Memorial Descritivo
“É impossível esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não tenham essas características”. (MARICATO, 2001, p. 51)
A teórica Françoise Choay afirma que a partir da revolução industrial, as nossas cidades tornam-se hiposignificantes, limitadas a um só significando, o da eficiência econômica.
... “El término hiposignificante indica que el sistema construído há conservado um sigificado preciso y limitado ; desde la revolucion industrial está ligado exclusivamente al nuevo modo de produción, tanto em su aspecto tecnológico como econômico. ”(CHOAY,Françoise .Urbanistíca y Semiologia em “El significado en Arquitectura”, Org.Charles Jencks,pág.25)
A conseqüência disso é a criação de guetos, a delimitação de espaços para ricos e pobres, a exclusão. Seu objetivo é gerar espaços lucrativos, ela tem que ser uma máquina de ganhar dinheiro, gerando assim cidades genéricas, onde o singular desaparece e o capital multinacional assume como o significado principal. Possibilitando o aparecimento do Junkspace, uma cidade fragmentada, dual, uma rica e a outra miserável. Temos que tentar enxergar que os problemas se originaram no sistema capitalista, como apontou o arquiteto Vilanova Artigas:
...”Que ao proletariado se convença que o cortiço, a ignorância, a fome, a “reduzida e mesquinha forma de vida que é obrigado a levar”, têm a sua origem não na exploração do homem pelo homem, na essência do regime capitalista, mas “no estado atual de nossas cidades”, no caos urbano.” (ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da Arquitetura, pág. 40).
Mas como criaremos espaços hipersigficantes em uma sociedade capitalista? Como transcender?
O Lócus
Ao escolher a área de desenvolvimento ‘projetual’, pareceu que a ordem estava invertida, quando o tema deveria achar o lugar, parece que o lugar desenhou o tema a ser trabalhado. Ilustrando claramente o que as discussões de conteúdo teórico, representavam na vida real. Um espaço que sofre com um processo de segregação com a implantação de diversos empreendimentos que não são voltados para todos, que não incluem, apenas excluem. Passam a ser estes os “donos” da região, devido ao seu o poder econômico, conseguem destruir espaços públicos e modificar a legislação da cidade segundo os seus interesses. Criando assim uma cidade fragmentada, onde gerar riquezas significa excluir e aumentar as desigualdades. Assim desfragmentar o Dom Bosco é uma forma para criar no futuro novos espaços para os empreendedores, esvaziar de toda a sua hipersignificância, para que a comunidade não reconheça aquele espaço como seu, mas sim como apenas mercadoria/troca/hiposignificante.
O bairro Dom Bosco surge em 1927 como um loteamento, devido ao baixo preço da terra torna-se atrativo para as populações mais carentes, atualmente conta com cerca de 5000 habitantes, principalmente das classes D, E e F. A comunidade não possui uma área de lazer, creche, escola, e possui áreas sem saneamento básico.A praça, José Gatta Bara-Curva do Lacet, próximo a comunidade foi destruída após a inauguração do centro de compras em 2008, e transformado num imenso gramado, no local havia um campo de futebol e uma parque infantil. Neste pequeno fragmento do mundo, podemos visualizar a especulação imobiliária, a criação de espaços hiposignificantes e a acentuação da divisão da cidade.
Proposta_ Expansão Modus Vivendi do Dom Bosco
Consiste em ações não consumistas, onde o lucro não é importante, onde a vida em comunidade é valorizada, um espaço onde você encontre, confraternize e viva bem. Onde a arquitetura volta para a sua essência, a de abrigar, acolher e proteger das intempéries, e foge velozmente das tendências estilísticas . Tornar hipersignificante; possuir vários significados; múltiplas expressões; diferente de hiposignificante; não limitado a um só significado. Como define Choay:
“Estos sistemas construídos son, como tales , especificos y puros, pero interfieren y son interferidos, condicionan y son consicionados por otros sistemas. De esta forma , que incluye reaciones mentales y espirituales, y por tanto los llamaremos hipersignificante”. (CHOAY, Françoise. URBANISTÍCA Y SEMIOLOGIA em El significado en Arquitectura, Org.Charles Jencks,pág.25)
O não-acabado é assumido como característica inerente ao espaço, este abrange dois conceitos, o primeiro refere-se aos materiais, onde estes devem ter... ”a sua cor, a textura própria, porque o seu funcionamento deve ser “orgânico”, diz Wright; as qualidades, a natureza dos materias, são um dado do problema. Pintá-los, acrecentar-lhes qualidades que não são as sua próprias, empregá-los de maneira que constranja seus valores, é mentir e vilipendiar os materiais.” (ARTIGAS, Vilanova- Caminhos da Arquitetura, pág 35). O segundo conceito é a mutabilidade do espaço, ele pode ser modificado, ele é livre, para que cada família participe da formação do seu espaço. Características estas já presentes na arquitetura das periferias, favelas e etc. Criando espaços hipersignificantes.
“[...] a participação não é um dom paternalista, mas uma característica inerente a elaboração da obra aberta. [...]”
“Como fruto das sete invariáveis (da linguagem da arquitetura moderna), o não acabado é condição para que a arquitetura se encontre envolvida na paisagem urbana, assimile suas contradições, se afunde no lixo e no Kitsch, com o objetivo de os recuperar a nível expressivo. Os sociólogos revelam que no slums, bidonvilles, favelas e barriadas existe um intercãmbio comunitário que é ignorado nos bairro<<planificados>> de casa populares. Por quê? Porque a estes últimos falta a aventura, o espírito pioneiro, o sentido de vizinhança, o kitsch espontâneo, com os seus aspectos negativos e, no entanto, impregnados de vitalidade. Pois bem, na linguagem moderna não acabada a participação é o complemento estrutural indispensável a ação arquitetônica. ” (Bruno Zevi, A linguagem Moderna da Arquitetura- págs. 75 e 76)
Refletimos sobre a posição do arquiteto, que ao muitas vezes ao deparar com o objeto de estudo, não percebe as necessidades reais e impõem muitas vezes uma percepção unidimensional do mundo. Até quando conseguiremos produzir edifícios que não são pensados pertencentes a um todo? E como criar uma arquitetura que não domine o usuário, mas permita a ele a fazer diferentes leituras do espaço? Como não impor neste a ideologia da ordem dominante? Como desconstruir a dominação? Como podemos modificar a lógica existente? Fazer uma obra crítica a sociedade basta?
Tentaremos neste projeto esboçar uma resposta, sabendo que na verdade esta levantará mais questões. Onde o projeto é apenas o começo e não um fim nele mesmo.
...”Mas é claro também que, enquanto a ligação entre os arquitetos e as massas populares não se estabelecer, não se organizar, em quanto a obra dos arquitetos não tiver a suma glória de ser discutida nas fábricas e nas fazendas, não haverá arquitetura popular. Até lá...uma atitude crítica em face da realidade.”(ARTIGAS, Vilanova_Caminhos da Arquitetura, pág 49)
ficha técnica
Local
Bairro Dom Bosco_ Juiz de Fora_ Minas Gerais_ Brasil
Projeto
Inserção de uma casa na praça Curva do Lacet.
Área total
54m2
Autor
Paulo Stuart Angel Jacob da Silveira