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MASSAD, Fredy; GUERRERO YESTE, Alicia. Inventário urbano. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 087.02, Vitruvius, mar. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.087/3047/pt>.


Às vezes nos chama a atenção o letreiro deteriorado que ainda se conserva de um estabelecimento comercial abandonado há anos, fechado atrás de uma persiana metálica imunda. De repente, – e como não teríamos feito talvez no momento no qual esse local funcionava e esse rótulo tinha uma ativa razão de ser e estar –, olhamos atentamente a esse rótulo apreciando-o como obra de design gráfico, incluso sendo capazes de datar com relativa precisão a antiguidade da peça pelo estilo de sua tipografia, as cores, o texto ou alguma ilustração incorporada.

Passamos ante centenas de elementos gráficos urbanos todos os dias sem dar-lhes esse tipo de atenção. Só ocasionalmente sentimos que algum deles nos avivou o olho estético, carente de olhar sensível por deformação profissional como América Sánchez (Buenos Aires, 1939), o autor de um inventário fotográfico de quase mil e novecentos detalhes gráficos captados nas ruas de Barcelona. Detalhes que refletem as facetas populares, folclóricas, espontâneas, anônimas, artesanais… da arte gráfica e que América Sánchez recolheu em Barcelona Gráfica. Ir passando as páginas desse inventário absolutamente heterogêneo que Sánchez fez de imagens de rótulos, escudos, placas, ferragens, monogramas, ornamentos de todo tipo… é transformar-se em transeunte experimentando esses tipos de achados ocasionais.

O livro está elaborado “com rigor de tese de doutorado e com vontade pedagógica” e pode ser usado – diz América Sánchez – como manual de soluções gráficas para uso de desenhistas, tipógrafos, arquitetos e interioristas; e como uma recompilação do patrimônio gráfico de Barcelona, que serve também como ferramenta para historiar o tecido industrial, comercial e institucional de diferentes épocas da cidade. Mas, porque o interesse nas expressões do design gráfico de América Sánchez parte de uma atitude mental totalmente livre e sem preconceito em relação a estas, Barcelona Gráfica é também algo muito mais interessante e valioso que isso. Já aponta seu colega Norberto Chaves no texto que apresenta este livro que América Sánchez não é um designer de moda apesar de sua inscrição modelo em sua disciplina profissional: autodidata marcado pela sóbria Escola Suíça de Josef Müller-Brockmann e responsável por desenhos como o logotipo de Vinçon e do Museu Picasso, o emblema da candidatura olímpica de Barcelona’92 ou o tratamento gráfico dos táxis da cidade, num mundo onde a figura do designer gráfico deve grande parte de sua credibilidade a estar adscrito no universo de tudo-o-que-esteja-em-ultra-vanguarda, Sánchez reivindica o vibrar escutando e dançando música cubana e antilhana como atividade obrigatória para os de seu grêmio. “Se dançassem salsa a cada dia melhorariam sua forma expressiva” afirmou em alguma ocasião.

Esta paixão sua delata que sua forma de olhar, ao mesmo tempo que extremamente atenta e meticulosa, está carregada de humor ante a vida. Não há sarcasmo, mas sim uma pequena ironia e o interesse mais respeitoso – próximo do olho mais analítico para comparar diferentes versões de um mesmo motivo iconográfico – quando observa e capta detalhes como os desenhos da oferta de sanduíches e tapas de qualquer bar ou o nome do produto do dia escrito com pintura branca sobre o vidro da vitrine; quando adverte rótulos que possuem algum tipo de peculiaridade que se observa sorrindo, como gracejos não intencionais oferecidos pela via pública para todos os dias (a rude aliteração que contém o discreto rótulo da Ortopedia Ortomas, a pecadora maçã que protagoniza o rótulo de um estabelecimento chamado ‘Eva’, ou o rótulo-slogan emparelhado de Mudanças ‘O Raio Sou. Onde me chamam vou’…).

Rótulos e ornamentos que não só se tem de interpretar como mostras dos estilos e sua reinterpretação na forma de tornar popular do design gráfico de uma época determinada. Muitas delas há que vê-las ademais como mostras – preservadas pelas ruas – de costumes cotidianos que já caíram em desuso e quase no esquecimento, talvez reconhecendo América Sánchez ao captar delas o valor sentimental que para algum vizinho anônimo esse rótulo de padaria, ou o letreiro de sua escola… pode ter, negando assim que só seja interpretado e elogiado porque entra na categoria de kitsch ou puro retro.

Estas fotografias de América Sánchez nos proporcionam um conhecimento íntimo da cidade. A intimidade que se encontra no público, no que acontece todos os dias. Barcelona Gráfica é uma catalogação sensível e exaustiva que nos faz ver a forma de entender Barcelona desde uma dimensão total, nos descobrindo este mundo pessoal e complexo, uma construção da cidade real, reconstruída através desses fragmentos, criando assim a sensação de estar numa Barcelona autêntica e própria.

Talvez porque esta cidade é para América Sánchez a cidade eleita onde suas circunstâncias lhe fizeram decidir a ficar, um lugar que ele faz seu através do carinho de sua vivência. Uma paisagem que interiorizou e recriou. Certamente essa seja uma vantagem com a que conta: a de poder manejar a distância e a proximidade frente à iconografia de Barcelona, surpreender-se e estranhar-se ante o que simultaneamente é seu e ao mesmo tempo alheio nela.

sobre o autor

Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, são titulares do escritório ¿btbW/Architecture, e autores do livro Enric Miralles: Metamorfosi del paesaggio, Torino, editorial Testo & Immagine, 2004. Dedicam seu trabalho conjunto à pesquisa crítica sobre a arquitetura contemporânea

tradução felipe contier

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Barcelona gráfica

Barcelona gráfica

America Sanchez

2005

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