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IAB-MG cria concurso para revitalização do Mercado Distrital do Bairro Cruzeiro, patrimônio municipal localizado em Belo Horizonte. Objetivo da “Premiação Viva o Mercado!” é evitar planos da Prefeitura Municipal de demolição do edifício.

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ANDRADE, Ulisses Morato de. Frutas, legumes, arquitetura e democracia! O caso do Mercado Distrital do Cruzeiro, Belo Horizonte – MG. Projetos, São Paulo, ano 11, n. 132.01, Vitruvius, dez. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.131/4165>.


A palavra mercado, ironicamente, despertou em Belo Horizonte, os ânimos da população e nos fez lembrar o refrão do saudoso Cazuza: ”Ideologia, eu quero uma pra viver!” Numa era em que o Shopping Center é a nossa Meca do consumo e numa sociedade onde a “entidade” mercado geralmente determina as regras do jogo, talvez não houvesse espaço para o velho Mercado de Abastecimento e nem tampouco para a boa, e também velha, mobilização popular. No entanto, as coisas não são tão lineares assim, às vezes a história nos prega algumas peças.

Foi o que se viu por aqui recentemente, o povo se mobilizou em torno de uma causa e “botou a boca no trombone” quando soube que a Prefeitura Municipal iria demolir um dos últimos remanescentes dos chamados Mercados Distritais da capital mineira. No lugar, seria construído um megaempreendindo de 111.000 metros quadrados composto por um centro comercial e gastronômico, dois hotéis, um estacionamento para 1.900 veículos e áreas para os atuais permissionários do Mercado.

Este projeto, resultado de um Pedido de Manifestação de Interesse (PMI 05/2010), publicado em agosto de 2010, provocou imediata reação contrária de moradores e associações do bairro que de pronto bateram à porta do seu vizinho, o Departamento de Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG) para solicitar um parecer técnico sobre empreendimento em questão. A conclusão foi que os impactos seriam muito maiores que os benefícios propalados pela proposta. O aumento do trânsito de veículos, o adensamento construtivo, descaracterização do bem cultural de uso público e a drástica redução de um importante vazio urbano, foram alguns dos fatores negativos apontados.

Desde 1974, o Mercado Distrital do Bairro Cruzeiro, patrimônio municipal localizado na região centro-sul de Belo Horizonte, vem funcionando no prédio desenhado pelo renomado arquiteto mineiro Éolo Maia. A obra, construída com uma interessante mescla de concreto aparente e estrutura metálica, abriga uma variedade de tradicionais barracas de frutas, verduras, bebidas, produtos regionais e bares. Espaço da coletividade, ponto de encontro e atividades culturais, o Mercado, além de ser um ponto de referência na capital, possui uma característica que o torna especial - é rodeado por generosas áreas livres e parques arborizados, um oásis no adensamento extremo da cidade.

Em se tratando de espaço com tamanha relevância para a capital, do ponto de vista urbano, arquitetônico e cultural, mais uma vez o IAB-MG não se furtou ao papel que vem desempenhando nos seus 67 anos de existência. Abraçou a causa e, além de encaminhar medidas institucionais de proteção ao bem público, criou e organizou um concurso de arquitetura para garimpar idéias alternativas ao projeto da prefeitura. Em parceria com a Associação dos Cidadãos do Bairro Cruzeiro – AMOREIRO, a Associação dos Comerciantes do Mercado Distrital Cruzeiro - ACOMEC, e com apoio do Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais – SINARQ-MG, a entidade organizou e realizou a “Premiação Viva o Mercado!” Além de cumprir seus propósitos, a Premiação foi um excelente veículo para o IAB-MG pautar junto à sociedade uma de suas diretrizes de constituição estatutária: a defesa do Concurso Público de Arquitetura como forma legítima de escolher dentro da lei de licitações, projetos para espaços públicos ou que envolvam contrapartida pública, reafirmando a importância desse poderoso instrumento para a tomada de decisões no planejamento de nossas cidades.

E assim foi feito, várias equipes de talentosos arquitetos se inscreveram e colocaram seus corações e mentes à busca de soluções criativas para a revitalização do Mercado. As diretrizes programáticas do edital foram alinhavadas com os principais grupos envolvidos: comerciantes, usuários do Mercado e moradores do entorno. O viés democrático deste processo já se manifestou no seu nascedouro! Afinal, como diz ditado, “a voz do povo é a voz de Deus!” Em linhas gerais, a população organizada postulou, por meio da Premiação, a preservação e recuperação da arquitetura original do prédio do Mercado, a realocação e ampliação dos estacionamentos, a criação de uma grande área destinada a atividades ao ar livre onde hoje funcionam seus estacionamentos. Tudo isso integrado às áreas verdes que ainda estão preservadas ao redor. A sustentabilidade econômica das proposições também seria levada em conta já que a prefeitura manifestou não dispor de recursos para investir naquelas paragens.

De posse dos projetos inscritos, a comissão julgadora, na qual tive a honra de participar, elegeu as três propostas mais coesas e alinhadas aos “reclames” do edital. Em meados de agosto do corrente, saíram da sede do IAB-MG os projetos coordenados pelos arquitetos João Diniz, André Luiz Prado e Francisco Albano de Andrade. E saíram literalmente, pois, foram levados a júri popular na praça central do próprio Mercado!

O “Fórum Viva o Mercado!” realizado uma semana após a escolha do júri técnico, foi um evento ímpar, histórico, destes que ficarão guardados na memória de quem o vivenciou. Arquitetos, feirantes, professores universitários, músicos, moradores do bairro e usuários desavisados comungaram os ares impregnados dos secos & molhados e das idéias sobre arquitetura e urbanismo! Entremeadas por shows de samba, chorinho, MPB, aconteceram as palestras sobre os Mercados de Madri, as explanações das equipes finalistas e a votação em urna que recebeu votos de 482 pessoas. Uma verdadeira confraternização das forças participativas que se aglutinaram para uma ação exemplar de cidadania! E o que é melhor, com alegria, em clima de festa!

Contabilizados os votos do júri popular, apurou-se a seguinte classificação dos projetos finalistas;

Primeiro lugar: 203 votos
Projeto nº 06: Francisco Albano Andrade e equipe: Gian Paolo Lorenzetti e Rodrigo Ferreira Andrade;

Segundo lugar: 179 votos
Projeto nº 01: João Antônio Valle Diniz e equipe: José Luiz Baccarini Neto, Pedro de Carvalho Guadalupe e Marcílio Gazzinelli (fotógrafo);

Terceiro lugar: 97 votos
Projeto nº 03: André Luiz Prado e equipe: Alexandre Brasil, Bruno Santa Cecília, Carlos Alberto Maciel, Paula Zasnicoff, Pedro Lodi e Rafael Gil Santos.

Ao cabo de todo o processo ficou a certeza de que a sociedade civil organizada cumpriu seu papel de maneira exemplar. Um passo à frente já foi dado, diante às críticas ferrenhas da comunidade e dos arquitetos, a Prefeitura Municipal já anuncio o descarte do projeto da discórdia! Agora, fica a expectativa que a municipalidade também acolha e, efetivamente, utilize os resultados dessa frutífera mobilização em prol da revitalização do Mercado do Cruzeiro.

nota

NE
Agradecimento especial a Bruno Santa Cecília pela ajuda na iconografia antiga do mercado.

sobre o autor

Ulisses Morato de Andrade é arquiteto e diretor de Projetos Especiais do IAB-MG.

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Ulisses Morato de Andrade
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