O Projeto Urbano Córrego do Antonico, localizado em Paraisópolis, insere-se no Programa de Urbanização de Favelas promovido pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo.
Paraisópolis é a segunda maior favela da cidade, com cerca de 60.000 habitantes. Surgiu como resultado da invasão de um loteamento regular fracassado, assentado sobre uma topografia enérgica com a qual o projeto de urbanização nunca se relacionou. Cortando uma trama urbana ortogonal de 1 km2, há um córrego tornado subterrâneo pelas construções que sucessivamente se lançaram sobre o veio natural de drenagem e suas águas.
O Programa de Urbanização contempla um conjunto abrangente de obras de infraestrutura urbana, equipamentos sociais e novas habitações. Especificamente, o saneamento e drenagem são ações estruturantes para a melhoria das condições de habitabilidade de toda a favela. As obras de reurbanização do Antonico exigirão a remoção das habitações irregulares sobre as áreas não edificáveis do córrego. Contudo, resultará na principal estrutura de articulação dos espaços públicos. Consequentemente, seu projeto é um dos principais instrumentos para a promoção da urbanidade do novo bairro que emergirá no final do processo.
O projeto de drenagem e a reconfiguração das áreas livres resultantes das remoções constituem-se no escopo inicial desse trabalho. Entretanto, a principal questão a se enfrentar é a manutenção futura dos espaços abertos, evitando novas ocupações irregulares.
A estratégia proposta é articular duas esferas de investigação projetual. A primeira operará sobre a redefinição do paradigma da infraestrutura urbana. A segunda operará na construção de formas de imaginário popular atuantes sobre o uso do espaço.
Reconceituar o sistema de drenagem
O projeto busca alternativas de reconciliação da favela com as águas, superando sua visão como problema, para então ser desfrutada no cotidiano da população. Parte da premissa de que é possível reconceituar o modelo de sistema de drenagem de forma a atender tanto as demandas técnicas do sistema hídrico, quanto fomentar a construção de urbanidade dos locais por onde passa.
No Estado de São Paulo, as diretrizes vigentes para a elaboração de novos sistemas de drenagem impedem o tamponamento dos rios e córregos. Esse princípio, no caso de um regime fluvial tropical, exige a disponibilidade de vastas áreas planas de várzeas para o alargamento do curso de água nas situações de fortes chuvas. Essas áreas não se encontram mais disponíveis no interior de áreas densamente urbanizadas, onde os custos sociais das remoções são muito elevados. A solução proposta pelos engenheiros sanitários parte do aprofundamento da calha dos cursos d’água para receberem os volumes expressivos de taxas de retorno de até 100 anos. Resulta que a lâmina d’água perene afasta-se do chão da cidade, enquanto as calhas permanecem subutilizadas na maior parte do tempo.
Nesse projeto, a proposta é distinguir os fluxos. Apenas o fluxo de base será mantido superfície do canal, acrescido de vazões de cheia controladas e compatíveis com o adensamento urbano. Assim, o fluxo das grandes chuvas será direcionado para uma galeria extravasora subterrânea, não conflitando com o frágil tecido urbano de uma favela.
A expectativa é que o atendimento da rede de saneamento será elevado. As águas superficiais que fluirem pelo canal aberto receberão sistemas adicionais de limpeza biológica da água, mitigando os efeitos da poluição difusa remanescente. O que permitirá o contato da população com o novo córrego.
Construir formas de imaginário
Em paralelo ao canal, será gerada uma faixa livre de largura mínima de 10 m, obtida através da remoções de 698 unidades. O intuito é garantir o acesso aos imprencindíveis serviços de manutenção. Essa faixa livre será também reprogramada para receber muito mais do que simples valores funcionais. A passagem de veículos, que não os de serviço, será impedida. Como alternativa à locomoção, será implantada uma ciclovia conectada à uma rede prevista no Plano Diretor do município. Será o principal eixo de mobilidade interno ao bairro, já que assentada sobre as declividades mais suaves encontradas em Paraisópolis. Fora de seus limites, seu eixo será prolongado até encontrar a mais recente linha de metrô, conectando a população ao sistema de transporte de massa da metrópole.
O fluxo, que se imagina intenso, será o principal promotor de dinâmicas que ativem e resguardem o uso dos espaços. Uma faixa média de 1,70 m será disponibilizada aos moradores das edificações lindeiras à faixa do córrego. Uma vez as casas ampliadas e transformadas em comércios e serviços, uma nova frente urbana surgirá, apta a promover a geração das economias locais ao longo do seu trajeto.
O projeto do canal, não mais visto como produção de um artefato técnico, criará uma centralidade linear composta por uma sucessão de espaços privados e públicos, abertos a inúmeras possibilidades de resignificação por parte da população. O desafio será incentivar que alguma forma de domínio público se instaure. Uma estratégia a ser testada é associar os espaços livres aos usos de grande valor para a população. Ou seja, promover a construção de imaginários como instrumento de apropriação do espaço.
A presença da água, a ausência de significativos espaços de lazer na favela e as características dos espaços livres resultantes junto ao córrego indicam que, entre tantas expressões, evocar a cultura da praia pode trazer algum resultado. Pois reconhecemos que, na praia urbana, as formas expontâneas de negociação do uso do espaço tornam a coexistência ativa e desejável. Nela, encontramos uma das mais potentes estruturas espaciais das cidades brasileiras que é o calçadão, espaço de mediação entre as áreas destinadas ao ócio e as áreas destinadas à vida habitual da cidade. Sua linearidade, sua possibilidade de fruição processional e sua inderterminação o qualificam como um borda urbana de grande porosidade.
Esse trabalho nada mais é que a investigação de formas de negociação do uso do espaço através de estratégias de projeto.
ficha técnica
São Paulo, SP, 2009.
MMBB aquitetos
Fernando de Mello Franco
Marta Moreira
Milton Braga
Arquitetos
Cecília Goes
Giovanni Meirelles
João Yamamoto
Maria João Figueiredo
Vito Machione
Estagiários
Bruno Taiar de Carvalho
Eduardo Pompeu
Enrico Piras
Guilherme Pianca
Pauline Beaumont
Tiago Mendes
Paisagismo
Cristhian Werthmann
Engenharia
Geométrica Engenharia de Projetos LTDA
Consultoria ambiental
Byron Stygge
Consultoria de engenharia florestal
Marcio Amaral Yamamoto
Área de intervenção / desapropriação
37.713 m²
Nº de desapropriações
698 u
Área de faixa de expansão
2.350 m²
Área de interesse coletivo
591 m²
Área de habitações propostas
9.456 m²
Nº de unidades habitacionais propostas
128 u
Área edifício de equipamentos e serviços
2.498 m²
Nº de árvores propostas
370 u
Nº de luminárias públicas propostas
132 u