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O impasse jurídico decorrente de decisões recentes do Tribunal de Contas da União – TCU evidencia o risco que correm os concursos de arquitetura enquanto modalidade de contratação na administração pública.

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SOBREIRA, Fabiano. Concursos de arquitetura: um impasse jurídico. O Tribunal de Contas da União contra a qualidade da arquitetura pública? Projetos, São Paulo, ano 14, n. 159.02, Vitruvius, mar. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.159/5097>.


A polêmica em torno do Concurso para a Sede do BNDES no Rio de Janeiro, lançado em fevereiro de 2014, como diz o jargão popular: “é apenas a ponta do iceberg”. As discussões em torno do concurso apenas revelam um impasse jurídico decorrente de decisões recentes do Tribunal de Contas da União – TCU e que, já há alguns anos, têm colocado em risco os concursos de arquitetura enquanto modalidade de contratação na administração pública.

As primeiras manifestações públicas a respeito do concurso condenaram o órgão promotor (BNDES) e a instituição apoiadora (CAU-RJ) pelo suposto “desrespeito à profissão”, mas a situação é muito mais delicada e vai além da simples vontade do gestor público bem-intencionado e não se resolverá com a mera insatisfação das instituições de classe.

A principal polêmica em relação ao concurso citado é a contratação do projeto legal e executivo por meio de processo licitatório específico (por menor preço ou pregão), posterior ao concurso. Nestes termos, o autor do projeto vencedor do concurso não seria necessariamente o responsável pelo desenvolvimento das demais etapas do projeto (básico, legal e executivo). De acordo com o “novo” entendimento do TCU, o concurso, enquanto modalidade de licitação, não garante ao autor do projeto vencedor o seu direito de desenvolver as demais etapas do projeto (básico, legal e executivo).

No entanto, até 2012 a jurisprudência vigente no TCU era baseada na súmula 157, que definia:

“A elaboração de projeto de engenharia e arquitetura está sujeita, em princípio, ao concurso ou ao procedimento licitatório adequado e obediente a critério seletivo de melhor qualidade ou de melhor técnica, que é o escopo do julgamento, independentemente da consideração de preço, que há de vir balizado no Edital”.

A referida súmula seguia, naturalmente, a orientação no Art.13 da Lei 8.666/1993 (instrumento norteador da gestão pública na contratação de serviços), que define a preferência aos concursos na contratação de projetos. Surpreendentemente (e aqui está o centro da questão), em 2012 o TCU publicou o Acórdão 3468/2012, em que revoga a súmula 157 (1).

O que se observa no acórdão do TCU é um erro grave (proposital ou acidental, não se sabe) de interpretação da Lei 8.666/1993. Os argumentos apresentados no acórdão sugerem a distinção de duas etapas do contrato do projeto, definidas como “escolha” e “elaboração”. Na sequência, o acórdão sugere que o concurso seria a modalidade apropriada para a “escolha” do projeto, enquanto que a “elaboração” poderia ser contratada por qualquer outra modalidade, como o pregão. A Legislação, no entanto, não faz tal distinção, e é clara:

“§1º Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração”. (grifo nosso)

A Lei fala da contratação do projeto enquanto objeto único e não faz distinção entre “escolha” e “elaboração”. O contrato, que segundo a legislação deve ser celebrado preferencialmente por concurso, é para a “prestação de serviço técnico profissional especializado”. O estudo preliminar, o anteprojeto, o projeto legal e o projeto executivo são etapas de um único objeto, indissociável: o projeto de arquitetura. Afinal, a responsabilidade técnica sobre o projeto não se encerra nas respectivas etapas.

O formato do concurso tal como proposto pelo BNDES nada mais é do que uma reação administrativa a um “impasse jurídico” que se tem instaurado a partir das “novas jurisprudências” fabricadas pelas instituições de controle (interno e externo) e que têm inviabilizado a realização de concursos de arquitetura.

Alguns concursos já foram cancelados ou suspensos e em outros casos há determinação para que os gestores cancelem contratos ou devolvam os valores pagos aos autores dos projetos vencedores.

Em 2013 a Secretaria de Estado de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal suspendeu a contratação dos vencedores (2) e posteriormente anulou parcialmente (3) os cinco Concursos Públicos Nacionais de Arquitetura e Urbanismo reunidos sob o título “Brasília: Território e Paisagem”: Parque Urbano do Gama, Parque Urbano do Paranoá, Parque Recreativo e Ecológico Canela de Ema de Sobradinho, Parque de Exposição Agropecuária de Planaltina e de reforma do Edifício Sede da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano. A Procuradoria Geral do Distrito Federal “considerou ilegal a contratação direta dos vencedores dos concursos para desenvolvimento dos projetos executivos” e baseou sua decisão em “jurisprudência do Tribunal de Contas da União, em especial a Decisão contida no Acórdão 3.361/2011. Ainda de acordo com o “Aviso de Suspensão de Licitação” (29/04/2013), caberia à Secretaria realizar uma “licitação específica para a contratação de empresa que desenvolva os projetos executivos”. Em 23 de julho de 2013 foi publicado o “Aviso de Anulação parcial de licitação”, que considerou ilegal a contratação de serviços de desenvolvimento de projetos executivos e complementares, “sem licitação prévia”, como se o concurso não fosse – por Lei – modalidade de licitação preferencial e suficiente para tal contratação.

Enfim, é preferível imaginar que se trata de um mero “impasse jurídico”, e que o TCU apenas tenha cometido um erro de interpretação, que poderia ser corrigido após incursões formais junto à instituição. Não se pode imaginar que o Tribunal de Contas da União tenha revogado a súmula 157, ignorado a legislação e criado essa “nova jurisprudência” para atender ao “lobby” de empreiteiras que desejam fragilizar o processo licitatório ou incluir o projeto executivo como escopo da licitação da obra, o que é inconstitucional, ilegal e prejudicial à qualidade da obra e ao interesse público. Seria o oposto do que o órgão divulga como missão institucional: “controlar a Administração Pública para contribuir com seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade”.

Diante de tal equívoco de interpretação e de aplicação da Lei, o que fazer? Apenas questionar o BNDES ou o CAU-RJ em pouco contribui para a resolução do problema; tais instituições são apenas vítimas dessa falsa jurisprudência. Ao IAB (pela tradição na organização de concursos) e em especial ao CAU (por seu respaldo jurídico e solidez financeira), cabe ir além da “defesa dos interesses corporativos”. As instituições devem reunir esforços para a contratação de profissionais da área jurídica que sejam capazes de esclarecer o “impasse” e defender a aplicação da Lei, com representações formais junto ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União. Os concursos, enfim, devem ser incentivados não por que são “bons para a profissão”, mas por que são fundamentais para a qualidade da arquitetura pública e das cidades, portanto de interesse coletivo.

notas

NE
Publicação original do artigo: SOBREIRA, Fabiano. Concursos de arquitetura: um impasse jurídico. O Tribunal de Contas da União contra a qualidade da arquitetura pública? Portal Concursos de Projeto, Brasília, 16 mar. 2014 <http://concursosdeprojeto.org/2014/03/16/concursos_de_arquitetura_um_impasse_juridico/#_ftnref3>.

NA
Agradeço ao arquiteto Danilo Matoso Macedo pela gentil contribuição e revisão do texto.

1
Ver abaixo trechos do Acórdão 3468/2012 do TCU, que revoga a súmula 157, presentes no Ofício AA SUP nº 01/2014, BNDS, Rio de Janeiro, 28 fev. 2014 <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Hotsites/Concurso_Anexo_BNDES/Arquivos/Oficio_CAU-RJ_resposta_BNDES.pdf>.

“16. No âmbito das discussões do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria TCU153/2009, além das razões expostas pela Secretaria de Fiscalização de Obras, destacou-se ser o concurso a que a se referem o art. 13, § 1º (c/c o art. 13, I) e o art. 22, § 4º, ambos da Lei nº 8.666/93, a modalidade licitatória mais indicada para a escolha de projetos (de engenharia e de arquitetura) pronto e acabado. Ou seja, no concurso, a proposta da licitante já é o próprio projeto pronto e acabado.

17. Diferentemente é a hipótese de seleção de empresa apta a prestar o serviço de elaboração de projeto, objeto da súmula em exame, que, nos dias de hoje, vem sendo feita muitas vezes por pregão (inclusive pelo próprio TCU), em que o tipo de licitação é necessariamente o “menor preço”. Nesse tipo de seleção a elaboração do projeto significa propriamente executar o contrato.

18. Em síntese, por intermédio do concurso, escolhe-se o melhor projeto, entre os apresentados para fim de disputa, enquanto que no pregão (o tipo será sempre o “menor preço”) ou em outra modalidade em que o tipo possa ser “melhor técnica” ou “técnica e preço” (não cabendo aqui a discussão se elaboração de projeto de engenharia é ou não de natureza comum), a licitante será selecionada para elaborar o projeto a posteriori, de acordo com a proposta que apresentou no certame em que se sagrou vencedora e as diretrizes previamente traçadas pela Administração, diretrizes essas que constaram do projeto básico (ou do termo de referência, conforme o caso). (…)

20. O assunto abordado no Enunciado de Súmula nº 157 não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico atual, conforme evidenciado nesta manifestação, considerando o novo regramento introduzido pela Lei nº 8.666, de 1993 e a revogação dos dispositivos legais que a amparavam”. (grifo nosso)

2
Aviso de Suspensão de Licitação. Diário Oficial do Distrito Federal, n.87, 29 abr. 2013.

3
Aviso de Anulação Parcial de Licitação. Diário Oficial do Distrito Federal, n. 152, 25 jul. 2013.

sobre o autor

Fabiano Sobreira é arquiteto e urbanista, editor do portal concursosdeprojeto.org.

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