.
Costura urbana
A avenida Aricanduva, sendo parte do anel metropolitano de São Paulo, apresenta um intenso trânsito de veículos que se locomovem entre as zonas de São Paulo. Na forma pela qual está hoje disposta no leito do rio, sua fluidez está suscetível tanto às enchentes quanto aos cruzamentos em nível das travessas dos bairros. Compreendendo a importância do caráter expresso desse eixo de locomoção da cidade, propõe-se a elevação da avenida a cinco metros de altura do solo da várzea, garantindo uma cota seca permanente, a ininterrupção do trânsito e a continuidade espacial entre as duas margens do Aricanduva.
Dessa forma, as travessias de veículos acontecem com mais freqüência, a cada 600 metros, através do parque e sob a avenida elevada. Nessas travessias se encontram os pontos de parada do transporte coletivo (ônibus passa-rápido) a ser instalado na nova avenida. Esses pontos são acompanhados por edifícios comerciais suporte que se constituirão em elementos de orientação em um parque tão extenso.
A nova avenida ganha um desenho próprio, desvinculado do traçado do rio, e oferece, assim, uma diversidade paisagística interessante à região. A grande estrutura atravessará o parque em toda sua longitude, oferecendo uma marquise de passeio que integrará todos os diversos espaços e programas do projeto. A marquise sob a avenida elevada é a espinha dorsal do parque, pois é a circulação central e a porta de acesso principal do público.
O parque proposto é setorizado em áreas que receberam conjuntos de programas específicos a cada uma. Foram concebidos três núcleos principais: um maior, ao centro do parque, e dois menores, um próximo do CEU Aricanduva e outro na Vila Manchester. O primeiro núcleo, por estar localizado na confluência de diversos meios de transporte, apresenta um programa de abrangência municipal (praça de shows, pavilhão expositivo e hospital). Os outros dois são núcleos de equipamentos esportivos e educacionais que oferecem suporte às escolas vizinhas.
Sendo assim, os programas escolhidos buscam suprir a carência dos bairros contíguos, oferecendo recreação aos moradores e suporte às atividades pedagógicas escolares. Conjuntamente, busca atender às demandas da Zona Leste por lazer e por atividades culturais. A implantação de programas carentes à região auxilia na proposta de tornar a várzea uma área de continuidade dos bairros, um espaço buscado pelas duas margens e pela cidade.
O desenho do Parque
Marcada pelo eixo longitudinal da marquise, a circulação do parque é hierarquizada em caminhos principais de travessia e em outros menores de passeio. A principal preocupação era oferecer um espaço atraente de lazer, que estimulasse a visitação. Prescindia-se desenhar uma paisagem diversificada e inusitada. Essa busca por paisagens variadas e contrastantes levou à proposição de densas massas arbóreas em contraste com grandes gramados e de pequenas movimentações de terras (morrotes) em contraste com as planícies naturais da várzea, gerando ambientes ora amplos ora reduzidos e estimulando usos espontâneos do espaço público.
O que se propôs aqui foi uma outra cidade, inversa da atual instalada às margens do rio Aricanduva. Propõe-se uma que se volta ao parque, ao rio; que busca o rio, que desce ao rio, que se encontra as suas margens.
ficha técnica
Autores
Ana Carolina Amorim
Cássia Itamoto
Ligia Medina
Marco Aurélio Grenier
Sueli Inoue
Vito Macchione
Profesor Orientador
Fábio Mariz Gonçalves – FAUUSP