O anúncio da construção de uma mesquita em uma cidade européia costuma esbarrar em reações de apreensão e rechaço, apesar da estadística da crescente presença de muçulmanos evidenciar que a presença do Islã vai ser um dos fundamentos cruciais no desenvolvimento da identidade européia no futuro imediato. Afrontar sua assimilação dentro dos parâmetros sociais e culturais desta, superando essa brecha de rechaço ainda presente hoje, é o desafio ao qual se enfrentam ambas as partes dentro do território da Europa e que atualmente está encontrando um território de debate e reflexão para sua articulação na formulação de diferentes projetos arquitetônicos propondo uma nova visão para a mesquita.
As mesquitas erigidas na Europa durante o século XX foram projetadas pelos arquitetos ocidentais essencialmente como importações literais da tipologia tradicional, desde concepções pré-modernas ou pós-modernas, prolongando assim a obstinação por uma estética orientalista herdeira da interpretação do mundo árabe desenvolvida durante o período romântico. A Mesquita de San Petersburgo (1921), a Grande Mesquita de Paris (1926), a Mesquita Imam Ali-Mosque em Hamburgo (1965), a Mesquita de Londres (1977), a Mesquita de Lisboa ou a mais recente Mesquita Essalam em Rotterdam (2006) são evidências dessa distinção estética tão marcada de mesquita no que diz respeito às formas arquitetônicas de seu entorno, também palpável em edifícios locais de menor escala, elevando assim uma presença na qual ficava implicitamente simbolizada uma separação entre religião muçulmana e cultura européia.
Não obstante, frente a esta aparente imobilidade estética que reflete um conservadorismo ideológico, a tipologia da mesquita experimentou um desenvolvimento evolutivo em países muçulmanos como Turquia e Bosnia Herzegovina durante os últimos cinqüenta anos, através da aplicação dos fundamentos de linguagem modernos, fundando as bases que permitiram abrir meios a partir dos quais explorar como projetar sua contextualização hoje.
É fundamental ter presente que a mesquita não é um lugar sagrado, mas um lugar para a reza, seu requerimento funcional principal é poder servir como espaço de congregação e rituais prévios à oração antes que adequar-se a preceitos formais ou estéticos; um fator que incita a uma liberdade projetual que pode ajudar a definir o conceito de uma mesquita euro-islâmica.
A intervenção de jovens arquitetos muçulmanos de segunda ou terceira geração, que, preservando o vínculo com suas raízes, se consideram pertencentes à cultura européia, está sendo decisiva para conceber as bases dessa possível arquitetura cujo objetivo essencial seria o de formular uma nova presença da religião islâmica dentro da Europa atual mais além das formas desse historicismo estereotipado.
Obras como o Fórum Islâmico em Penzberg (Alemanha) de Alen Jasarevic ou os projetos para o Centro Islâmico Abbey Mills de Mangera Yvars ou Poldermosque de Memar Dut©H Architects – nos quais se percebe a persistente influência do desenho para uma mesquita em Estrasburgo de Zaha Hadid – evidenciam como a mesquita euro-islâmica se perfila conceitualmente como um lugar de concentração para a reza que se propõe como um espaço com uma dimensão pública imbuída de um matiz laico para convidar à aproximação a elas dos não-muçulmanos no que, formalmente, se reinterpretam seus elementos distintivos – como o minarete - ou se re-projetam desde as possibilidades que permite a tecnologia digital.
Estes edifícios, que se construíram ou permaneceram como projetos irrealizados, dão visibilidade à realidade de um processo em marcha de transformação da identidade da Europa em relação ao Islã e no qual estes edifícios cumprem uma função pedagógica decisiva para abolir definitivamente estereótipos e instigar novas formas de coabitação e relação.
[artigo originalmente publicado no suplemento “Cultura/s”, La Vanguardia, Barcelona, n. 373, em 12 de agosto de 2009]
[tradução marina rodrigues amado]
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004