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MASSAD, Fredy; GUERRERO YESTE, Alicia. A cidade em jogo. Resenhas Online, São Paulo, ano 07, n. 080.02, Vitruvius, ago. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.080/3065/pt>.


tradução ivana barossi garcia

Fundamentalmente planejadas para acolher o ócio infantil, as zonas de entretenimento público são possivelmente algumas das menos estudadas no momento de ser projetadas. Seu desenho tende a se transformar na acumulação de elementos mobiliários totalmente estereotipados ou caprichosamente ultradesenhados, que oferecem umas mínimas possibilidades de variação e improvisação para o jogo e para a interação social, tanto para crianças como para adultos com uma idéia vaga das necessidades e desejos de seus usuários. Espaços conceitualmente abordados e resolvidos de modos excessivamente elementares, pese à relevância que os discursos cívicos querem lhes outorgar. E, no entanto, se trata de espaços que intrinsecamente possuem um enorme potencial para constituir-se como pequenas ágoras pelas quais catalisar e consolidar a idéia de comunidade que paulatinamente está desaparecendo do sentimento urbanista contemporâneo. Sobre este fator tratam de chamar a atenção, oferecendo ao mesmo tempo ensaios de resposta, a historiadora Liane Lefaivre e a equipe de arquitetos dirigida por Henk Döll (www.dollab.nl) através do projeto de pesquisa The World is my Playground – reunido no livro Ground-Up City. Play as a design tool (www.010publishers.com) – que implicou na proposição de um modelo teórico e sua subseqüente aplicação em diferentes áreas do tecido de diferentes capitais holandesas.

Sua pesquisa reivindica a necessidade de recuperar um significado amplo para o conceito do jogo na hora de criar este tipo de âmbitos urbanos: que o arquiteto realize seu trabalho de criação a partir da disposição mental com a que se pratica o jogo e que seus usuários –crianças, jovens e adultos – encontrem nestes âmbitos um espaço que lhes permita uma experiência lúdica e imaginativa com seu entorno. “O jogo representa a liberdade mental, e uma oportunidade para desviar-se das regras. O lugar de jogo tem também significado como margem física que permite o movimento entre os diferentes componentes de uma construção ou de uma máquina” propõe Lefaivre desde uma perspectiva que trata de enfatizar a importância crucial das zonas de recreio como parte da engrenagem social da cidade. Destacando as reflexões de artistas atuais cujo trabalho explorou a vertente lúdica do espaço urbano livres do complexo de seriedade de que sofre a arquitetura; e constatando os diferentes modos de apropriação livre deste como campo de diversão por parte dos cidadãos (tais como o free-running, a agricultura urbana, a criação de áreas de banho público…) reinterpretando as infra-estruturas urbanísticas e arquitetônicas disponíveis, Lefaivre argumenta a necessidade de repensar sobre como e para que criar esses ambientes de expansão para o homo ludens contemporâneo.

Enfatizar nos atributos pedagógicos, terapêuticos e civilizadores atribuídos ao ato de jogar por pensadores como Schiller, Gross, Freud ou Huizinga (e que simbolicamente eram já tema de numerosas pinturas de cenas de costumes na pintura holandesa do século XVII); e recuperar o respeito ao poder subversivo e libertador do jogo sustentado pelos dadaístas como guias para essa reformulação necessária e que deve distanciar-se ideologicamente das fantasias ingênuas e tecnocráticas com que Le Corbusier, Mumford, Kahn ou Noguchi idealizaram nos anos subseqüentes ao fim da Segunda Guerra Mundial o conceito das áreas lúdicas urbanas como eixos para o renascimento de uma sociedade harmônica é o que propõem Lefaivre e Döll. Retomam a consciência com que arquitetos como Jane Jacobs e os Smithsons discreparam dessas concepções sofisticadas e utópicas das zonas de recreio, centrando seu interesse em preservar os espaços intersticiais urbanos de pequena escala com este fim, como um meio para manter a comunidade.

Um conceito que na Holanda encabeçaram durante o período de pós-guerra na Holanda, Aldo van Eyck, Cornelius van Eesteren, Jacoba Mulder que criaram toda uma nova série de espaços de recreio integrados no tecido urbano tradicional de Amsterdã, em pequenos espaços intersticiais deste, sem necessidade de estabelecer expressamente uma área ex-nova para eles. Se tratava de parques não impostos pela administração local e sim parte de um processo participativo do ‘poder popular’ que envolvia os cidadãos e o departamento de Desenvolvimento Urbano de Amsterdã,  criando uma rede policêntrica estreitamente tecida graças à que se incrementava o número destes espaços que permitiam uma reconstrução social.

Baseando-se neste modelo, o estúdio Döll – Atelier voor Bouwkunst analizou e propôs possíveis intervenções nas vizinhanças de Het Oude Westen  e Hoogvliet (Rótterdam) com o objetivo de analisar as repercussões positivas que a geração de uma rede de pequenos espaços de recreio pode oferecer na cidade contemporânea. A premissa é não delimitar a idéia da criação de uma área de jogo (playground), exclusivamente dedicada a jogos infantis e juvenis, mas gerar um conceito mais amplo do espaço de jogo (playspace), onde o projeto urbano se aproxima à noção de homo ludens, propondo que a cidade contemporânea se transforme inteiramente numa área potencialmente lúdica. Assim, se define “jogo” como a possibilidade de intervir sobre o tecido da urbe semeando-a de pequenos lugares onde quebrar a dinâmica frenética da cidade, contrapondo-se às teorias que patrocinam grandes empreendimentos e que acabam ameaçados a transformar-se em não-lugares. A proposta de Döll tende à ativação pontual de espaços em desuso para inserir dentro da trama urbana uma rede de espaços lúdicos, âmbitos multifacetados que respondam à exigência de espaços recreativos adequados ao ar-livre – lugares onde as crianças e jovens possam patinar, jogar futebol, balançar-se, dançar, grafitar… – mas que mesmo assim estejam à serviço dos adultos. Zonas de funcionamento fluido intergeneracionais que mesmo assim fiquem abertos a usos temporais e improvisações que se desenvolveram da mesma forma de um jogo de reconhecimento e descobrimento do território no qual participaram arquitetos e moradores.

Na análise histórica de Lefaivre e no projeto de Döll sub-existiu a vontade de encontrar uma forma efetiva de estimular uma utilização coletiva e democrática do espaço público. O projeto inicial deu motivo a uma série de debates, exposições e outras atividades através das quais se envolvam outros setores envolvidos na definição da identidade da cidade atual, de forma que se assuma a necessidade de tirar do anonimato as zonas de entretenimento público para transformá-las em lugares integradores, criadores de um sentido de comunidade entre os indivíduos de diferentes gerações, diferentes classes sociais e diferentes procedências culturais que habitam hoje a cidade européia, algo que – como sustentam Lefaivre e Döll – é possível através da construção de uma nova visão sobre como jogar na cidade.

[artigo originalmente publicado no Diário de ABC, 21 jul. 2007.]

sobre o autor Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, são titulares do escritório ¿btbW, e autores do livro "Enric Miralles: Metamorfosi del paesaggio", editorial Testo & Immagine, 2004

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