Em 2009, o governo federal decide que quer fazer um museu em homenagem a Luiz Gonzaga. Um grande museu que conte sua trajetória de vida e mostre porque este homem, com sua vasta obra, transformou-se em um dos mais sólidos pilares da cultura brasileira. Não é preciso dizer aqui quem é Luiz Gonzaga, o mestre Lua, pois ele habita o espírito e o imaginário de todos os brasileiros, mesmo sem que muitos de nós tenhamos clareza disso.
A partir da indicação do antropólogo Antonio Risério, que escreveu o texto fundador do museu, fomos convidados pelo Ministério da Cultura para elaborar o projeto. Montamos uma equipe multidisciplinar para, desde o início, pensar arquitetura e conteúdo como um conjunto. Pensar nos espaços e nas sensações que queríamos criar no espectador, nas informações a serem transmitidas e nas experiências a serem vividas naquele espaço a ser inventado. Para a construção do museu, o Governo do Estado de Pernambuco destinou um dos armazéns do antigo Porto do Recife e uma grande área contígua. Uma área à beira mar, na ilha histórica onde nasceu a cidade do Recife, junto ao Marco Zero.
Demos início aos trabalhos e, ao mergulhar na obra de Gonzaga, nos deparamos com o óbvio: ninguém melhor que ele cantou (e contou) o sertão. Não há aspecto da vida sertaneja que tenha ficado fora de suas quase 700 canções, verdadeiras joias da música brasileira. Decidimos então que nosso museu deveria, ao cantar Luiz Gonzaga, contar o sertão e, inversamente, contar o genial inventor cantando o sertão. Já não sendo somente um museu em homenagem ao artista, deveria trazer o sertão para a beira do mar, abrindo os olhos para o universo fantástico, ao mesmo tempo rico e pobre, trágico e festivo, violento e poético de grande parte da população que habita esta vastidão territorial chamada Sertão.
Assim nasceu o Cais do Sertão Luiz Gonzaga.
Em consonância com a proposta urbanística do Estado e do Município de manter os antigos galpões do porto dando-lhes novas funções, começamos a desenvolver nosso projeto com o aproveitamento de um deles (2500m2) e criando um novo edifício (5000m2), conectado ao galpão reforçando a estrutura longilínea de construções do porto, para abrigar todo o programa do museu.
Para o antigo galpão, inaugurado em 2014, destinamos as funções de museu propriamente ditas, com a exposição de longa duração em homenagem a Gonzaga e ao mundo sertanejo. O novo edifício, por sua vez, inaugurado em 2018, abriga um auditório com 300 lugares, salas para exposições temporárias, cursos, reserva técnica, biblioteca e um restaurante sertanejo no jardim da cobertura, de onde se descortina de um lado o Recife Antigo e, do outro, o mar e seu arrecife.
Para este novo edifício utilizamos o concreto pigmentado amarelo ocre, que remete ao solo quente do agreste. Com uma estrutura de concreto protendido, projetamos um grande vão de aproximadamente 65 metros, justamente em frente à Torre Malakoff, para criar uma grande praça coberta, abrigo do forte sol e das muitas chuvas da cidade. Essa praça coberta, como uma “varanda urbana”, possibilita uma infinidade de usos ao abrigo do sol e da chuva.
Mas o mais importante elemento da arquitetura é o cobogó gigante, criado especialmente para o projeto. Nada mais justo do que o uso do cobogó nas construções do Recife, cidade onde ele nasceu, pelas suas características de amenizar a relação dos espaços interior/exterior: filtro de luz para os de dentro; e uma “doce e amaciada” fachada para os de fora. São 2100 peças de 1m x 1m, com 120 quilos cada, com desenho que remete à galhada da caatinga ou às rachaduras de solo seco – além de outras interpretações possíveis. No conjunto, uma verdadeira renda branca sobre o concreto amarelo.
Se tivéssemos que resumir em poucas palavras o que é o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, diríamos que é o encontro da técnica com a poética, do hi-tech com o low-tech, do rigoroso e rico conteúdo com a possibilidade da livre interpretação e desfrute; enfim, lugar para o “gozo estético”, onde emoção, surpresa e descoberta caminham lado a lado. Sertão à beira mar.
ficha técnica
datas
Projeto: 2009
Inauguração: 2018
áreas
Terreno: 7000m2
Construída: 5000m2
autores
Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
coautores
Pedro Del Guerra, Cícero Ferraz Cruz e Luciana Dornellas
colaboradores
Anne Dieterich, Beatriz Marques, Fabiana Paiva, Felipe Zene, Fred Meyer, Gabriel Grinspum, Júlio Tarragó e Victor Gurgel
estagiários
Guilherme Tanaka, Laura Ferraz, Roberto Brotero e William Campos
Bruno Veiga e Francielle Lopes
fotos
Nelson Kon
premiação
Prêmio na categoria “Restauro/requalificação” na Premiação IAB/SP Especial 75 anos 2018
nota
NE – O júri do Prêmio Instituto Tomie Ohtake Akzo 2018, formado pelos arquitetos Adriana Benguela, Fábio Mariz Gonçalves, José Lira, Marcos Boldarini e Priscyla Gomes, selecionaram treze finalistas, publicados nos números 211 e 212 da revista Projetos do portal Vitruvius:
01. PRISCO, Alexandre; ANDRADE, Nivaldo. Casa do Carnaval. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.01, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7056>.
02. MANGABEIRA, Daniel; COUTINHO, Henrique; SECO, Matheus. Casa 711H. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.02, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7058>.
03. NITSCHE, Lua; NITSCHE, Pedro. Residência Piracaia. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.03, Vitruvius, jul. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7059>.
04. O’LEARY, Fernando; DOMINGUES, Pedro; FARIA, Pedro. Vila Amélia. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.04, Vitruvius, jul. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7060>.
05. TEIXEIRA, Carlos M. Casa no Cerrado. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 211.05, Vitruvius, jul. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.211/7062>.
06. VAINER, André. Residência em Gonçalves. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.01, Vitruvius, ago. 2018 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7063>.
07. VIGLIECCA, Héctor; QUEL, Luciene; SHIMIZU, Neli; WERNER, Ronald Fiedler. Parque Novo Santo Amaro V - Programa Mananciais. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.03, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7064>.
08. MACIEL, Carlos Alberto; ITOKAWA, Ulisses Mikhail Jardim. Estúdios Ouro Preto. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.04, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7065>.
09. CALVINO, Rodrigo; PORTAS, Diego. Hostel Villa 25. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.02, Vitruvius, ago. 2018 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7071>.
10. JUNI, Anna; WINKEL, Enk te; DELONERO, Gustavo. Sede de uma Fábrica de Blocos. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 212.05, Vitruvius, ago. 2018 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.212/7073>.
11. FANUCCI, Francisco; FERRAZ, Marcelo. Cais do Sertão. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 216.02, Vitruvius, dez. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.216/7193>.
12. XAVIER, Cristina. Vila Taguaí. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 205.03, Vitruvius, jan. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.205/6859>.
13. ROCHA, Paulo Mendes; MOREIRA, Marta; BRAGA, Milton; FRANCO, Fernando de Mello. Sesc 24 de Maio. Projetos, São Paulo, ano 18, n. 206.02, Vitruvius, fev. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/18.206/6886>.