Infra-estruturas para a vida cotidiana
Edson da Cunha Mahfuz
Há algum tempo venho falando sobre a inoperância das administrações públicas no que se refere à criação de equipamentos que possam elevar a qualidade da vida diária dos habitantes das nossas cidades.(1) Concentro a crítica nas administrações públicas porque, por mais bem intencionada que seja a iniciativa privada, há coisas que só o poder público pode realizar ou idealizar, pois a elevação da qualidade da vida urbana não pode ter como objetivo o lucro financeiro.
É prática comum das administrações públicas européias a criação de infra-estruturas para a vida cotidiana, o que significa, entre muitas outras coisas, a construção de novas bibliotecas de bairro, que propiciam a vida cultural e social; a remodelação dos mercados de bairro e dos seus entornos, o que enriquece as relações entre vizinhos; e as muitas propostas para centros de criatividade, aproveitando antigos complexos industriais da cidade. A isso poderíamos agregar centros de saúde, centros esportivos, clubes de convivência, etc. Tudo isso amparado pela construção de ‘habitação protegida’ construída pelo poder público para abrigar não apenas as famílias de constituição tradicional mas também grupos especiais como os idosos, os jovens, etc. Bem igual ao que estamos acostumados nas nossas cidades, grandes e pequenas, não é mesmo?
Um convite do jornal gaúcho Zero Hora para que eu contribuísse com idéias sobre a revitalização do Arroio Dilúvio, em Porto Alegre, me permitiu colocar em prática algumas daquelas idéias.
O Arroio Dilúvio se estende por mais de 10 km, no sentido leste-oeste, desde a sua nascente até o Lago Guaíba. Ao longo do arroio existe uma avenida de grande importância para o trânsito regional e ao longo da qual se encontram várias instituições de ensino, como o campus médico da UFRGS e o campus da PUC.
Um breve estudo da urbanização existente ao longo da avenida Ipiranga indica carência de equipamentos urbanos como os que mencionei acima. A minha proposta visa minimizar essa carência de infra-estruturas para a vida cotidiana, utilizando parte do espaço disponível sobre o arroio para a construção de 10 equipamentos de uso coletivo e público. A área a ser ocupada não representaria nem 10% da extensão do curso d’água.
A condição necessária para a implantação desses centros seria a recuperação do arroio como curso d'água pelo seu saneamento e controle futuro para que não seja poluído novamente. Concomitantemente, toda a borda do arroio deveria ser urbanizada, por meio de plantação de árvores e implantação de mobiliário urbano de qualidade.
Em termos de uso, esses centros abrigariam atividades como bibliotecas, centros de convivência (para jovens, para aposentados, etc), centros esportivos, centros de saúde de bairro, salões de uso múltiplo, praças bem projetadas, etc.
Cada um desses centros de atividade seria composto por uma plataforma que cobriria o arroio e de um edifício de 3 a 4 andares elevado sobre um térreo transparente ou vazado (o que evitaria que o edifício se tornasse uma barreira visual). Na área da plataforma não ocupada por um edifício haveria sempre algum uso esportivo ou uma praça. A criação de novos espaços abertos públicos é fundamental numa área em que há falta de praças e quadras esportivas.
Esta não é uma proposta visionária nem cara. Construtivamente, esses objetos seriam fáceis de construir utilizando elementos pré-moldados metálicos e de concreto, tanto nas plataformas como nos edifícios. Os recursos para sua construção sairiam do orçamento municipal, pois o que se está propondo é que a administração municipal cumpra a sua obrigação, dotando a cidade de equipamentos que podem resultar na tão propalada elevada qualidade de vida de Porto Alegre, hoje um fenômeno meramente virtual.
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