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FRÚGOLI JR., Heitor. Marcos da história urbanística do Brasil colonial. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 002.03, Vitruvius, fev. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.002/3251>.


Dentre os mais variados eventos e produtos culturais que vêm marcando a celebração e a reflexão crítica sobre o Brasil em seu 5º Centenário, com certeza pode-se destacar o recém-publicado trabalho do arquiteto e historiador Nestor Goulart Reis, fruto de 40 anos de pesquisa – Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial –, cujo vasto e precioso material iconográfico – centenas de desenhos, gravuras e plantas coletados em bibliotecas e arquivos no Brasil, Portugal, Holanda, França e Espanha – evidencia a necessidade de uma reavaliação histórica do desenvolvimento urbano do país ao longo da Colônia.

Tal revisão dessa época à luz de uma perspectiva espacial e urbana se justifica porque, segundo o autor, os documentos administrativos portugueses, que servem de base para muitos historiadores, são em geral indiferentes ou mesmo ignoram muitos aspectos relevantes da vida social local da Colônia. Além disso, consolidou-se nas análises uma valorização quase absoluta da vida rural sobre a urbana, o que em suma obscurece uma visão e compreensão mais claras de atividades econômicas tipicamente urbanas também existentes no período – como comércio, serviços, construção civil, artesanato e produção cultural –, sem falar de um forte preconceito sobre o urbanismo colonial, já que Reis busca comprovar “a existência de uma atividade planejadora regular do mundo luso-brasileiro” (p. 9-11).

Dessa forma, o livro não somente desperta interesses diversificados – no campo da história, da arquitetura, das ciências sociais, da cartografia – como também permite variadas interpretações, cabendo aqui alguns comentários que não pretendem esgotar sua complexidade.

É impressionante a quantidade de registros geográficos dos século 16 e parte do 17, movidos pela necessidade estratégica de ocupar e proteger o território – no caso dos portugueses – ou de invadi-lo – mormente no caso da ocupação holandesa nordestina. A maioria dos desenhos, nesse caso, é das costas litorâneas na perspectiva dos navegantes, esquadrinhando seus sistemas de defesa (ver as partes dedicadas a Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Santos e São Vicente, entre outras).

Destaca-se especialmente a produção holandesa relativa a Pernambuco, com realce, além dos mapas – como o plano de desenvolvimento para Recife, provavelmente de 1642 (p. 86) –, para gravuras de Olinda e Recife, como a de Claes Visscher, de 1630 (p. 80), além das belíssimas obras de Frans Post – que permaneceu no Brasil entre 1637 e 1644 –, cuja “Mauritiopolis” (p. 85), com vista panorâmica sobre Recife, constitui “um dos melhores e mais importantes documentos sobre a aparência das vilas e cidades do Brasil, no século 17” (p. 336). Nem tudo, entretanto, é propriamente “progressista”: a gravura “Olinda” (p. 89), de Post (1647), documenta conventos em ruínas e ausência de fortificações e de edificações particulares em torno das construções religiosas, muito provavelmente em decorrência do incêndio da cidade em 1631, deliberado pelos próprios holandeses.

Merece menção especial a produção do século 18, período em que se firmou a atividade de profissionais portugueses – principalmente engenheiros militares – que gradativamente “se deslocou no tempo, de uma atividade puramente militar e defensiva, para um campo de ação especificamente urbanístico” (p. 13), principalmente sob as determinações do poderoso primeiro-ministro português Marquês de Pombal, quando foram definidos certos padrões nos arruamentos e edificações de muitas cidades brasileiras.

Numa linha mais abrangente, o leitor encontrará, ao longo da parte dedicada ao Rio de Janeiro (p. 154-187), desenhos cujas seqüências cronológicas permitem uma reconstituição de dados urbanísticos significativos num largo período de tempo – de 1579 a 1819 –, assim como na análise dedicada a Vila Rica, hoje Ouro Preto (p. 215-216), é possível avaliar como, malgrado receber menor atenção militar por estar afastada do litoral, sua área central era dotada de forte disciplina urbanística. Quanto às ações ligadas ao período das reformas pombalinas, deve-se salientar em especial o caso de Vila Bela, no Mato Grosso (p. 259-261), de Vila de Barcelos, antiga capital do Amazonas (p. 298-302) e de Belém (p. 266-279), espaços destinados à utilização do “urbanismo como uma forma de afirmação da presença portuguesa” (p. 401), sem falar de primorosas panorâmicas da “Viagem Filosófica” dirigida pelo naturalista Alexandre Ferreira no final do século 18, enfocando locais como Cuiabá (p. 254) e Belém (p. 275), entre outras.

Finalizando, aspectos sociológicos que chamam a atenção e que mereceriam futuras investigações aparecem num conjunto de desenhos esparsos que mostram a tentativa, ao longo do século 18, de incorporação em áreas urbanas, de forma segregada e controlada, de populações marginalizadas. É o caso da política de integração indígena presente no plano de Vila Viçosa, em Porto Seguro de 1769, que anexou à cidade uma aldeia indígena, sujeita a partir de então a um arruamento geométrico (p. 59); na incorporação de Vila Maria do Paraguay, habitada por índios e portugueses, em casas padronizadas com regularidade geométrica, em Cáceres, Mato Grosso, em 1790 (p. 265); na construção em 1765 da Aldeia de São Miguel, Rondônia, em moldes semelhantes a acampamentos militares, para abrigar índios antes próximos à fronteira (p. 296); curiosamente, o quilombo Buraco do Tatu, na Bahia (1764), apresentava também arruamentos regulares, semelhantes aos modelos portugueses de então (p. 54).

Em recente entrevista, o autor afirmou que as políticas urbanas iluministas pensavam o espaço de cada segmento social na cidade para melhor exercer seu controle, ao passo que uma marca do fenômeno urbano contemporâneo seria a indiferença para com os mais pobres. Diante da intenção de Reis, de que o planejamento urbano colonial esteja mais presente nos cursos de arquitetura, está também dada a oportunidade para se refletir sobre a difícil inserção dos marginalizados nas cidades de ontem e de hoje.

nota

Texto originalmente publicado no Jornal da Tarde, Caderno de Sábado, 7 de abril de 2001. Republicação em Vitruvius aprovada pelo autor.

sobre o autor

Heitor Frúgoli Jr. é professor de Antropologia da UNESP/Araraquara, doutor em Sociologia na USP e autor de Centralidade em São Paulo (Cortez/Edusp).

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resenha do livro

Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial

Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial

Nestor Goulart Reis

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